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Os ventos (e outros contos), de Eudora Welty

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Por Pedro Belo Clara  Nascida no estado do Mississípi, durante a primeira década do século passado, Eudora Welty desenvolveu um trabalho sólido e veramente diversificado, o que lhe valeu a digna integração no restrito lote das mais marcantes personalidades da literatura estadunidense do século XX. Embora se tenha dedicado de forma mais constante à narrativa breve, de igual modo revelou os seus brilhantes dotes na área do romance e até do ensaio, conquistando em 1973 o Prémio Pulitzer com a obra The Optimist’s Daughter (numa tradução livre, “A Filha do Optimista” – obra que até à data ainda não mereceu uma versão portuguesa). Os temas em regra propostos pela autora, assim como as suas pessoais abordagens ao processo narrativo, não sofreram grandes flutuações de obra para obra. Tendo por base o cenário que frequentemente imprimia em seus trabalhos, assim como o descrever dos costumes da época, Welty evoca traços que facilmente se encontrarão em autores como J...

Essa estranha instituição chamada literatura: uma conversa com Jacques Derrida

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Por Fernanda Fatureto Em 1989, o acadêmico sul-africano Derek Attridge entrevistou Jacques Derrida e a conversa foi reunida no livro Acts of Literature, do filósofo francês. Em 2014, a Editora UFMG reuniu esse diálogo e o publicou no Brasil em 118 páginas sob o título Essa estranha instituição chamada literatura , com apresentação do pesquisador Evando Nascimento. Abaixo, algumas notas acerca das afirmações de Jacques Derrida sobre a literatura: 1. A literatura é a instituição que permite dizer tudo. O espaço da literatura não é somente o de uma instituição fictícia, a qual, em princípio, permite dizer tudo. Dizer tudo é, sem dúvida, reunir, por meio da tradução, todas as figuras umas nas outras, totalizar formalizando; mas dizer tudo é também transpor os interditos. É liberar-se – em todos os campos nos quais a lei pode se impor como lei. A lei da literatura tende, em princípio, a desafiar ou a suspender a lei. É uma instituição que tende a extrapolar a instituição. ...

Há muitos Faulkner

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Por Juan Tallón Há algumas semanas, numa biografia pouco conhecida, li que William Faulkner trabalhou durante três meses na fábrica de armas Winchester, em New Haven (Connecticut). Fiquei petrificado, desconcertado ante a sorte de trabalhos que alguns autores precisam assumir às vezes para chegarem a viver da escrita. Até esse ponto amam a literatura. Por outro lado, senti-me fascinado, pois num momento de nossa infância, quando a televisão exibia westerns a toda hora, os meninos queríamos ter um Winchester e um cavalo. Só anos depois, talvez poderemos querer escrever como Faulkner. Pareceu-me que aquele emprego na fábrica de rifles explicava muitas coisas, embora não soubesse quais. Talvez que Faulkner seria um grande escritor, antes ou depois. Um escritor, depois de tudo, não pode ser apenas um escritor. Nesse caso não tardaria em deixar de sê-lo. Até alcançar essa condição, peregrina por outros empregos, inclusive outras profissões. Há muitos Faulkner num só. Na...

Boletim Letras 360º #242

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Eis outra edição do Boletim Letras 360º. São as notícias copiadas do Letras no Facebook durante esta semana. A página alcançou agora a marca de 27 mil amigos. Novamente, só temos uma coisa a dizer: obrigado a todos! Segunda-feira, 02/10 >>> Brasil: A moça do internato , de Nadiêjda Khvoshchínskaia é o primeiro texto da literatura russa a trazer uma personagem feminina com um discurso claro sobre a emancipação da mulher Dentre as escritoras do século XIX que ajudaram a sedimentar a mulher como profissional de literatura e a agenciar representações de um feminino independente está Nadiêjda Khvoshchínskaia (1824-1889). A moça do internato  é uma novela narrada em terceira pessoa, e estruturada em 13 capítulos. Liôlienka é uma jovem provinciana dos anos 1850 cuja vida muda ao conhecer Veritítsin, poeta e intelectual politicamente decadente que se torna seu vizinho. À adolescente, Veritítsin começa a apresentar leituras e visões de mundo que cont...

Os melhores diários de escritores

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Um diário é, como diz sua própria definição, um texto que cresce à medida que se anotam os acontecimentos do cotidiano, incluindo a reflexão de índole íntima, isto é, o lugar invisível do eu, suas emoções. É em parte um texto livre, despojado do artifício da ficção, e por isso, pelo qual se entrevê a alma do escritor, seus medos, alguns dos movimentos de sua psique e os envolvimentos com extensões mínimas da existência. Podem acompanhar o escritor para uma vida, ou passagens das mais difíceis, agitadas, trágicas. Ou podem ser apenas uma proposta ambiciosa de contenção da areia do tempo que se esvai. Nesses registros ficam ainda, quando estamos ante diários de escritores, suas inquietações com os afazeres da criação, as relações interpessoais com outros de sua seara. Apresentamos uma seleção desse espírito descoberto de grandes escritores que mantiveram o gesto do diário pessoal e se atreveram torná-lo público, alguns só depois de sua morte, outros, como um exercício narcí...

Em má companhia, de Vladimir Korolenko

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Por Pedro Fernandes Quem por acaso já tiver lido Capitães da areia , do brasileiro Jorge Amado, não deixará de lembrá-lo durante a leitura de Em má companhia , do ucraniano Vladimir Korolenko. As narrativas que compõem o romance e a novela dos dois escritores se assemelham porque estão marcadas pelo protagonismo da gente simples; em ambas prevalece uma radiografia do mendicante habitante da periferia da zona urbana e vítima de um triste modelo opressor responsável pela segregação de camadas diversas da sociedade, sobretudo aquelas que vidas não foram agraciadas com determinadas benesses oferecidas a uns poucos. Os dois livros, aliás, se utilizam da mesma regra de composição: a fim de melhor comover o público, as narrativas são entrevistas pelo ponto de vista da criança marginalizada, um público recorrente em toda literatura interessada em denunciar alforra causada pelo capital. O título de Vladimir Korolenko recupera um daqueles caros conselhos que nos dão na infância...