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Pedro Almodóvar, filmes paralelos

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Por Carlos Reviriego “Não há história muda.” As palavras de Eduardo Galeano que fecham o drama das Mães paralelas , usadas com inteligência e sugestão lírica, funcionam como elo de um filme fragmentado, uma espécie de film-frankenstein desdobrado praticamente como dois “filmes paralelos” que partilham personagens, mas que poderiam muito bem não fazê-lo. No último longa-metragem de Pedro Almodóvar — que, para não sobrecarregar o leitor sem uma avaliação prévia, é um filme magnífico, comovente e de grande relevância — assistimos a um prólogo (em Madrid, 2016) e a um epílogo (numa cidade não identificada, 2019) que, se juntamos, formaríamos um sublime e inestimável curta-metragem.   Jamais saberemos como o filme teria sido submetido à operação, antes utilizada pelo manchego, de estrear simultaneamente um curta e um longa-metragem ( Abraços partidos + A vereadora antropófaga , em 2009) com personagens comuns (ou pelo menos a autoria do curta, assinado pelo cineasta que protagoniza o...

Stanisław Lem, o homem que fez o que pode

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Por Andrea Calamari Stanisław Lem. Foto: Aleksander Jałosiński   “Cago-me trabalhando como escritor com a mesma bravura de um peido.”   Isso é o que Stanisław Lem escreveu. Não com essas palavras, é claro, ele escreveu em polonês. O que mais me interessa em Lem é a figura de um escritor de vanguarda que fez toda a sua obra à margem da literatura mundial e por isso me parece um gesto de justiça poética abordá-lo através de uma biografia escrita por um polonês e em uma tradução feita também nas margens.   Quando escreveu essa linha em uma carta a um amigo, ele já era o escritor mais conhecido da República Popular da Polônia, Stálin já estava morto e estava perto a alguns anos dos cinquenta. Também os problemas financeiros de Lem, que o acompanharam desde o início da guerra. Agora pagam adiantado: tem três contratos assinados para três livros que ainda não começou a escrever e nem tem ideia. Quando os terminar e publicar, um deles será Solaris , a sua obra mais reconhe...

O que se aprende nos romances

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Por David Toscana Ilustração: Paul Davis   Em Humilhados e ofendidos , Dostoiévski tem uma personagem que celebra a prosa e condena a poesia. Pois “os versos são absurdos”, enquanto “com a prosa pode instruir-se o povo, falar do amor da pátria, da virtude”.   Assusta-me pensar em um romance instrutivo ou didático, mas é verdade que lendo ficção se aprende muito. Dom Quixote é meu mestre em muitos sentidos, acima de tudo foi meu professor de ética; também aprendi com ele muito sobre a ousadia, ainda mais do que com a Ilíada ; oferece aulas de liberdade de atitude, expressão e pensamento, e basta lê-lo ou ouvi-lo ler para compreender as belezas da língua espanhola.   Alguém pode dizer que um romance não deve ser didático ou moralizante, mas a verdade é que em muitas passagens Dom Quixote é exatamente isso. Muitos diálogos com Sancho têm esse tom, principalmente quando ele dá conselhos sobre governar. E não esqueçamos o discurso das armas e das letras, em que dá destaque às...

Boletim Letras 360º #451

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DO EDITOR   1. Caro leitor, esta é a edição de uma publicação criada, como indica o número acima, há 448 semanas para noticiar o que compilamos durante a semana em nossa página no Facebook (e vez ou outra uma novidade exclusiva só aqui) e as demais seções acrescentadas mais tarde com dicas de leituras dentro e fora dessa caixa.   2. Claro, muito agradecemos sua preciosa companhia por aqui e noutras redes com a leitura, o comentário, a partilha e o apoio sempre bem-vindos e nunca demais. Fiquem bem e boas leituras! Anne Carson. Foto: Lawrence Schwartzwald   LANÇAMENTOS   Um novo romance da escritora portuguesa Teolinda Gersão entre nós .   Em O regresso de Júlia Mann a Paraty , a premiadíssima ficcionista portuguesa Teolinda Gersão nos leva, com a maestria de sempre, a uma viagem às profundezas da psique de três personagens com nome e sobrenome históricos — a começar pelo pai da psicanálise e sua relação com o mais famoso filho da teuto-brasileira nascida no...

Abdulrazak Gurnah, Prêmio Nobel de Literatura 2021

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    “O que quero dizer é que não conheço uma grande verdade que deseje ansiosamente divulgar, nem vivi uma experiência exemplar que ilumine as nossas condições e as nossas épocas.”   “Tenho tempo nas minhas mãos, estou nas mãos do tempo, por isso posso muito bem responder por mim próprio. Mais cedo ou mais tarde, temos de contar com isso.”   — De By the Sea , Abdulrazak Gurnah Abdulrazak Gurnah. Foto: Pako Mera.   Muitas coisas fizeram a decisão da Academia Sueca sobre o Prêmio Nobel de Literatura de 2021 marcar um retorno a certa linha tradicional que constitui a história do galardão — e justamente quando essa tradição soma 120 anos. A primeira coisa foi manter o anúncio anual depois de uma suspensão em 2018 quando uma série de escândalos obrigou a dissolução do comitê responsável; no ano seguinte, com o mundo inteiramente assolado pela pandemia do corona vírus, os cerimonias adquiriram o tom paliativo adotado por sociedades do mundo inteiro. Tudo isso, entre...

Os escritores africanos com o Prêmio Nobel de Literatura antes de Abdulrazak Gurnah e suas principais obras publicadas no Brasil

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  De Abdulrazak Gurnah, soube-se muito tempo depois do anúncio do Prêmio Nobel de Literatura, que existia uma obra sua em língua portuguesa. A tradução de  By the Sea  (Junto ao mar), realizada por Fernando Dias Antunes e editada um ano depois da publicação deste romance, isto é, em 2003, pela Difel. Mas, se a lista de escritores africanos reconhecidos com o mais importante prêmio da Literatura é curta — cinco nomes em 120 anos de história do galardão —, a quantidade de livros desses autores acessível aos leitores brasileiros é generosa e significativa; cobre a mais longeva espera pela chegada por aqui da obra de Gurnah, além, é claro, de estabelecer contato com temas e questões caras ao universo criativo do escritor tanzaniano. Por isso, copiamos abaixo copiamos um breve perfil sobre os escritores africanos nobelizados e com a lista, alguns dos seus principais títulos disponíveis entre nós. Wole Soyinka   Até 1986, nenhum escritor africano havia recebido o Prêm...