Postagens

Um país esfrangalhado

Imagem
Por Ana Clara Batista de Almeida    Às portas de 2022, ano que promete ser muito perturbador para todos os brasileiros, a editora Aglaia publica Poço sem fundo , do escritor mineiro Adriano de Paula Rabelo. Trata-se de um acerto de contas com a ruína brasileira depois do golpe parlamentar de 2016, dos crimes de um até então obscuro juiz federal e uma súcia de procuradores do Ministério Público, das eleições de 2018 e das ações da barbárie que chegou ao poder com as armas da mentira, da violência e da obscuridade.   O título do livro é uma metáfora sobre o Brasil dos tempos infames que vivemos, quando nada está tão ruim que não possa ser piorado, quando mergulhamos a cada dia um pouco mais fundo depois de havermos rompido todos os marcos civilizatórios, quando tantos de nossos patrícios estão adoecendo de Brasil, sufocados que estão pela brutalidade do nosso cotidiano.   Misturando prosa e verso, às vezes saltando de uma para o outro dentro do mesmo texto, Rabelo busc...

Louise Glück, poeta crepuscular

Imagem
Por John Freeman Louise Glück. Foto: Katherine Wolkoff   Na poesia estadunidense não crescem muitas plantas noturnas. Para cada Emily Dickinson, com seus interiores brocados e sintaxe peculiar, há dez mil poetas ensolarados. Numa nação de extremos, por que existem tão poucas estrelas obscuras? Talvez seja a desconfiança que temos em relação ao pensamento do que não se exterioriza. Ou a hostilidade nos Estados Unidos em relação aos estados mandarins de ser. Seja qual for a razão, por mais de um século, Dickinson ficou sozinho em sua obscuridade laqueada, em sua estranheza, em sua capacidade de virar o mito de cabeça para baixo e nele costurar uma nova linguagem. Até Louise Glück aparecer.   Descarnada, brilhante e intimamente mítica, Glück parece ter despencado para a Terra vindo de um planeta de gelo distante. Algum em que “há uma fissura na alma humana / que não foi construída para pertencer / inteiramente à vida” 1 . Se Dickinson chegou perto da morte, Glück escreve como sua...

Ataque dos cães, de Jane Campion

Imagem
Por Pedro Fernandes   O filme que estreou no Brasil em novembro de 2021 é outra produção valiosa para um currículo que conta com o primoroso O piano . Muitos elementos são recuperados em Ataque dos cães . Além do contexto, início do século XIX, e da atmosfera, o drama psicológico de uma mãe com a filha quando as duas se veem no interior de um ajuntamento familiar estrangeiro sob o mando de um homem que se recusa transportar o objeto de maior afeição da arranjada noiva é o traço mais visível.   No filme de agora, algumas das questões levantadas em 1993 ganham novos contornos. A narrativa encontra ambiência no espaço rural, onde melhor pode acentuar os limites de uma sociedade centrada no mando do macho. O que aí se perscruta é como essa cultura se faz naturalmente e forma um sistema complexo de opressões no qual todos estão implicados da pior maneira possível, mas seu peso se converte num ainda mais terrível para os que não se encaixam definitivamente nos seus limites.   ...

Diomedes, de Lourenço Mutarelli

Imagem
Por Joaquim Serra   “Sabe por que as pessoas riem de mim?”, diz um dos personagens de Diomedes , o palhaço Chupetin, enquanto o detetive ri descontroladamente. Riem porque “por trás destas vestes existe um miserável que precisa humilhar-se a tal grau para poder ganhar a vida”. O riso trágico é o traço fundamental de Diomedes , quadrinho de 1999, de Lourenço Mutarelli. Na primeira parte da “Trilogia do Acidente”, um misterioso Hermes pede para que o detetive Diomedes encontre Enigmo, um ilusionista desaparecido há vinte anos. O motivo é um apelo pessoal; trazer de volta um momento de prazer da infância, quando Hermes viu o mago do ilusionismo em ação.   Diomedes aceita a proposta que o ajudaria a sair da lama financeira. Policial aposentado e tendo que trabalhar para suportar as contas que não param de chegar, Diomedes é um pícaro contemporâneo; nunca resolveu um caso — nem o caso extraconjugal da companheira com um conhecido seu —, mas exibe um Olho de Hórus na porta do escrit...

Inferno, de Dante Alighieri

Imagem
Por André Cupone Gatti   Saiu pela Companhia das Letras, no segundo semestre do ano passado, uma nova e muito aguardada tradução para o Inferno , primeira parte da Comédia , de Dante Alighieri. Muito aguardada porque, além de apresentar ao público brasileiro mais uma dentre algumas traduções para o português de um dos textos mais notáveis da literatura ocidental, foi empreendida por três tradutores, a seis mãos (fato, até onde sei, inédito por aqui no que diz respeito às traduções dantescas), e não quaisquer três tradutores: Emanuel França de Brito, Pedro Falleiros Heise (ambos pesquisadores da obra de Dante no mestrado e doutorado) e Maurício Santana Dias, um dos mais prolíficos e talentosos tradutores do italiano ao português, premiado no Brasil e na Itália por sua atividade como tradutor.   Qualquer nova tradução de um texto tão geometricamente conjecturado e tão rico de inventividade verbal como é a Comédia já causaria alguma curiosidade nos amantes da boa literatura; ess...

Boletim Letras 360º #468

Imagem
DO EDITOR   1. Caro leitor, devido a alguns probleminhas técnicos não foi possível realizar o segundo sorteio do clube de apoios ao Letras na prevista data de 29 de janeiro de 2022, mas logo na manhã do dia seguinte isso se resolveu e a Pontoedita, parceira que disponibilizou os três títulos para nossos leitores, colocou o pacote a caminho do ganhador.   2. O terceiro sorteio é, como anunciado nas redes sociais do Letras  durante esta semana, oferecido pela editora Bandeirola. São mais três livros escolhidos do catálogo também incrível desta casa. A divulgação dos títulos acontece na semana seguinte. Fique atento  — às redes  e  a esta seção do blog . Nela, é possível encontrar ainda caminhos sobre os sorteios anteriores e saber como participar.   3. Desde já, em nome do Letras, registro os agradecimentos e a alegria das parcerias, da companhia e do apoio de editores e leitores ao trabalho livre e gratuito que aqui desempenhamos.   4. Antes um re...