Postagens

Uma pequena biblioteca modernista

Imagem
Caipirinha. Tarsila do Amaral. Óleo sobre tela, 1923. Em “A Semana de Arte Moderna de 1922. Revisitações”, Pedro Fernandes sublinhava que a melhor maneira de compreender o papel para a literatura brasileira do agora evento centenário consistia em ler a obra dos modernistas em diálogo com seus antecedentes e com as influências que negaram ou buscaram se desviar. Ora, essa observação válida para quaisquer conceitos ou aparelhos crítico-teóricos derivados da literatura ou que se preocupe pensar o texto literário, pode ter levado o leitor a se perguntar quais são essas obras. Foi dessa inquietação que pensamos preparar uma lista de leitura com alguns atalhos para o nosso curioso leitor.   A primeira dificuldade foi estabelecer um recorte capaz de abrigar um número significativo de obras da literatura brasileira possíveis de filiarmos aos pressupostos da Semana. Isso porque, a parte significativa da produção literária naturalizada nessas diretrizes — isto é, sem demonstrar certo didatis...

A mão de Deus, de Paolo Sorrentino

Imagem
Por Pedro Fernandes   Até agora o ponto central da obra de Paolo Sorrentino é o premiado La grande bellezza , filme que o revela pelo reconhecimento unânime nos principais festivais. O curioso é que tão cedo, o diretor italiano tenha recorrido ao substrato da memória individual para a composição de È stata la mano di Dio . Não existe regras para a adesão de um criador ao autobiográfico, é claro. O que existe com alguma recorrência é que esse interesse se apresenta no zênite de uma obra. No caso desse trabalho, a guinada para o pessoal se constitui uma resposta muito própria a uma matriz narrativa que parece começar com This Must Be the Place : a do criador multiplamente reconhecido que atravessa uma crise que pode incluir a vida presa numa espiral de acontecimentos desagradáveis.   No filme de 2021, Sorrentino aposta numa virada. Quer não mais investigar a crise criativa, mas os meandros que poderá levar seu protagonista ao ponto máximo de sua criação. Contado pelo ponto de vi...

Sinfonia Ilitch I

Imagem
Por Michele Soares   Na avenida, dura até o fim — Elza Soares Nikolai Dmitrievich Kuznetsov. Piotr Ilitch Tchaikovsky. Óleo sobre tela, 1893.   “Esta noite um gato chorou tanto que tive uma das mais profundas compaixões pelo que é vivo. Parecia dor, e, em nossos termos humanos e animais, era. Mas seria dor, ou era ‘ir’, ‘ir para’? Pois o que é vivo vai para”. O texto que o leitor acaba de ler é uma crônica de Clarice Lispector, cujo título é “Ir para”. Publicada em 16 de setembro de 1967, na coluna que a autora mantinha no Jornal do Brasil , li a crônica de Clarice pela primeira vez no alto dos meus dezesseis anos. Como é natural de um olhar menos disciplinado, ainda fresco para a literatura — e, quem sabe, por isso mesmo tão mais sincero —, eu senti a força do impacto das suas palavras, antes de buscar entender o que elas significavam.   Hoje, anos depois, é sem hesitar que afirmo como ainda não alcancei conclusão alguma, não tenho sequer uma hipótese. Mesmo assim, quan...

São os russos

Imagem
Por David Toscana A cavalaria vermelha . Kazimir Severinovich Malevich, 1932.   Tenho em minha mesa dois livros cujas histórias começam na Ucrânia: O exército de cavalaria , de Isaac Bábel, e Kaputt , de Curzio Malaparte.   O livro de Bábel começa assim: “O comdiv 6 relatou que Novograd-Volynsk tinha sido tomada hoje, ao amanhecer. O Estado-Maior saiu de Krapivno, e nosso comboio, uma barulhenta retaguarda, espalhou-se pela estrada de pedra que vai de Brest a Varsóvia, construída sobre os ossos dos camponeses por Nicolau I.”   Em seguida nos descreve o ambiente fértil, que tem sido a bênção e a maldição da Ucrânia: “Campos de papoulas púrpura floresciam à nossa volta, o vento do meio-dia brinca por entre o centeio amarelado, e o virginal trigo sarraceno ergue-se no horizonte como a muralha de um mosteiro longínquo. O plácido Volýnia serpenteia. O Volýnia afasta-se de nós na bruma perolada das moitas de bétulas, infiltra-se através das colinas floridas e, com seus br...

Seis poemas-canções de Zeca Afonso (Parte II)¹

Imagem
Por Pedro Belo Clara     MENINO DO BAIRRO NEGRO 2 (Baladas de Coimbra, 1963)   Olha o sol que vai nascendo Anda ver o mar Os meninos vão correndo Ver o sol chegar   Menino sem condição Irmão de todos os nus Tira os olhos do chão Vem ver a luz   Menino do mal trajar Um novo dia lá vem Só quem souber cantar Virá também   Negro bairro negro Bairro negro Onde não há pão Não há sossego   Menino pobre o teu lar Queira ou não queira o papão Há-de um dia cantar Esta canção   Olha o sol que vai nascendo Anda ver o mar Os meninos vão correndo Ver o sol chegar   Se até dá gosto cantar Se toda a terra sorri Quem te não há-de amar Menino a ti   Se não é fúria a razão Se toda a gente quiser Um dia hás-de aprender Haja o que houver   Negro bairro negro Bairro negro Onde não há pão Não há sossego   Menino pobre o teu lar Queira ou não queira o papão Há-de um dia cantar Esta canção   MULHER DA ERVA 3 (Cantigas do Maio, 1971)   Velha d...

Boletim Letras 360º #471

Imagem
    DO EDITOR   1. Caro leitor, durante a semana foi levantada uma pesquisa de ocasião no Instagram do blog sobre o conhecimento dos que acompanham o Letras nesta rede sobre a existência deste Boletim. Ainda foi alto o percentual dos que desconhecem, 33%.   2. Continuaremos insistindo em falar mais desta e de outras publicações daqui neste outro espaço da web . O interesse ali começa e decai, começa e decai, porque os retornos são baixíssimos. Bom, tudo pode ser a crise de um adolescente, mas é ainda uma interrogação sobre o efetivo papel das redes e da relação que desenvolvemos com elas.   3. Avancemos. Continuo a lembrá-lo sobre o terceiro sorteio entre o clube de a apoiadores do Letras . A editora Bandeirola disponibiliza três livros do seu catálogo. Quer apostar na sorte? Convido a saber mais sobre e, claro, a participar, acessando aqui . Nesta página, você entra em contato ainda com outras maneiras de ajudar com os custos de domínio e hospedagem do Letras...