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Mihály Babits. Entre a arte pela arte e o compromisso político

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    As letras húngaras têm uma importante tradição de poesia social e politicamente engajada. Um dos expoentes dessa poesia é um contemporâneo de Babits, Endre Ady, figura reverenciada da nação, além de personagem profundamente odiado por aqueles que nele viam como nada mais que a imagem de um traidor da pátria, de sua língua, de sua cultura e de suas tradições poéticas. Ady, personagem de destaque no círculo da revista Nyugat , órgão que representava uma estética progressista, ligada às tradições europeias, foi sem dúvida um poeta político e combatente que rompeu radicalmente com as tradições estéticas e morais petrificadas do passado. Babits, por sua vez, também ligado a Nyugat , iniciou sua carreira como poeta distante da política e das questões sociais, grande devedor e admirador das tradições e do espírito humanista. No entanto, as reviravoltas da história o forçaram a mudar de atitude.   Nascido em Szekszárd, Babits estudou Filologia Clássica e Francesa na Universid...

Hilary Mantel, dama

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Por Lisa Allardice Hilary Mantel. Foto: David Vintiner   A Dama Hilary Mantel, que morreu aos 70 anos após sofrer um derrame, foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Booker duas vezes, feito alcançado para os dois primeiros volumes da trilogia épica sobre a vida de Thomas Cromwell, Wolf Hall (2010) e Tragam os corpos (2012). Os romances, que ao todo possuem cerca de 2.000 páginas, venderam 5 milhões de cópias em todo o mundo, foram transformados numa aclamada série da BBC (2015) estrelada por Mark Rylance, e teve uma versão adaptada pela própria Mantel para o palco RSC (2014), um processo que ela amava. A trilogia culminou com O espelho e a luz (2020)¹ e a morte de Cromwell; acabou sendo seu último romance. Contados no tempo presente, esses romances constituem uma façanha da narrativa imersiva e um marco monumental na ficção contemporânea.   Antes da série Cromwell, Mantel havia escrito nove romances, incluindo A Place of Greater Safety (1992), sob...

Oito poemas de Mary Oliver em “Felicidade” (2015)

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Por Pedro Belo Clara   (Seleção e versões)  Mary Oliver. Foto: Rachel Giese Brown   ROSAS   Todos nós, uma vez por outra, questionámo-nos sobre aqueles assuntos para os quais não existe uma resposta pronta: primeiro, a existência de Deus, o que acontece quando a cortina cai sem que nada o impeça, nem um beijo, nem uma visita ao centro comercial, nem o Super Bowl .   “Rosas selvagens”, disse eu, uma manhã. “Vocês têm as respostas? Se sim, poderão dizer-mas?”   As rosas riram, suavemente. “Perdoa-nos”, disseram. “Mas, como vês, agora estamos absolutamente ocupadas em ser rosas.”       O MUNDO EM QUE VIVO   Recusei-me a viver fechada na bem-composta casa                 das razões e das provas. O mundo em que vivo e creio é mais amplo. De qualquer forma,                 o que há de errad...

Boletim Letras 360º #501

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, a Editora Trajes Lunares apoia o trabalho do Letras disponibilizando dois Kits para sorteio entre os participantes do nosso clube. Este clube de apoios é uma das alternativas para ajudar este blog com o pagamento das despesas anuais de hospedagem na web e domínio.   2. O primeiro é formado pelos livros  Azul como um rottweiler , de Milton Rosendo (poemas),   Travessia e sopro  (poemas) , de Bruno Ribeiro; e   Diabolô , de Nilton Resende (contos). 3. E o segundo, reúne outros três livros  Eram os brutos os barcos , de Ana Maria Vasconcelos (poemas);   A mecânica das pontes , de Brisa Paim (romance); e   Fantasma , de Nilton Resende (romance).   4. Para participar dos sorteios é simples. Envia um PIX a partir de R$15 a blogletras@yahoo.com.br e depois utilizando este mesmo e-mail notifica-nos sobre o pagamento.  5. Para saber mais sobre outras formas de apoiar, visite aqui . E lembro que: a a...

Prefácio a Santuário, de W. Faulkner¹

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Por André Malraux William Faulkner e André Malraux. Foto: Coleção de Henriette Colin.   Faulkner sabe muito bem que os detetives não existem; que a polícia não depende nem da psicologia, nem da perspicácia, mas da delação; e que não são Moustachu nem Tapinois 2 , modestos pensadores do cais de Orfèvres, que prendem o assassino em fuga, mas a polícia de guarnição; pois basta ler as memórias dos chefes de polícia para ver que a iluminação psicológica não é o forte de tais pessoas, e que uma “boa polícia” é uma polícia que soube melhor que outra organizar seus informantes. Faulkner sabe também que o gangster é antes de tudo um vendedor de álcool. Santuário é portanto um romance de atmosfera policialesca sem policiais, de gangue com gangsters imundos, às vezes covardes, impotentes.  Mas o autor obtém a partir disso uma selvageria justificada pelo meio, e a possibilidade de fazer aceitar, sem perda do mínimo de verossimilhança, o estupro, o linchamento, o assassinato, as form...

Território Lolita

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Por Ana Clavel Vladimir Nabokov. Foto: Horst Tappe   “É impossível saber se foi um feliz acidente ou um objetivo deliberado, mas é claro que em algum momento do passado remoto alguém criou a representação de um objeto de desejo erótico, provavelmente um corpo ou parte dele, e ao contemplá-lo descobriu que tinha um poder incomum.”   — Em Pornografia , de Naief Yehya.     Todo objeto de desejo torna-se na imaginação, na fantasia, um fetiche. Fetiche, do latim facticius : artificial, e facere : fazer. Contradição aparente: não é o objeto, mas é o mesmo — ou até mais. Sinédoques do desejo. A parte pelo todo, ou o todo pela parte. Não é essa a essência de Lolita ou do próprio desejo? São encarnações ou substitutos do objeto de amor perdido, desse inefável prazer que jamais será recuperado? O mito da filha de Butades que explica a origem da pintura, segundo Plínio, como um ato amoroso para preservar o rastro do amante que partia, mas também a origem e a essência do desejo...