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Picasso no cinema: dois mistérios

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Por Fernanda Solórzano Le Mystère Picasso . Henri-Georges Clouzot (1956)   Com alguma suspeita, mas derrotados pelas evidências, vários historiadores e acadêmicos aceitaram que os filmes do gênero histórico têm um alcance e impacto muito maiores do que os livros. (Estes últimos, mais rigorosos e livres da exigência de agradar ao público, algo que se impõe ao cinema de grandes orçamentos.) Um dos impulsionadores da ideia de que, em vez de ignorá-los, os especialistas deveriam dialogar com os filmes sobre acontecimentos passados ​​— e, se necessário, apontar suas imprecisões — foi o historiador Robert A. Rosenstone, que em 1989 criou uma seção de filmes na American Historical Review , que editou por cinco anos. Num texto intitulado “The historical film as real History” ( Film Historia , v.5 n.1, 1995) Rosenstone reflete sobre sua experiência como editor daquela seção e chega a uma conclusão contundente: o único cinema histórico que vale a pena levar em conta é aquele que dá ao espect...

Antonin Artaud: entre a arte e a loucura

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Por Ricardo Marín Antonin Artaud. Foto: Man Ray.   “Toda escrita é porcaria”, expressou Antonin Artaud em “O pesa-nervos”, um texto singular de prosa poética, um híbrido central para a obra de Artaud, em que a conformidade com um estilo único não é suficiente. Como bem pode revelar a citação inicial, o conformismo em geral não agrada a Artaud, um referente vanguardista do século XX dedicado à escrita, ao pensamento e às artes, conceitos que detestava na sua forma convencional, apesar de se dedicar a eles. Esta perturbação não é gratuita, uma vida de saúde mental instável, agravada por intensas dores de cabeça ao longo da vida, bem como a dependência de vários entorpecentes e drogas, fizeram dele uma figura atormentada que, curiosamente, se tornou um fiel reflexo do século em transição.   Para falar de Antonin Artaud, é importante mencionar — mesmo antes de contextualizar — que suas maiores aproximações não são por meio de sua obra, mas por meio de suas ideias e, principalment...

Adeus, meu autor!: uma despedida para Kenzaburo Oe

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Por Cláudia Ayumi Enabe Kenzaburo Oe. Foto: Jeremie Souteyrat. Ainda há muito a ser escrito sobre Kenzaburo Oe (1925-2023), ainda mais por leitores e críticos brasileiros que se disponham a recepcionar e interpretar o nexo entre a escrita política e a autobiografia, tão cuidadosamente articulado pelo escritor que transformou a “questão pessoal” ( Uma questão pessoal , 1964) em uma imagem de expectativas que devem ser reinventadas para se imaginar novos tempos ( Jovens de um novo tempo, despertai! , 1983). Pouco antes do anúncio de falecimento, a Estação Liberdade divulgava o lançamento de Adeus, meu livro! , romance que compõe uma espécie de trilogia, formada também por A substituição ou as regras do Tagame (2000) e Morte na água (2009).   A mensagem que se sugere por essa dupla despedida não poderia ser mais adequada a Oe: o escritor, ao se despedir do livro, também parte, restando ao leitor dialogar internamente com as ressonâncias da obra, tal qual Kogito Choko, alter ego de...

Boletim Letras 360º #530

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    DO EDITOR   1. Olá, leitores, e as leituras estão em dia? Antes de levá-los às notícias reunidas neste Boletim, queremos agradecê-los pelas ajudas (independente das formas) com o nosso trabalho.   2. Em seguida lembrar que essa ajuda é fundamental para o custeio das despesas mínimas de domínio e hospedagem do Letras online. Se ainda não enviou sua ajuda, fica o convite. Conheça todas as formas de colaborar por aqui .   3. E, claro, entre essas formas de ajuda, está a aquisição de qualquer um dos livros apresentados neste Boletim pelos links nele ofertados ou mesmo qualquer produto adquirido online usando este link .     4. Despedimos deixando os votos de um excelente final de semana com algum descanso e boas leituras. Lúcio Cardoso. Foto: Arquivo Nacional.   LANÇAMENTOS   Dois volumes reapresentam em edição ampliada e revisada os diários de Lúcio Cardoso .   1. “Penso nos outros, nos amigos que nunca tive, naqueles a quem eu gos...

Jesus na literatura: protagonista de um calvário

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Por Daniel Gigena A Crucificação. Peça central do Retábulo de Issenheim. Matthias Grünewald, 1512-1516. Museu de Unterlinden, Colmar, Alsácia, França.   Os Evangelhos, e sobretudo as passagens sobre os últimos dias da vida de Cristo, desde a entrada triunfal em Jerusalém, montado num pacífico jumento, até à via crucis, morte e ressurreição, ultrapassam o âmbito da religião cristã e fazem parte da cultura universal. Ao longo do tempo, e sem deixar de questionar a história oficial, escritores proeminentes recriaram sua vida e seus ensinamentos em chave literária. “Por baixo da herança cultural deve haver uma herança psicológica comum; se não fosse assim, todas as formas de cultura e imaginação que não estivessem dentro de nossas próprias tradições não seriam compreensíveis”, postulou o crítico literário canadense Northrop Frye. Como Jesus é representado na literatura contemporânea?   “De que pode servir-me que aquele homem/ tenha sofrido, se eu sofro agora?”, se pergunta o poem...

Um álbum para Lady Laet, de José Luiz Passos

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Por Pedro Fernandes José Luiz Passos. Foto: Arquivo O Globo .   A obra de José Luiz Passos se distingue pelo interesse constante de renovação criativa, algo que pode ser compreendido através de duas linhas: a do escritor que se experimenta à procura de uma dicção capaz de moldar seu trabalho excepcional ou a do escritor que faz da experiência criativa o ponto nodal do seu universo. Uma possibilidade, claro está, não exclui a outra, embora o mais comum seja encontrar escritores que melhor se ajustam na primeira ou segunda. No caso em questão, ainda é preciso observar o destino da literatura do escritor pernambucano; como é recorrente em toda obra artística, as conclusões possíveis só alcançam tempos adiante ao ponto final de um projeto.   Entre os títulos publicados por José Luiz Passos mais conhecidos estão os romances Nosso grão mais fino , O sonâmbulo amador e O marechal de costas . Mas, na narrativa curta, expressão talvez mais restrita entre os leitores, parece ainda res...