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Canto eu e a montanha dança, de Irene Solà

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Por Sérgio Linard Irene Solà. Foto: Libert Teixido   O trabalho e o consumo da literatura contemporânea — tanto em eixos nacionais quanto em internacionais — costumam apresentar caminhos espinhosos nos quais ideologias, discursos e pontos de vista precisam estar muito bem expostos sob pena de as obras não terem algum valor reconhecido para além do debate da hora do dia. Com isso em vista, certas obras podem amargar o ostracismo por não se encaixarem naquilo que se espera para o devido engajamento das mídias ou dos debates vigentes. Esse percurso acaba colocando a literatura no perigoso caminho (algum dia ela esteve fora dele?) de se fazer ser entendida e articulada com aquilo que dela esperam. Quando o projeto literário, de textos da contemporaneidade, foge disso, encontra resistências mercadológicas e de público. Felizmente, porém, certas obras literárias garantem nosso suspiro nesta clausura e Canto eu e a montanha dança é uma dessas obras.   O romance da escritora catalã I...

Medo sob o sol

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Por Martín Sacristán   Ao final daquele longa apresentado na Berlinale, o público explodiu. Metade em aplausos e a outra em vaias. Não muito diferente foi a reação dos críticos. Gregory Valens, renomado crítico de cinema e colaborador da Positif , considerada por Martin Scorsese a melhor revista de cinema do mundo, apontou que os personagens agiam de forma inconsistente. Um determinado a matar, os outros a sobreviver, e isso apesar do anúncio inicial de que em oitenta e duas horas o impacto de um grande meteorito contra a Terra tornaria a vida impossível. As cenas de violência verbal e física contra crianças eram repugnantes, acrescentava, prevendo que só teria sucesso em seu país natal. Jay Weissberg, na Variety , escreveria que com o filme “homens em idade universitária podem se divertir, mas as chances de sobrevivência fora da Espanha são mínimas”.   Naquele ano em que foi apresentado Três dias (2008), a maior parte do público tinha na memória a lembra de blockbusters o...

Sobrevivendo ao Livro do desassossego de Fernando Pessoa

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Por Pablo Sol Mora Fernando Pessoa numa rua do centro de Lisboa. Arquivo Casa Fernando Pessoa. Em 2007, depois de alguns anos nos Estados Unidos e após terminar minha tese de doutorado, decidi dar-me um ano sabático para ler e escrever a meu contento. Eu vinha de um longo período de muito trabalho, durante o qual havia lido, sobretudo, com fins acadêmicos; na realidade, mais do que verdadeiramente ler, “trabalhava com”, típica deformação do filólogo. Desejava recuperar minha antiga liberdade de leitor, quando lia voraz e desordenadamente o que queria, sem nenhuma obrigação e sem nenhuma pressão — porque sim.   Com esse propósito retirei-me, frayluisianamente, 1 a Coatepec, um povoado perto de Xalapa. Ali haviam vivido meus avós, em um velho casarão onde ninguém mais vivia (o mesmo em que agora, dez anos depois, escrevo estas linhas). Fiz alguns reparos, modernizei-o um pouco e tranquei-me a ler. Naturalmente, minha intenção era aproveitar o tempo para levar a cabo “grandes leitura...

Martin Amis

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Por Eduardo Lago Martin Amis. Foto: Colin Bell Intelectual público de grande relevo, em seus romances e ensaios realizou uma impiedosa radiografia, mesclada de sátira e ironia, tanto de sua Inglaterra natal quanto dos Estados Unidos, país para onde se mudou em 2011, fixando residência no bairro nova-iorquino do Brooklyn. Polêmica, às vezes incômoda, inevitavelmente lúcida, sua obra foi o ponto de encontro de forças contraditórias que se neutralizavam ou fertilizavam. Sua escrita, cheia de realizações memoráveis ​​e alguma falha de ocasião, foi acima de tudo um triunfo da inteligência. Sarcástico, satírico, com uma carga de humanidade que às vezes permitia pequenas doses de ternura, Amis não evitou nenhum assunto, por mais polêmico que fosse.   Uma de suas melhores armas era o humor, infalivelmente sombrio. Ele gostava de dizer que a ficção não tinha escolha a não ser um gênero cômico, porque a vida que se encarregava de refletir também era algo do tipo. Endossava o lema do escritor...

Boletim Letras 360º #535

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Zila Mamede. Arquivo. LANÇAMENTOS   A reedição da obra completa de Zila Mamede .   Foi em 2003, pela ocasião dos 50 anos da primeira edição do primeiro livro de Zila Mamede, Rosa de pedra , que a Edufrn publicou pela última vez a poesia completa da poeta. A casa editorial trouxe Navegos , na organização original feita por Zila mais o livro publicado depois, o seu último, A herança . Vinte anos depois, toda a sua obra volta a ser reeditada, mas considerando livro a livro: Rosa de pedra , Salinas , O arado , Exercício da palavra , Corpo a corpo e A herança . O novo projeto editorial para os seis títulos inclui o trabalho em bordado da artista Angela Almeida. Os seis livros também ficam disponíveis online gratuitamente no repositório da Biblioteca Zila Mamede, aqui .   Novo romance do vencedor do Nobel Orhan Pamuk publicado no Brasil é a instigante história de um garoto abandonado pelo pai e uma investigação sobre os conflitos entre oriente e ocidente na sua dimensão mais p...

O melhor romance espanhol dos últimos cinquenta anos

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Por Raúl Cazorla Juan García Hortelano. Foto: Ricardo Gutierrez   1 Os rivais   Dar prêmios é fácil, o difícil é concordarmos com os escolhidos e, embora não haja motivos para os livros, discos, filmes, competirem entre si, embora não exista uma coisa como “O melhor romance espanhol dos últimos cinquenta anos”, suponho que de vez em quando são necessários cartazes, letreiros de néon, sinos. Quem tem medo do prêmio feroz, me perguntei certa vez, quando a princípio só parece existir vantagens nos certames: ganham os premiados, os meios têm um estupendo evento informativo, a editora consegue a carta de promoção, os leitores escutam novos nomes. Os únicos que perdem, claro, são os não vencedores, que absurdo mais óbvio, já que essa falta de reconhecimento público às vezes se torna causa de ostracismo editorial, crivo dos leitores ou, pior ainda, um progressivo silêncio literário com o passar dos anos.   Ao selecionar o título deste artigo, já havia decidido há muito tempo, s...