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Cormac McCarthy ou a prisão de uma busca

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Por Nadal Suau Cormac McCarthy. Foto: Gilles Peress   É curioso até que ponto prosperou a ideia de um jogo de pôquer do romance estadunidense durante a segunda metade do século XX protagonizado por Don DeLillo, Thomas Pynchon, Philip Roth e Cormac McCarthy (só para constar, eu próprio incorporei essa partida na minha imaginação): são quatro gigantes que dividem uma geração, é verdade, mas a semelhança entre eles é relativa, principalmente se for o sobrenome, o menos pós-moderno de todos, o de raízes mais desesperadas.   Cormac McCarthy acaba de falecer, fato nada inesperado dada a sua idade avançada (oitenta e nove anos) e a cena que fechava seu último livro, Stella Maris , em que um personagem implora a outro que segure sua mão “porque é isso que as pessoas fazem quando estão esperando o fim de alguma coisa”. McCarthy está morto, então, e seria inútil dizer que um mundo também morreu com ele: primeiro, porque é sempre assim quando a morte chega; e segundo, porque pode t...

Três grandes escritores ucranianos de agora (2)

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Por Mercedes Monmany Andrei Kurkov. Foto: Jaime Villanueva Numa das múltiplas barreiras de controle para cruzar as zonas de guerra, entre a Ucrânia e as repúblicas pró-russas divididas de Donetsk e Luhansk, o bem-humorado e pacífico Sergey Sergeyich, aposentado e dedicado apicultor, protagonista de Abelhas cinzentas (2022), de Andrei Kurkov, é detido por um homem vestido de camuflagem. Sergeyich decidiu cruzar a linha de frente em direção à Crimeia tártara para salvar suas abelhas dos bombardeios que também começaram a cair sobre sua aldeia, Starhorodivka, abandonada por todos e localizada em terra de ninguém, na chamada “zona cinzenta”, entre uns e outros. “Devo mostrar-lhe o meu passaporte?”, pergunta ao soldado. “Não é preciso, se eu o reconheci. É que não tenho com quem conversar”, responde o entediado tipo camuflado. 1   Nascido em Leningrado em 1961, embora tenha vivido em Kiev desde a infância, Andrei Kurkov há muito é o escritor da Ucrânia com maior projeção internacional...

Boletim Letras 360º #539

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  Adolfo Bioy Casares e Jorge Luis Borges. Foto:  Héctor Atilio Carballo LANÇAMENTOS   Um acontecimento literário. A história de uma profunda amizade. Um diálogo vigoroso. Pela primeira vez num único volume tudo o que escreveram juntos dois dos autores latino-americanos entre os mais influentes . Bioy & Borges: obra completa em colaboração reúne todos os romances, contos, crônicas e textos esparsos que os argentinos Adolfo Bioy Casares e Jorge Luis Borges escreveram juntos durante meio século. É o registro da mais emblemática parceria da história da literatura e, sobretudo, a história de uma amizade intensa. Quando se conheceram, no início da década de 1930, Bioy tinha dezessete anos, e Borges, pouco mais de trinta. Borges conta que um dos principais acontecimentos de sua vida foi o início dessa relação. A partir de então, e por muito tempo, passaram a se encontrar quase que diariamente para discutir textos, inventar e aperfeiçoar personagens e tramas. Bioy escrevia ...

Marguerite Yourcenar

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Por Juan Malpartida Marguerite Yourcenar. Foto: Gisèle Freund Em diversas ocasiões, Marguerite Yourcenar (Bruxelas, 1903-Bar Harbor, Maine, 1987) afirmou ter buscado mais a exatidão do que a verdade. Para a autora de  Memórias de Adriano , observar bem é tão importante quanto pensar, ou mais. Naturalmente, o que Yourcenar está dizendo, além de se colocar numa linha empirista que a aproximava tanto de certos filósofos ingleses quanto dos moralistas dos séculos XVII e XVIII de sua língua, é, por um lado, que observar bem é o começo de um raciocínio válido ou já é meditação em si, e, por outro, que pensar sem levar em conta os fatos, os dados da experiência, a história, o que está definitivamente fora, pode ser uma espécie de ginástica que beira o na frivolidade ou, às vezes, no delírio.   A correspondência de Yourcenar ( Lettres à ses amis et Quelques autres , 1995), do que conhecemos umas trezentas cartas das mil que deixou para sua futura publicação, se caracteriza por esta ca...

Estive lá fora, de Ronaldo Correia de Brito

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Por Pedro Fernandes Ronaldo Correia de Brito. Foto: Jorge Clésio A obra de Ronaldo Correia de Brito a um só tempo se apresenta integrada a uma tradição literária brasileira e em busca de expandi-la em novas fronteiras. Estive lá fora é um romance em constante esquiva; reitera algumas das preocupações da nossa prosa posterior aos anos de ditadura militar mas sem se render a apelos do tipo histórico, revisionista, ou social, panfletário de uma causa. Seu interesse é exclusivamente pelo homem encalacrado nas circunstâncias do seu tempo, em tentativa desesperada pelo estabelecimento de um lugar no mundo e encontrando na arte a expressão essencial do ser ou a terceira margem capaz de conduzi-lo por fora dos limites das ideologias prisioneiras e infecundas.   A noção de esquiva apontada antes não se encontra apenas como um lugar ocupado por este romance; é peça implicada no funcionamento da sua narrativa. Já no episódio inaugural, encontramos Cirilo, o protagonista, no beiral da ponte d...

Gótico rural: o oeste de Martin McDonagh

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Por Bruce Swansey Desde que suas primeiras obras apareceram nos palcos ingleses e irlandeses, o trabalho de Martin McDonagh causou sensação. A crítica não poderia ter sido mais elogiosa, o autor ganhou vários prêmios, e mesmo quando seu trabalho foi questionado por sua afinidade com a caricatura colonial do irlandês e suas circunstâncias destituídas de esperança e sentimental, porém cômicas, a irreverência de McDonagh foi resgatada. Destacado como o escritor mais importante no teatro irlandês de John Millington Synge, com quem se identifica, McDonagh nasceu em Londres, especificamente ao oeste da ilha, onde passou os verões de sua infância.   A geografia é uma chave para aproximar-se à obra teatral e cinematográfica de McDonagh. O oeste irlandês tem uma forte presença nas artes, um processo que não representa a realidade, mas imagens do país que fazem parte de sua identidade. A paisagem expressa um ideal nostálgico, uma emoção inspirada pelo lugar que nos contém e nos une como part...