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Samuel Beckett em duas novelas

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Por Renildo Rene Samuel Beckett. Foto:  Bruce Davidson   Figura incontornável da literatura do século XX, o dramaturgo desenvolveu uma série de trabalhos que proliferam um estilo refinado da sua linguagem, e muitos com um caráter experimental, solidificando seu nome no rol de autores em constante trânsito de gêneros.   Mesmo premiado com o Nobel de Literatura em 1969 — resultado da sua recepção crítica singular tanto no teatro como na prosa — e com uma popularização ainda maior de sua produção artística, permaneceu nele a sensibilidade de decifrar o homem moderno pelas entrelinhas das poucas palavras. Porém, diferentemente de como passou a se portar na mídia se distanciando das perguntas, boa parte de sua escrita requer o questionamento como parte da leitura.   Duas novelas reunidas pela editora Martins Fontes, sob organização de Vadim Nikitin e tradução de Eloisa Ribeiro, proporcionam esse apuramento para uma perspectiva de interpretação de personagens, espaços e te...

A Barbie de gente grande, a Barbie de Greta Gerwin

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Por Wagner Silva Gomes   Se a tão repetida referência de intertexto com 2001: uma odisseia no espaço , de Stanley Kubrick, não tivesse sido usada com tanto impacto, o filme já perderia nessa cena inicial. O resgate materialista-histórico de que as meninas por muitos séculos foram mães quando ainda eram meninas e que brincavam de boneca com seres humanos, até que chegou a Barbie, gigante, empoderada, e as meninas não quiseram mais as bonecas, isto é, não quiseram mais ser mães na adolescência, traz mais pertinência para as questões da vida humana e as relações coletivas do que um chocolate no lugar da placa preta (como o intertexto de A fantástica fábrica de chocolate , de Tim Burton). E digo mais, um osso jogado para o alto não é nada perto de uma menina adolescente jogando para o alto uma boneca que a faria ser mãe antes da vida adulta, já que a boneca é uma metáfora literal.   A estética do brincar tem o seu lado de homenagem ao primeiro cinema, dos irmãos Lumière, com seus ...

O túnel, de Ernesto Sabato

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Por Bruno Botto   O escritor argentino Ernesto Sabato criou uma trama simples para a sua novela O túnel . Um pintor errático se apaixona por Maria, uma mulher comprometida. O desejo de ficar junto dela acende as piores paranoias dentro de sua cabeça e essa narrativa funda um dos mais densos dos romances psicológicos produzidos na América Latina. A história se desenrola a partir do momento em que o pintor decide revelar os motivos que o levaram a matar sua obsessão, iniciando uma autoinvestigação.   O autor desse romance enveredou por vários outros gêneros e entre os reconhecimentos recebidos está o Prêmio Cervantes em 1984. Ainda em 1948, no começo de sua carreira, escreve a pequena novela O túnel , inspirado por O estrangeiro de Albert Camus, autor que mais tarde renderia elogios para o livro aquando da distribuição europeia. Ambos os romances publicados com seis anos de diferença carregam aproximações que formariam um legado para os adeptos de existencialismo na literatur...

Hermann Broch: o esteta absoluto

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Por Abel Posse   Hermann Broch ainda é bem desconhecido fora do âmbito da literatura germânica. Não tem a fama que merece, mas sua prosa se estabelece na lenta progressão das avaliações sinceras e figura como um dos autores das maiores obras do século XX, ao lado de James Joyce e Marcel Proust.   Quando Thomas Mann leu A morte de Virgílio , não hesitou em declarar que se tratava “do mais importante poema em prosa escrito na língua alemã”. Estranha honestidade de um escritor comprometido com a narrativa tradicional. Para Aldous Huxley, Broch foi a maior revelação e comoção. O escritor britânico, observador de costumes e de seu tempo, surpreendeu-se com o surgimento desse talento capaz de abolir as fronteiras tradicionais do romance e passar da prosa ao drama e ao poema, como momentos necessários e nunca antagônicos da realidade de nossas vidas. Para Hannah Arendt, Broch seria a romancista que mais conseguiu ir mais longe na reflexão sobre a enfermidade social de seu século. ...

Boletim Letras 360º #544

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William Carlos Williams. Foto: Arquivo Hulton LANÇAMENTOS Pela primeira vez no Brasil, Paterson , de William Carlos Williams. Livro sai pelo Clube de Poemas e em seguida fica disponível para os demais leitores .   Depois de uma vida inteira dedicada a inventar um idioma radical em que predominam a justeza e a beleza, William Carlos Williams decide escrever Paterson , sua obra-prima, história, ao mesmo tempo, de um homem, de uma cidade, de um país e de uma cultura com todas suas tensões e contradições. Monumento poético da literatura norte-americana do século XX, Paterson é um longo poema que combina verso, prosa, arquivo, corte, montagem e um lirismo de objetividade cativante. Nele, a poesia do alto modernismo em língua inglesa encontra um registro que a tudo deseja abarcar. Paterson foi escrito ao longo dos anos de 1940 e 1950 e sua versão integral só foi publicada postumamente, em 1963. Desde então, o poema tem feito a cabeça de várias gerações e artistas, entre eles, Jim Jarmu...

Trair Franz Kafka, o escritor que se adiantou ao seu tempo

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Por Sofía Viramontes Franz Kafka e o irmão mais novo do amigo Max Brod, Otto, no Castel Toblino, perto de Trento, na Itália.   Franz Kafka queria que suas obras fossem queimadas quando ele morresse. Mas ele foi traído por seu melhor amigo, Max Brod, que lhe deu uma fama póstuma não solicitada com a publicação de suas 3.850 páginas manuscritas que estavam guardadas em seu escritório.   O escritor tcheco, nascido em Praga em 3 de julho de 1883, era um obsessivo absoluto, um perfeccionista irremediável, neurótico, compulsivo, torturado por seu passado, inseguro e grandioso. Seus achaques e tormentos lhe permitiram construir um movimento literário e algumas das leituras mais importantes da história.   Kafka tinha um grupo de amigos íntimos — entre eles Brod, o traidor —, e discutia com eles os seus textos, mas não tinha confiança para publicá-los. Podia terminar uma narrativa numa noite, como fez com O veredito (1913), escrito das dez da noite às sete da manhã, mas sofria d...