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Poesia épica: a busca da imortalidade

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Por Raúl Rojas Já foi dito que toda filosofia tem sua origem no dilema da mortalidade humana. Ao contrário de qualquer outro animal, a razão nos torna conscientes da natureza transitória da nossa existência. Verdade ou não, o curioso é que o longo poema mais antigo que se conhece na literatura, a chamada Epopeia de Gilgámesh , se desenvolve justamente em torno desse tema, ou seja, o caminho para alcançar a vida eterna. O poema épico surgiu, fragmento por fragmento, como uma compilação das façanhas do mítico rei Gilgámesh, que se acredita ter governado a cidade suméria de Uruk no século 28 ou 27 a.C., tornando-se uma divindade nos séculos subsequentes. Pensa-se que grande parte da lenda de Gilgamesh foi transcrita gradualmente há cerca de 4 mil anos. Já nos tempos babilônicos, um escriba chamado Sîn-lēqi-unninni reuniu todas as histórias, com começo e fim, e essa é a versão que chegou até nós. A disposição do texto tem causado debates e objeções, uma vez que existem diversas transcriçõe...

Mundo escrito e mundo não escrito, de Italo Calvino

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Por Juan Malpartida Italo Calvino. Foto: Albert Negrin   A obra de Italo Calvino (Cuba 1923-Itália 1985) não está alheia às buscas estéticas de sua época, do neorrealismo às ideias derivadas de concepções estruturalistas e semióticas. Calvino foi um escritor para quem uma obra era um problema a ser resolvido e esse problema, em princípio, é de natureza formal. Poucos romancistas ou poetas do seu tempo consideraram a poética do romance e o significado do leitor de maneira tão profunda e contínua. E poucos a partir de uma atitude não sujeita a concepções prévias, mas auxiliada por uma busca aberta. Desta liberdade em relação à procura e ao respeito pela literatura — que nunca o levou a esquecer que a literatura é apenas uma dimensão parcial mas essencial da realidade — há um testemunho notável na sua correspondência de trabalho na editora Einaudi.   Em Mundo escrito e mundo não escrito , compilação de artigos, conferências e entrevistas resgatados por Mario Barenghi, encontram...

Boletim Letras 360º #555

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Jon Fosse. Foto: Tor Stenersen LANÇAMENTOS   Depois do Prêmio Nobel de Literatura, o próximo livro de Jon Fosse no Brasil .   Neste breve romance em que a atmosfera onírica se mescla à transcendência, um homem começa a dirigir sem rumo e, desconhecendo as próprias motivações, conduz seu carro até uma floresta. Logo escurece e começa a nevar. Obedecendo à lógica trágica e misteriosa que opera nos pesadelos — ou no encontro inescapável com o destino —, em vez de procurar ajuda, ele decide se aventurar pela mata escura, onde se depara com um ser de brancura reluzente. Como as vozes que o protagonista escuta em sua errância, tudo nesta breve narrativa é ao mesmo tempo estranho e excessivamente familiar. Num jogo de claro e escuro, concreto e sublime, Jon Fosse tensiona a escrita num fluxo de consciência que escala depressa para uma voltagem inesperada, tragando o leitor e fazendo-o experimentar fisicamente a radicalidade de seu projeto literário. Considerado um dos maiores escrit...

Jon Fosse

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Por Pedro Fernandes A literatura é mentir de maneira que seja verdade. —  Jon Fosse Jon Fosse. Foto: Tom A. Kolstad É provável que muitos leitores brasileiros tenham lido o nome de Jon Fosse pela primeira vez com Karl Ove Knausgård. O nome e de outros escritores nórdicos aparece no grandioso romance Minha luta , cuja estrutura parece dever alguma coisa das obras do agora Prêmio Nobel de Literatura: uma série composta por seis volumes como dois dos mais emblemáticos títulos de Fosse, Trilogia e Septologia , considerado pela crítica até agora a sua Magnum Opus . O curioso é que, quando a obra do assim referido Proust do século XXI chegou neste país de elevada carência editorial, alguns poucos já conheciam um livro de Fosse: o díptico  Melancolia .   Mas, no nosso idioma, ainda era possível encontrar uma generosa variedade de títulos no âmbito dos dois gêneros mais bem praticados por Jon Fosse: na prosa, os romances É a Aless (grafado sem um s na tradução que se publica ag...

Como si fuera esta noche la última vez

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Por David Toscana Edvard Munch. O Beijo .   Catulo escreveu seus poemas quando faltavam seis décadas para o nascimento de Cristo. Sentia uma grande atração por um menino chamado Juvêncio e dedicou-lhe um poema para expressar seu desejo de beijá-lo trezentas mil vezes. Aparentemente não conseguiu conter o desejo, pois num poema posterior fala de ter roubado um beijo de Juvêncio enquanto brincava, um suaviolum “mais doce que a ambrosia”. E ainda assim, o prazer se transforma em sofrimento, pois “mas não impune pois por uma hora ou mais/ me vi na ponta de uma estaca enfiado/ me desculpando, mas meus prantos não dobraram/ nem um tantinho da maldade tua”.   Juvêncio havia enxugado os seus “lábios, úmidos de muitas/ gotas, secaste com teus dedos todos,/ minha boca malsã não fosse qual saliva/ suja de meretriz em que se mija”. A doçura se transforma em amargura, ele se sente crucificado e aprende a lição: “Porque esta é a pena que atribuis a um triste amor,/ eu beijos nunca mais he...

O escritor de fundo de quintal que sonhava enriquecer nos cassinos

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Por Martín Sacristan   A fama de Roald Dahl como autor de histórias infantis eclipsou a sua outra faceta, a de contador de histórias para adultos, na qual foi um verdadeiro inovador. Conectando-se tão bem com a psicologia humana que muitas de suas histórias foram repetidas e divulgadas sem nem saber que foi ele quem as inventou. Como assassinar seu marido com uma perna de cordeiro congelada e depois servi-la ao policial que investiga o crime para eliminar a arma. Ou que um determinado restaurante só muito ocasionalmente serve um requintado prato de cordeiro, coincidindo com o desaparecimento de um dos seus clientes habituais, sempre solteiro e sem família. Poderíamos citar dezenas de exemplos, mas vale a pena parar em um deles, que Wes Anderson acaba de trazer à atualidade. Demonstrando o fascínio que Dahl ainda exerce sobre todos nós, direta ou indiretamente. Mas também demonstrando a presença na sociedade de um fator muito britânico, o jogo, ao qual os casinos online internaciona...