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O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk

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Por Renildo Rene Micheliny Verunschk. Foto: Renato Parada   Aqui está um experimento diferente para você imaginar porque, em certo momento, a onça figura a história deste romance: tente visualizar um encontro face a face com esse animal. Ele te encara assustadoramente e de maneira misteriosa. Sem saber o que ocorrerá, você espera ser acertado como presa/ alvo. Feito o encontro, a onça na verdade está pronta para usar um modo contemporâneo e implacável de fala que percorra um conjunto de conhecimentos, mitos e experiências. Os vários capítulos que estruturam O som do rugido da onça capturam tal dinâmica a partir de perspectivas e visões indígenas, com uma voz narrativa — entre tantas outras — explorando as relações do brasileiro com a sua mitologia originária, e os crimes que se interpõem nesse percurso histórico. Esse é o rugido da onça. Exceto que o animal aqui não caça, mas narra o passado.   A premissa do romance é simples: recontar a história do rapto de duas crianças de ...

Bastarden: um cinemão tal e qual

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  Por Toni Sánchez Bernal   A crítica ideal para este filme seria breve: “Vejam, não importa o que aconteça”. Nada mais. Para quê falar da portentosa narrativa, da excelência técnica com que é filmada ou das atuações maravilhosas que nos proporciona? O mais importante é que estamos perante duas horas imensas que qualquer um verdadeiramente apaixonado por cinema (não o espectador comum) saberá apreciar.   Que ninguém aqui entenda um possível pedantismo da minha parte, mas há algo que é óbvio: Bastarden (2023) é um filme maduro. Seu tom adulto e nada complacente com a sensibilidade que impera hoje pode incomodar o grande público (talvez daí a injustiça de não ter sido indicado ao Oscar). Na tela vemos uma história que se passa no século XVIII e nem é preciso dizer que recria fielmente o período. Claro que aqui haverá quem reclame, levante bandeira e grite aos céus porque o enredo não se adaptou aos sentimentos do século XXI.   Mas isso não terá nada a ver com o filme...

Kallocaína, de Karin Boye. Outra volta ao parafuso das relações Estado-indivíduo

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Por Francisco Martínez Hidalgo Karin Boye, 1940. Foto: Sven Torin. Arquivo Museu Alingsås.   Embora inúmeras obras tenham sido escritas com enfoque no tema das relações Estado-indivíduo, ainda existem algumas que, pela sua abordagem ou desenvolvimento, guardam uma originalidade capaz de surpreender até o leitor mais experiente. Com Kallocaína estamos diante de um desses poucos casos. E não porque lhe faltem elementos constantes em relação a todas as outras obras, algo até inevitável se olharmos para o contexto da sua produção (1938-39) ou da sua publicação (1940). A excepcionalidade deste romance reside na sua perspectiva original: a narradora observa um assunto, inúmeras vezes discutido, a partir de um prisma refrescante e com elementos inovadores, a partir do qual reflete sobre aspectos frequentemente ignorados.   A chave desta originalidade vem da voz também inusitada de sua autora: Karin Boye (Suécia, 1900-1941). Ela foi uma poeta de extrema sensibilidade, politicam...

O bom europeu não tem casa

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Por Jorge Freire Nascido em Praga em 4 de setembro de 1875, Rainer Maria Rilke era chamado de “o bom europeu”. Por um lado, escrevia em alemão e em francês; por outro, viveu ao menos em meio centena de casas espalhadas pelo continente. O sentimento de desenraizamento o acompanhou durante toda a vida.   Será a infância, como diz a expressão mais comum, a única pátria do homem? A dele não foi particularmente feliz. Depois da morte da irmã, a mãe insistiu em continuar a vesti-lo como as crianças de seu tempo, de menina, até os sete anos, compensando com mimos excessivos o fracasso do casamento; aos onze anos, seu pai o mandou para a academia militar, tentando compensar o fracasso da própria carreira no exército, que lhe proporcionou um “alfabeto de horrores”.   Passou um ano em Munique, quando recém entrado nos vinte anos, com o pretexto de terminar a formação, quando já tinha a sensação de que a poesia seria a sua única ocupação. Foi onde conheceu Lou Andreas-Salomé, a mulher ma...

Boletim Letras 360º #573

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DO EDITOR   Olá, leitores! Eis a última semana para o envio de inscrições para compor o quadro de colunistas do Letras . Você escreve sobre livros (ficção, poesia, teatro), filmes ou assuntos intrinsecamente ligados ao universo literário? Se sim, pode se juntar a este projeto.   Basta enviar através do e-mail blogletras@yahoo.com.br até o dia 16 de fevereiro de 2024, um resumo biográfico e três textos inéditos.   Saiba como organizar os seus textos e mesmo conhecer um pouco da linha editorial do Letras , aqui . E, claro, se restar qualquer dúvida, pode encaminhar no e-mail referido ou na DM das nossas redes sociais: no Twitter, Facebook ou Instagram.   Aos interessados por algum dos livros anunciados nesta publicação, não custa lembrar que  na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o  Letras . Bom Carnaval a todos!  Gabriel García Márquez. Foto: Ulf Andersen   LANÇAMENTOS ...

Bibliotecas

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Por Alejandro Zambra Arte: Erika Lee Sears.   Conheci a biblioteca de meu amigo Álvaro há cinco anos — e foi decepcionante, pois estava cheia de livro ruins. Naquela época falávamos quase exclusivamente de livros e nossas conversas tinham esse encanto do provisório, do incompleto. Não era necessário ir demasiado longe para nos entendermos: dizíamos que um romance era bom ou tedioso, mas não elaborávamos os juízos, simplesmente desfrutávamos da cumplicidade.   Pensava encontrar nas estantes de sua casa livros que eu também amava, ou os nomes desconhecidos de uns escritores surpreendentes, e em vez disso deparei-me com os mesmíssimos autores que conhecia e que bem pouco me interessavam. Não que houvesse realmente inspecionado a biblioteca — isso nunca me pareceu algo de bom tom. Por certo, o fato de os livros estarem na sala de estar nos autoriza a olhá-los, mas é melhor começar de esguelha, com prudência, sem ansiedade.   Duas semanas depois, Álvaro me convidou novame...