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Mostrando postagens com o rótulo Susan Sontag

Nota sobre Sontag (II): como ela me ensinou a pensar

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Por A. O. Scott * Susan Sontag. Foto de Peter Hujar usada na contra-capa da primeira edição de Contra a interpretação .  Passei toda a minha adolescência em uma pressa terrível de ler todos os livros, assistir todos os filmes, ouvir todas as músicas, ver tudo em todos os museus. Essa obsessão exigia muito esforço à época, quando não existia streaming e tudo tinha que ser caçado, comprado ou emprestado. Mas essas mudanças não são o assunto deste ensaio. Os jovens culturalmente famintos sempre foram insuportáveis e incomuns, muito embora eles tendam a investir em ser diferentes — em aspirar (ou fingir) algo mais profundo, mais elevado do que o comum. Com seriedade, o olhar contido da vida adulta mostra seu lado ridículo, mas o desejo que move isso não é brincadeira. É uma fome não só por conhecimento, mas por um tipo particular de experiência. Dois tipos, na verdade: a experiência específica de encontrar um livro ou obra de arte, e também a experiência futura que aguarda por você ao...

A necessidade da imagem. Entrevista com Susan Sontag

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Por Arcadi Espada Susan Sontag. Foto: John Dolan.     O fato de um livro sobre fotografia e dor não ter alusão ao gulag é significativo.   O que você quer dizer?   Bem, isso corrobora com a hipótese de que o gulag não penetrou na consciência contemporânea da mesma forma que teria feito se houvesse fotografias da tragédia.   Eu já disse a mesma coisa muitas vezes.   Sim, claro. É por isso que eu lembro você.   Está no livro. O gulag está no livro.   Não me lembro.   Está lá mesmo que você não o veja. Quando digo que nos lembramos e nos preocupamos com o que foi fotografado, fica evidente que o primeiro pensamento dessas linhas alude ao gulag. E tenho dito e escrito repetidamente que uma das razões pelas quais demorou tanto tempo para as pessoas virem e compreenderem todo o horror do sistema soviético foi a ausência de documentação fotográfica. É evidente que, quando digo que as fotografias identificam, também quero dizer o contrário: quando nã...

Fascinante e controversa Susan Sontag

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Por Cláudio H. Vargas   ...já que os incidentes que dão excelência a uma biografia são, por sua própria natureza, voláteis e evanescentes. — Samuel Johnson, citado por James Boswell em Life of Samuel Johnson (1791)   1. Quando Susan Sontag faleceu, na madrugada de 28 de Dezembro de 2004, não foi raro que muitos vissem na sua morte não só a perda de uma romancista e ensaísta de excelência, mas, sobretudo, um sinal inequívoco do encerramento de uma era em que a figura do intelectual público representava tanto os valores da alta cultura, mas também, e quase se poderia dizer que além disso, a própria encarnação de uma autoridade moral que, salvo exceção, nenhuma outra figura pública — políticos, cientistas, jornalistas etc. — poderiam até esperar alcançar.   É provável que Sontag não tenha gostado deste tipo de reconhecimento póstumo. Pelo menos desde meados da década de setenta do século passado e até aos seus últimos dias, ela, como poucos escritores ou intelectuais da sua...

Nota sobre Sontag: O que ela queria para mulheres*

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Por Merve Emre Susan Sontag. Foto: Diane Arbus   Uma certa preocupaçã o cerca a crítica que pediu para introduzir um volume de escritos anteriores de Susan Sontag sobre mulheres, temendo encontrar neles ideias expressas de um passado distante, e menos iluminado. Mas os ensaios e as entrevistas em On Women , 1 uma nova coleção de trabalhos de Sontag, são incapazes de envelhecerem mal. Embora os excertos tenham cerca de 50 anos, o efeito de ler eles hoje é admirar a atemporalidade de sua genialidade. Eles não contêm ideias prontas, nem retóricas emprestadas — nada que se arrisque em solidificar-se em um dogma ou clichê. Eles oferecem a nós o espetáculo de uma intelectualidade feroz que se dedica para a tarefa que têm em mãos: articular a política e a estética de ser uma mulher nos Estado Unidos, na América, e no mundo.   O glamour singular de Susan lhe causou alguma injustiça, particularmente onde questões de sexo e gênero estão envolvidas. Desconfiados de sua fama, e convencid...

Clarice Lispector e Susan Sontag: furtos e abusos

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Por Guilherme Mazzafera Assim como muitos, li Clarice,  – a biografia que leva o nome de Benjamin Moser – com certo deleite e curiosidade. Creio que foi por volta de 2017, após tê-la comprado em uma das diversas promoções da finada Cosacnaify. Desconhecendo os importantes trabalhos precedentes de Nádia Gotlib ( Clarice, uma vida que se conta , Ática, 1995) e Teresa Montero ( Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector , Rocco, 1999), aprendi muitas coisas e apreciei sua estrutura e pendor narrativo. Em uma breve pesquisa, no entanto, as animosidades entre Moser e Gotlib ficaram evidentes, em vídeo e por escrito. Num primeiro momento, não levei a coisa muito a sério, entendendo o fato como um ranço natural, colonialista quase, de uma pesquisadora brasileira diante de alguém que faz (tardiamente) um trabalho semelhante ao seu com repercussão muito mais ampla simplesmente por tê-lo feito em inglês. Mas, ainda longe de descobrir o furto estrutural ...