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László Krasznahorkai um trapaceiro da ficção

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Por Matías Serra Bradford László Krasznahorkai. Foto: Marjai János   Como demonstrou a divisão arbitrária de apartamentos durante a era comunista na Hungria — quando alguns habitantes de Budapeste ficavam com dois banheiros, mas sem cozinha, ou dois quartos, mas sem sala de jantar —, de certo absurdo típico pode originar uma literatura radical. É o que László Krasznahorkai antecipa e insinua ao seu leitor no retrato de um mosteiro em Quioto intitulado Ao norte a montanha, ao sul o lago, ao oeste a estrada, ao leste o rio : “Logo necessitaria uma unidade de medida diferente da habitual, que logo alguns passos diferentes daqueles que até então traçaram o perímetro de sua vida indicariam a direção a seguir”.   Krasznahorkai cresceu na Hungria, país de poetas como o Chile e a Irlanda, e foram os versos extremamente delicados de János Pilinszky, Attila József e Sándor Weöres, com uma mão adicional dos contistas crepusculares Péter Hajnóczy e Miklós Mészöly, que forjou sua esté...

Tchevengur, de Andrei Platônov

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Por Marcelo Jungle Andrei Platônov, Koktebel, 1936.   A Editora Ars et Vita lançou obra fundamental e quase desconhecida da literatura do século XX. Trata-se de Tchevengur , do escritor russo Andrei Platônov, escrita nos anos de 1927–29 e originalmente intitulada Construtores da Primavera . Merecem todos os elogios pela iniciativa os co-editores Luiz Gustavo Carvalho e Maria Vragova, que também assina a tradução, por trazer ao universo lusófono a primeira versão em português desta obra-prima. Que seja a locomotiva que nos traga outras criações do autor, complementando uma séria lacuna do universo editorial da literatura russa no Brasil.   Tchevengur faz parte daquela categoria de livros exilados, sequestrados ou confinados durante o regime soviético e só obteve a liberdade em 1988. Esta lista é extensa e nela se incluem autores como Mikhail Bulgákov, Marina Tsvetaeva, Anna Akhmátova, Osip Mandelstam, Vassili Grossman, Aleksandr Soljenítsyn, Varlam Chalámov, Isaak Bábel ...

Boletim Letras 360º #495

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, aqui encontrará parte das notícias que divulgamos durante a semana em nossas redes sociais. Dessa vez, uma pequena parte. A lista de pré-vendas de duas das mais ativas casas editoriais saiu no mesmo dia e preciso economizar tempo de leitura aqui e notícias para os próximos boletins.   2. Durante a semana, o leitor saberá qual livro substituiu o sorteio da edição especial do Ensaio sobre a cegueira . Relembro que para participar dos sorteios basta apoiar o Letras — todas as informações aqui .   3. E, não esqueça, na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados aqui, você ganha desconto e ainda ajuda ao Letras com as despesas de domínio e hospedagem na web sem pagar nada mais por isso .   4. Agradeço a companhia. Bom final de semana e boas leituras! Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, setembro de 1967.   LANÇAMENTOS   Dois livros que unem Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa ganham tr...

Cadernos de delicada loucura (Parte 2)

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Por Antonio Yelo   5 Susan Sontag tinha dezessete anos quando se casou com Philip Rieff, seu professor de sociologia na universidade. Rieff era onze anos mais velho que ela. No dia 3 de janeiro de 1951, a escritora anotou no seu diário:   “Casei com Philip com plena consciência + medo da minha própria vontade apontada para a autodestrutividade.”   A 4 de setembro de 1956 reflete em outro de seus cadernos:   “Quem inventou o casamento foi um torturador astuto. É uma instituição destinada a embota os sentimentos. Toda a questão do casamento se resume na repetição. O melhor que ele almeja é a criação de dependências fortes e mútuas.   Brigas acabam perdendo todo o sentido, a menos que a pessoa esteja sempre pronta a agir sobre elas — ou seja, terminar o casamento. Assim, depois do primeiro ano, a pessoa para de ‘perdoar’ depois das brigas — apenas recai num silêncio irritado, que passa a um silêncio comum, e depois continua outra vez.”   A união dos dois durou...

O verão em que mamãe teve olhos verdes, de Tatiana Ţîbuleac

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Por Sérgio Linard Tatiana Ţîbuleac. Foto: Mario Gi. Quando a pretensão é não traumatizar filhos, o melhor caminho é não os ter. Assim dizem os populares, assim escolheu o nosso Brás Cubas. Mas a mãe de Aleksy o traumatizou e só conseguiu ter uma boa convivência com aquele adolescente em um eterno verão. Este romance da autora moldava Tatiana Ţîbuleac persegue, sob a perspectiva do filho já adulto, justamente aquele verão.   São as férias escolares; a mãe, que já tem uma relação bastante conturbada com sua única prole, encaminha-se até aquela escola destinada a jovens infratores, órfãos ou com algum “problema” que a sociedade autointitulada “normal” vê como suficiente para isolá-los da vida em sociedade. E aqui, já no começo do livro, entendemos o grau de repulsa que o jovem tinha por sua genitora:   “Naquela manhã em que a odiava mais do que nunca, mamãe completou trinta e nove anos. Era gorda e baixinha, burra e feia. Era a mãe mais imprestável que já havia existido. Observa...