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Prefácio a Santuário, de W. Faulkner¹

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Por André Malraux William Faulkner e André Malraux. Foto: Coleção de Henriette Colin.   Faulkner sabe muito bem que os detetives não existem; que a polícia não depende nem da psicologia, nem da perspicácia, mas da delação; e que não são Moustachu nem Tapinois 2 , modestos pensadores do cais de Orfèvres, que prendem o assassino em fuga, mas a polícia de guarnição; pois basta ler as memórias dos chefes de polícia para ver que a iluminação psicológica não é o forte de tais pessoas, e que uma “boa polícia” é uma polícia que soube melhor que outra organizar seus informantes. Faulkner sabe também que o gangster é antes de tudo um vendedor de álcool. Santuário é portanto um romance de atmosfera policialesca sem policiais, de gangue com gangsters imundos, às vezes covardes, impotentes.  Mas o autor obtém a partir disso uma selvageria justificada pelo meio, e a possibilidade de fazer aceitar, sem perda do mínimo de verossimilhança, o estupro, o linchamento, o assassinato, as form...

Território Lolita

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Por Ana Clavel Vladimir Nabokov. Foto: Horst Tappe   “É impossível saber se foi um feliz acidente ou um objetivo deliberado, mas é claro que em algum momento do passado remoto alguém criou a representação de um objeto de desejo erótico, provavelmente um corpo ou parte dele, e ao contemplá-lo descobriu que tinha um poder incomum.”   — Em Pornografia , de Naief Yehya.     Todo objeto de desejo torna-se na imaginação, na fantasia, um fetiche. Fetiche, do latim facticius : artificial, e facere : fazer. Contradição aparente: não é o objeto, mas é o mesmo — ou até mais. Sinédoques do desejo. A parte pelo todo, ou o todo pela parte. Não é essa a essência de Lolita ou do próprio desejo? São encarnações ou substitutos do objeto de amor perdido, desse inefável prazer que jamais será recuperado? O mito da filha de Butades que explica a origem da pintura, segundo Plínio, como um ato amoroso para preservar o rastro do amante que partia, mas também a origem e a essência do desejo...

Proust e seu mundo mataram Roland Barthes

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Por Christopher Domínguez Michael Roland Barthes. Foto: Marion Kalter.   Em 26 de setembro de 1905, faleceu Jeanne, a mãe de Marcel Proust, e em 25 de outubro de 1977, Henriette, a mãe de Roland Barthes. Entre essas duas datas, bem pode se projetar a posteridade de Barthes (1915-1980), que se questiona, em Roland Barthes por Roland Barthes (1975), diante de uma foto sua quando criança, se, uma vez que, quando “começava a andar, Proust ainda estava vivo e tinha acabado de escrever Em busca do tempo perdido ”, ele e Proust poderiam ser considerados contemporâneos, ou confessa seu aborrecimento porque a mãe/avó do romancista não era realmente sua mãe. 1 Por isso, o último fruto dessa associação é Marcel Proust. Mélanges (2020), uma compilação de tudo o que Barthes escreveu sobre seu autor favorito, mas sobre o qual nunca elaborou um livro unitário, por motivos que chamam ao hipotético ou ao divinatório.   A semiologia barthesiana e sua festa de neologismos vem se retirando de ...

Katherine Mansfield: uma mulher única numa cadeira incômoda

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Por Verónica Boix Katherine Mansfield. Foto: Ida Baker.   Fazer arte a partir da simplicidade pode ser uma das características centrais da obra da escritora Katherine Mansfield. Com poucos livros de contos, tornou-se um clássico do gênero. E fê-lo através de elementos simples, como uma pereira, uma casinha de bonecas ou um chapéu. Se suas ficções combinam o mundo doméstico e a lucidez de uma linguagem que vai ao cerne dos dilemas da condição humana, seus textos de não-ficção não ficam atrás. Ao longo de sua vida escreveu mais de cinquenta cadernos com diários, cartas e textos que abrem a pele de seu tempo à luz de um olhar atento aos mínimos detalhes da existência.   Agora, Mansfield realmente escreveu seus famosos Diários , ou eles são apenas um recorte arbitrário que seu marido fez quando ela já estava morta e não podia protestar? A polêmica suscitada entre os estudiosos de sua obra, e agora retomada pelo prólogo de Sopa de ameixa ¹, um conjunto de textos, quase todo de inéd...

Javier Marías e o rosto de ontem

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Por Isaac García Guerrero Javier Marías Gianfranco Tripodo   Com Javier Marías se foi um tempo que já é passado. Um mundo que, sem percebermos muito, tem nos escapado aos poucos. Com sua morte está certificado que aquele rosto que estávamos olhando, o de Marías e o de seu tempo que também era o nosso, não era o rosto do presente, mas o do mundo de ontem.   Como grande autor, suas obras aprofundam temas e espaços recorrentes. O amor, o desejo, a traição, a desconhecimento do ente querido e do amigo ocupam suas páginas narrativas. Suas reflexões se confundem com os temas mais próximos e particulares da vida espanhola, como o sequestro e assassinato do jovem político Miguel Ángel Blanco perpetrado pelo grupo terrorista ETA em 1997, tema de fundo, por exemplo, de Tomás Nevinson . Mas a sua obra também gosta de revisitar os mesmos espaços, especialmente Madrid, Londres e Oxford. Um interesse pelo local que fica muito marcado em suas colunas jornalísticas, onde o futebol, o cinema, ...

Boletim Letras 360º #500

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    DO EDITOR   1. Caro leitor, com várias mãos sempre podemos mais. Por isso, as várias possibilidades abertas para que você faça parte da nossa história de quinze anos. Convido o leitor a conhecer sobre o clube de apoios e as alternativas para ajudar este blog com o pagamento das despesas de hospedagem na web e domínio.   2. Agora que o pacote com os três livros do último sorteio, realizado no início do mês, chegou às mãos do nosso leitor-apoiador, já é possível dizer quais os próximos títulos. Então, esteja atento aos próximos dias em nossas redes sociais.   3. Dessa vez, dois Kits com livros oferecidos pela editora independente Trajes Lunares. E lembro que: a aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste Boletim garante a você desconto e ajuda ao blog sem pagar nada mais por isso .   4. Um excelente final de semana com descanso e boas leituras! Michel Houellebecq. Foto: Philippe Matsas.   LANÇAMENTOS   Um romance total do ...