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Vida indiscernível: ensaio sobre uma novela de Anton Tchekhov

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Por Wesley Sousa O que é feito com arte é sempre novo — Tchekhov A literatura de Anton Tchekhov (1860-1904) é uma experiência literária única. Seus inúmeros contos, novelas e peças constituem um universo que apenas ele pode proporcionar com tamanha magnitude e o zelo pela simplicidade sem cair na superficialidade. Dispensável dizer, porém, que ele compõe o rol da vasta e intensa produção literária russa, com nomes de escritores, poetas e dramaturgos da estatura de Liev Tolstói, Fiódor Dostoiévski, Aleksandr Púchkin, Ivan Turguêniev, Nikolai Gógol, Nikolai Leskov, Maksim Górki, Vladímir Maiakóvski, dentre tantos outros.   Sua diplomação universitária adveio da formação em Medicina. Com o passar do tempo, a atividade de escritor acabou sendo cada vez mais importante na vida do jovem médico, e daí veio a se transformar na sua principal ocupação. De fato, não nasceu de uma família rica ou aristocrática, como foi o caso de Tolstói ou Turguêniev, mas também pôde, mesmo com dificuldades,...

Púchkin: A filha do capitão e Evguiêni Oniéguin — formação e cisão

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Por Joaquim Serra Púchkin. Pintura: Vasily Tropinin   A filha do capitão é um ótimo exemplo do encontro profícuo entre literatura e história. Boris Schnaiderman, em Os escombros e o mito , escreveu que não se trata da sujeição de uma à outra, mas de reconhecer a importância do limite entre elas. O ponto alto desse encontro, segundo o crítico, é Dostoiévski em Escritos da casa morta , romance em que o autor se baseia em sua experiência carcerária na Sibéria. Continuando essa tradição do romance de cárcere, no período soviético, Soljenítsin revelou “a ponta do iceberg” — segundo o crítico — da vida no Gulag, enquanto Chalámov foi além, ao repensar os limites dos gêneros literários para descrever eventos históricos. A seguir, vamos tratar de aspectos mais formais das duas obras de Púchkin, já que ambas as traduções estão muito bem ancoradas por paratextos contextuais.   A revolta de Pugatchóv havia sido objeto de estudo de Púchkin. Na tentativa de se tornar o novo tsar, Emilian ...

Boletim Letras 360º #531

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    DO EDITOR   1. Olá, leitores, desde há um mês, seguindo o curso do itinerário interminável da nossa colonização virtual, estamos com um grupo no Telegram. É neste espaço que agora chegam, em primeira mão, as novidades sobre as novas entradas no blog.   2. Mais que seguir o curso da manada, a estratégia de chegarmos ao Telegram é a de estender nossa proximidade e, claro, manter em alguma medida o convívio que se torna sempre mais impraticável nas redes sociais. Já repetimos muito o convite nos demais lugares online, mas refazemos neste espaço. Se quiser estar conosco, basta entrar aqui.   3. Num futuro não muito longe, queremos preparar sorteios exclusivos com alguns livros maravilhosos para os leitores neste espaço ou expandir as vantagens do nosso clube de apoios. E, falando nisso, saiba todas as formas de ajudar o Letras com as despesas de hospedagem e domínio online neste endereço.  4. Uma delas é a aquisição de livros pelos links ofertados neste B...

Uma pequena observação sobre os romances de Rubem Fonseca

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Por Bruno Botto Rubem Fonseca. Foto: Fernando Pimentel. Arquivo revista Veja.   Os romances históricos de Rubem Fonseca (1925-2020) tinham o costume de voltar no tempo e nos ensinar algo. Claro, a função do romance histórico por natureza pode ser educacional ou até mesmo beirar a ficção especulativa. Por ser um autor recluso e de poucas palavras sobre os seus livros, fica difícil realmente reconhecer o que significavam os recortes temporais escolhidos pelo escritor brasileiro para contar em determinado livro. Mas juntando os cacos sobre a vida do autor, a breve história de nosso país e como a literatura pode ser moldável, ofereço aqui uma análise compreendendo três de seus romances históricos: Agosto , O selvagem da ópera e José .     Agosto foi lançado em 1990 e talvez seja o romance mais celebrado do autor. No livro, somos transportados para a ebulição política deste mês de 1954: Getúlio Vargas está vacilante no seu cargo e o destino do país se divide entre getu...

Mánasteinn, o menino que nunca existiu, de Sjón

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Por Pedro Fernandes Sjón. Foto: Dagur Gunnarsson   Tornou-se comum dizer da ausência de personagens na literatura capazes de permanecer conosco como figuras que rompem o limite da ficção e passam ao nosso convívio como as nossas criaturas de carne e osso. Sjón contraria o que parece se afirmar como uma recorrência e nos oferece uma dessas criaturas: Máni Steinn.   É caso ardilosamente pensado, como é sempre na arte. O jogo ficcional disposto pelo romance com essa figura começa desde um título que a princípio registra o que parece uma versão oralizada do nome próprio do protagonista: Mánasteinn . Entre uma forma e outra, o romancista desvincula sua personagem de uma condição material transformando-a em matéria simbólica. Não é, portanto, apenas uma criatura que se distingue no plano narrativo pela ação. Sua natureza a insere no plano das significações.   Sendo o islandês em relação ao português uma língua perfeitamente integrada à lista daquelas complexidades que só uns m...

Picasso no cinema: dois mistérios

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Por Fernanda Solórzano Le Mystère Picasso . Henri-Georges Clouzot (1956)   Com alguma suspeita, mas derrotados pelas evidências, vários historiadores e acadêmicos aceitaram que os filmes do gênero histórico têm um alcance e impacto muito maiores do que os livros. (Estes últimos, mais rigorosos e livres da exigência de agradar ao público, algo que se impõe ao cinema de grandes orçamentos.) Um dos impulsionadores da ideia de que, em vez de ignorá-los, os especialistas deveriam dialogar com os filmes sobre acontecimentos passados ​​— e, se necessário, apontar suas imprecisões — foi o historiador Robert A. Rosenstone, que em 1989 criou uma seção de filmes na American Historical Review , que editou por cinco anos. Num texto intitulado “The historical film as real History” ( Film Historia , v.5 n.1, 1995) Rosenstone reflete sobre sua experiência como editor daquela seção e chega a uma conclusão contundente: o único cinema histórico que vale a pena levar em conta é aquele que dá ao espect...