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Samuel Beckett não se faz esperar

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Por Matías Serra Bradford Samuel Beckett. Foto: Henri Cartier-Bresson   A Segunda Guerra ficara para trás numa vida em que era difícil virar cada página. A princípio, em Paris, Samuel Beckett alistou-se na resistência contra os nazistas; no fim, ele acabou ao volante de uma ambulância na Normandia. Pelo meio, refugiando-se em Roussillon, na Provença, escreveu Watt para não perder a cabeça (e é um livro que pode devolvê-la ou recolocá-la a quem o leia).   De 1947 a 1950, sob uma febre repetível, escreveu as três obras que, numa maneira muito própria, desmantelariam o horizonte de papel da ficção: Molloy , Malone morre e O inominável . De repente, os escombros começaram a oferecer uma visão privilegiada: o romance refundado como uma capital de ruínas.   Chegara um escritor que não tinha medo de prender os dedos numa porta. Era uma das poucas epifanias que escapara a outro garoto, seu amigo e cúmplice James Joyce: a gratuidade de narrar sem motivo . E a tese consequente: q...

As visitas que hoje estamos, de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira

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Por Pedro Fernandes O romance é um repositório de vozes. Essa qualidade permite que essa forma narrativa possa assumir infinitas feições, algumas delas, assimiladas a partir de linguagens ou de práticas linguageiras distintas da literatura, outras, a partir do exímio tratamento estético burilado na forja do romancista. No primeiro caso, encontramos os romances que se alimentam do tecido social e, no segundo, os que se alimentam da imaginação criativa e por vezes antecipam determinada experiência do mundo exterior. Nos dois casos, entretanto, a forma ao mesmo tempo que se renova constitui lentamente uma história que é parte indissociável na cultura, na formação do pensamento, no curso das ideologias e na milenar arte de narrar.   Costumamos distinguir Ulysses , de James Joyce, como o ponto mais radical ou a virada na história da forma romanesca. É verdade que os modelos mais tradicionais do romance nunca deixaram de existir e existirão enquanto encontrar um leitor neles interessado....

“O conde”, o filme que aborda Pinochet como um vampiro

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Por Alonso Díaz de la Vega   Gostaria de escrever sobre  O conde (2023) com absoluta raiva. Dirigido por Pablo Larraín, cineasta chileno complacente e inoportuno, o filme é protagonizado por Augusto Pinochet (Jaime Vadell), que, de costas para a historiografia, o ativismo e seus biógrafos, acaba sempre sendo um vampiro caprichoso e vingativo mas, mais do que nada, travesso. Quando o confrontam pelos crimes da sua ditadura, ele responde como uma criança que, depois de assaltar a lata de doces, se justifica porque não lhe deram o suficiente para comer. “De verdade, verdadeira”, diz o ditador vampiro, “o que tenho sido é uma vítima”.   É claro que a intenção de Pablo Larraín não é absolver Pinochet mas zombar dele, agora, a vida de um criminoso desse tipo é delicada para ser abordada a partir do humor; depois de tudo, Charles Chaplin caricaturou Hitler em O grande ditador (1940) antes que o mundo se inteirasse do Holocausto. As leis racistas de Nuremberg já existiam, é ver...

José Gorostiza para o novo século

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Por Luis Bugarini   A poesia é um bem social que se materializa quando os versos entram em contato com o leitor. Nos registros poéticos mais felizes, nos marcos distinguíveis à primeira vista na profusa história da criação literária — digamos, as obras de Ausiàs March ou Du Fu —, o instante poético é uma operação de inteligência e não uma mera manifestação emocional de seu autor, o que requer uma ação idêntica para se comunicar com seus potenciais destinatários.   1 Luz e poesia   Na leitura da poesia mais elevada, duas inteligências se olham para falar a partir de uma distância fora do tempo, independentemente de o poeta estar morto há quinhentos anos ou ter apenas vinte anos.   Essa operação encontra-se hoje em crise. Tudo se opõe à leitura e pior ainda se for aquela que exige amor ao detalhe. O tempo vigente exige habilidades para se concentrar e abandonar as intermináveis ​​preocupações e distrações da vida ultramoderna: chame-se dispositivos eletrônicos com qu...

Martin Walser: o escritor e o polemista

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Por Judith Kunze Martin Walser. Foto: Felix Kaestle   “Pode-se dizer que é a compulsão constante de não deixar que a dor incessante da existência tenha a última palavra.” Esta frase de um dos mais importantes romancistas alemães do pós-guerra, Martin Walser — nascido em 1927 em Wasserburg e falecido no final de julho de 2023 em Überlingen — é talvez o que ilustra mais claramente a estrutura das suas personagens literárias, anti-heróis que lutam com conflitos internos, vivenciam decepções, enganam-se, fogem e fracassam.   No entanto, a maioria das pessoas associará Martin Walser a uma figura altamente controversa que defendia veementemente as suas opiniões em público. Assim, muitos se lembrarão da grande disputa mediática com Marcel Reich-Ranicki, desencadeada pelo seu romance de 2002, Morte de um crítico , ou pelo seu discurso em Frankfurt, em 1998.   O comprometimento político de Walser foi mais do que a “percepção de um tema obrigatório”, como chamava o próprio autor, s...

Boletim Letras 360º #552

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DO EDITOR   1. Olá, leitores! Nesta semana, ficou disponível dois outros livros para venda no nosso pequeno bazar, realizado desde há quatros com o interesse de arrecadar fundos para custeio do domínio e hospedagem deste blog na web . Saiba destes e de outros títulos por aqui . Caso não consigam aceder ao Facebook, podem solicitar as informações que precisarem pelo nosso e-mail blogletras@yahoo.com.br   2. Confira ainda outras maneiras de ajudar ; e, lembramos mais adiante, uma dessas maneiras é a aquisição de quaisquer livros pelos links disponibilizados neste boletim e nas nossas redes ou ainda a aquisição de quaisquer outros produtos neste endereço. 3. Agradecemos a todos que seguem conosco fazem este projeto permanecer online da maneira como acontece hoje, livre, independente. Italo Calvino. Foto: Pepe Fernandez LANÇAMENTOS   No mês de centenário de Italo Calvino, dois livros inéditos do escritor .   1. Italo Calvino por ele mesmo. Um volume monumental de entrev...