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A. S. Byatt

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Por Andreu Jaume A. S. Byatt. Foto: Geraint Lewis.   “É a substituição da celebridade pelo heroísmo que alimentou este fenômeno. E é o efeito nivelador dos estudos culturais, mais interessados ​​na exposição midiática e na popularidade do que no mérito literário, cuja existência questionam. Acham legítimo comparar as Brontë com o romance Best-Seller. Tornou-se respeitável ler e discutir o que Roland Barthes chamou de ‘livros para consumo’. Não que haja algo de errado com isso, mas tem muito pouco a ver com o arrepio que sentimos quando vemos através das ‘mágicas janelas, abertas sobre a espuma/ Dos mares perigosos, nas encantadas terras perdidas’ de John Keats”.   Num artigo para The New York Times em 2003, Dame A. S. Byatt, que morreu em novembro deste ano, interveio assim no debate em torno do sucesso de Harry Potter , de J. K. Rowling. Para muitos, o fenômeno representava uma revitalização da literatura que devia ser saudada com entusiasmo, mas Byatt não detectou nada mai...

Oito poemas de James Wright em “O ramo não se irá quebrar” (1963)

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)   COMEÇA O OUTONO EM MARTINS FERRY, OHIO   No estádio de futebol do Liceu Shreve, Penso nos polacos tratando das suas grandes cervejas em Tiltonsville, E nos rostos cinzentos dos negros no alto-forno de Benwood, E no guarda-nocturno rebentado de Wheeling Steel, Sonhando com heróis.   Todos os pais orgulhosos têm vergonha de ir para casa. As suas mulheres cacarejam como frangos esfomeados, Morrendo por amor.   Por isso, Os seus filhos crescem suicidamente belos Nos começos de Outubro, E terrivelmente galopam contra os corpos uns dos outros.     DEITADO NUMA CAMA DE REDE NA QUINTA DE WILLIAM DUFFY EM PINE ISLAND, MINNESOTA   Por cima da minha cabeça, vejo a borboleta de bronze Dormindo no tronco negro, Agitando-se como uma folha na sombra verde. Lá em baixo, na ravina, detrás da casa vazia, Os sinos das vacas seguem-se uns aos outros Até aos longes da tarde. À minha direita, Num campo de luz, entre dois pinheir...

Boletim Letras 360º #562

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Albert Camus. Foto: Loomis Dean LANÇAMENTOS   Inédito no Brasil, Escreva muito e sem medo é a coletânea da intensa troca de cartas de Albert Camus e Maria Casarès, um testemunho da busca de dois amantes pela verdadeira experiência do amor .   Em 19 de março de 1944, Albert Camus e Maria Casarès se conhecem na casa de Michel Leiris. A ex-aluna do Conservatório de Arte Dramática de Paris, nascida em Corunha e filha de um político espanhol forçado ao exílio, tem apenas 21 anos. Ela havia começado a carreira em 1942, no Théâtre des Mathurins, mesmo ano em que Camus publicara O estrangeiro pela Gallimard. Na época, o escritor morava sozinho em Paris. Por causa da guerra, acabou afastado da esposa, Francine, que havia ficado em Orã, na Argélia. Sensível ao talento da atriz, confiou-lhe o papel de Martha na estreia de O mal-entendido , peça de sua autoria, em junho de 1944. Em 6 de junho do mesmo ano, na noite do Dia D, Albert Camus e Maria Casarès tornaram-se amantes. Esse era só ...

O plebeu era o aristocrata

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Por Aida Míguez Barciela Modeste Mignon. Ilustração de Pierre Vidal (1849-1929).    Modeste Mignon exala juventude, é um broto febril. Não pode assumir a realidade da vida comum; ainda não aprendeu a suportar a miséria do mundo cotidiano em que temos de viver. Protesta. Diz em alto e bom som que não quer ter um tolo como seu amo e senhor ou suportar sine die sua estupidez; quer um homem de gênio que saiba escalar as montanhas mais altas e íngremes. Como Madame Bovary, Modeste aspira escapar da prisão medíocre e provinciana em que vive, e que parece uma prisão porque (como Emma) leu muita literatura, mas (é preciso dizer) não leu bem; os livros encheram sua cabeça de pássaros e sonhos ingênuos. Porque a vida parece prosaica comparada à literatura, com os sonhos que valem a pena sonhar, com fantasias reais, com amores genuínos e com os voos sempre improváveis ​​ao alcance de poucos.   Então ela quer escapar. Escapar-se como puder. Apaixonar-se por um poeta inatingível: Pa...

Azul corvo, de Adriana Lisboa

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Por Pedro Fernandes Adriana Lisboa. Foto: O Globo  (Reprodução)   A obra romanesca de Adriana Lisboa transita numa escala que vai do registro subjetivo e intimista ao coletivo e exterior. Se desde Os fios da memória , passando Sinfonia em branco e Um beijo de colombina , a narrativa se tece a partir de circunstâncias muito particulares dos seus sujeitos e examina-as com o interesse de transpor suas inquietações, com Azul corvo , o interesse da escritora parece ser o de articular essa dimensão a outra mais ampla e fora do entorno individual. Claro, não é o caso de ignorar essas instâncias como alheias. Quando nos referimos o íntimo e o social, falamos especificamente do interesse focal da narrativa, mas sabemos que uma dimensão pode implicar a outra num contínuo jogo derivado do material simbólico e sua constância no objeto artístico.   No romance publicado em 2014, a articulação entre os pontos na escala criativa da escritora carioca aparece visível nos fios que formam ...

Mecanismos: Tchekhov sacou sua arma

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Por Diego Cuevas   — Sendo assim, você prefere não me entregar a arma. — É perigoso e ilegal. Além do mais, Tchekhov é um escritor confiável.   De Haruki Murakami em 1Q84   Ilustração: Rebecca Clarke   O tabuleiro   Uma sala de estar como cenário principal decorada com vários móveis: uma poltrona tão ostentosa que faria Luís XVI pensar em contratar um decorador de vez em quando, uma janela aberta, um prego nu saindo da parede, um vaso vazio, o gigantesco retrato e emoldurado de um opulento casamento e um rifle cercado por uma coleção de troféus de caçador em forma de numerosas cabeças de animais ostentando aquela expressão infeliz que as presas dos caçadores adquirem quando sabem que serão varridas do resto de sua existência pela manhã.   A campainha toca e uma mulher, idêntica à da imagem na tela que coroa a sala, vem rapidamente atender o visitante. A porta se abre e um homem entra em cena; notamos que não é o cavaleiro da pintura. Ele traz um buquê...