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Um ensaio compila os gênios da erudição

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Por Álex Vicente   O que é um polímata? O dicionário define o termo, derivado do grego, como uma pessoa “com grandes conhecimentos em diversas matérias científicas ou humanísticas”. O grande historiador cultural Peter Burke oferece em seu novo ensaio, O polímata (Editora Unesp, 2020), uma descrição muito mais detalhada para entender quais foram os “monstros da erudição” que conseguiram oferecer contribuições simultâneas em diversos campos, de Leonardo da Vinci a Susan Sontag. “Para ser um polímata, é preciso ter um sentido de curiosidade maior que o restante das pessoas e um bom sentido da analogia, a amplitude suficiente de olhar para acreditar que as soluções que alguém encontra numa área do saber servirão para outra”, registra em entrevista o professor emérito de história cultural depois de ter sido professor no prestigiado Emmanuel College por quatro décadas.   A lista feita por Burke em seu livro alcança cinco centenas de nomes, de Comenius a Oliver Sacks, passando por A...

O Céu de Suely: o sensível também é possível

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Por Heto Sazá O céu de Suely começa com um sonho, com um delírio, e deixa claro, desde o primeiro plano, o seu caráter intimista. A protagonista Hermila apresenta-se com a seguinte frase: “eu fiquei grávida num domingo de manhã” e em seguida, ao som da balada brega-romântica “Tudo que eu tenho de Diana”, dança em lembrança, feliz e apaixonada, com seu namorado. Até que ela desperta, em um ônibus a caminho de sua cidade natal, Iguatu, no semiárido cearense. Hermila é doce e amável; volta para casa com um filho no colo e com algum brilho na cara, mas depois disso, como o protagonista de Árido movie (Lírio Ferreira, 2006), ela não mais pertence àquele lugar. E que lugar é esse, afinal, que expulsa os seus?   Mesmo diante desse mote, tão sensível aos sertões, o filme não cai na mesmice: Iguatu é uma cidade pacata e não parada; Hermila deixou-a por causa do amor e não por causa da seca. O filme parece, na verdade, mais interessado em desconstruir clichês do que se basear neles. Ter u...

Cadernos de delicada loucura (Parte 1)

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Por Antonio Yelo Le Solitaire . Tennessee Williams, anos 1970 Arquivo: Key West Art & Historical Society   1 O detetive de homicídios Somerset, da polícia de Nova York, entra numa sala. As paredes são ocupadas por estantes que chegam até o teto. Nelas, milhares de cadernos estão empilhados. Somerset pega um. Capa sem designativo. No interior, preenchido totalmente de frases manuscritas, diminutos e rascunhados desenhos e pequenas fotos, aparentemente recortadas da seção de contatos do jornal. Os desenhos, imagens e texto ocupam cada centímetro das páginas. Somerset pega outro caderno e o folheia. Igual ao primeiro, cheio até a borda. Somerset vai até outra prateleira e pega outro caderno. O mesmo. O detetive olha ao redor. Estão na casa do assassino. Seu parceiro, o detetive Mills, entra na sala.   Três assassinatos brutais foram cometidos. Há um fio que une os crimes: são inspirados em três dos sete pecados capitais. Os detetives verificam se os cadernos não contêm datas ...

O príncipe Kropotkin e a literatura russa

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Por Christopher Domínguez Michael Piotr Kropotkin.   Nenhum outro revolucionário legou uma imagem tão impecável como Piotr Kropotkin (1842-1921), “anarquista entre os príncipes e príncipe entre os anarquistas”, segundo o crítico dinamarquês Georg Brandes. 1   É unânime a lembrança de seu bom berço no bairro dos Velhos Cavaleiros de Moscou, de sua primorosa educação à maneira do czarismo do Iluminismo, de sua alta relevância como geógrafo de estatura internacional — ainda hoje célebre autor dos mapas siberianos —, e seu caráter simultaneamente gentil e firme. Ele é o único dos anarquistas que, com seu “anarquismo científico”, tinha algo a dizer ao século XXI, segundo o historiador marxista Eric Hobsbawm. 2   Enquanto Mikhail Bakunin não é perdoado por seu estridente antissemitismo ou Pierre-Joseph Proudhon por sua cruel misoginia, Kropotkin saiu ileso da arena do absolutismo e da Revolução. Em 1914, enlouqueceu seu povo ao fazer o impensável para um anarquista: tomar parti...

Boletim Letras 360º #490

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DO EDITOR 1. Caro leitor, o sorteio de um exemplar da edição especial de Ensaio sobre a cegueira acontecerá no dia 31 de julho. Você pode ajudar ao Letras e concorrer ao livro sorteado — saiba tudo por aqui .   2. No mesmo endereço encontrará outras maneiras de colaborar para que o blog consiga custear suas despesas com domínio e hospedagem online. Sua ajuda é sempre bem-vinda e essencial!   3. Relembro que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você ganha desconto e ainda ajuda ao Letras sem pagar nada mais por isso .   4. Desejo um excelente fim de semana e agradeço o apoio, a companhia neste projeto! Frantz Fanon.    LANÇAMENTOS Uma visita à biografia e às ideias de Frantz Fanon .   Frantz Fanon? Não, ele não era argelino. Também não era filósofo ou sociólogo — apesar de ter pensado a situação do negro em um mundo branco como poucos — ou líder revolucionário — embora tenha participado ativamente de uma das mais i...

Max Aub

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Por Antonio Muñoz Molina   Em março de 1998 assisti a uma apresentação de San Juan , de Max Aub, no teatro María Guerrero, em Madri. O público lotava a sala, a encenação tinha um alcance visual e dramático admirável, os inúmeros atores, sem exceção, interpretavam seus personagens com intensidade e sem afetações. O final apocalíptico deixou um silêncio ensurdecedor seguido imediatamente por um longo dilúvio de aplausos. De pé, entre as pessoas emocionadas e emocionadas, lembrei-me de Max Aub, morto há 26 anos, e a quem a justiça desse reconhecimento chegava tão tarde.   O que acabávamos de ver e ouvir no María Guerrero havia sido escrito por ele há exatos 56 anos, no porão do navio que o levava de Casablanca a Veracruz, mas ele havia começado a imaginá-lo algum tempo antes e em outro navio mais sinistro, aquele onde viajou como prisioneiro dos franceses de Vichy, a partir de Marselha para a África. Max Aub, que foi um escritor assíduo e excelente de diários, teve, no entanto,...