Boletim Letras 360º #487

DO EDITOR

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4. Desejo um excelente fim de semana e agradeço o apoio, a companhia neste projeto!

Frantz Fanon. 


 
LANÇAMENTOS

Uma visita à biografia e às ideias de Frantz Fanon.
 
Frantz Fanon? Não, ele não era argelino. Também não era filósofo ou sociólogo — apesar de ter pensado a situação do negro em um mundo branco como poucos — ou líder revolucionário — embora tenha participado ativamente de uma das mais importantes e violentas guerras de libertação, a da Argélia. Os equívocos sobre a vida se estendem à sua obra, muito influente nos campos dos estudos pós-coloniais, mas nem sempre devidamente compreendida ou mesmo aceita (no caso de seus estudos sobre “culturas originais”), isso quando não é simplesmente dada como “datada”. Sim, a obra desse psiquiatra revolucionário tem “data”, tem contexto, tem história, como a de qualquer autor, mas também, como a de bem poucos, transcende em muito sua época, pois seu pensamento é calcado na ação, na experiência, é pensamento à flor da pele, que ainda hoje alimenta o debate sobre o futuro de ex-colônias e (ex-?)colonizadores. Ninguém melhor que Alice Cherki para nos apresentar o homem e sua vida, pois biografa e biografado não apenas trabalharam juntos, mas compartilharam a mesma exclusão (por motivos diferentes), a mesma formação, os mesmos sonhos e as mesmas decepções, daí este Frantz Fanon: Um Retrato ser tanto uma narrativa de cunho biográfico, um comentário sobre as origens de suas ideias e sobre sua atuação como psiquiatra na Argélia e na Tunísia e um testemunho de sua luta. A tradução de Rainer Patriota é publicada pela editora Perspectiva. Você pode comprar o livro aqui.

Um novo livro em português do mesmo autor de O Diabo Mesquinho.
 
Esconde-esconde & Lembra, não vai esquecer? traz dois contos que desvelam o olhar singular deste expoente do simbolismo russo. Além de lidar com questões como memória, tempo, loucura e contrastes sociais, os textos selecionados denotam o grande embate filosófico de Fiódor Sologub (1863–1927): a realidade mundana, imersa em sombras, destoa do mundo vivo, espontâneo, lúdico e etéreo, normalmente encarnado nas crianças, que como que transcendem da existência terrena. Como escreveu Andrei Biély, Sologub — com um estilo que reúne contrários, “simplicidade e refinamento”, “frio e fogo”, “delicadeza e aspereza” — “declama a morte com a ternura de uma prece”. Diante do desfazimento da vida, da não existência, ele é capaz de “ouvir o silêncio”. Com tradução de Moissei Mountian e edição bilíngue, o livro integra a Coleção Mir, editada pela Kalinka. Você pode comprar o livro aqui.
 
A tradutora diante do ofício.
 
Nunca tive a menor dúvida de que o traduzir é uma atividade infindável, desde o início dos tempos humanos, e de que toda, toda, toda tradução sempre tem um elemento de acaso, uma margem de arbitrariedade que nenhum praticante do ofício deixaria de reconhecer. Traduzimos, e isso sempre pensando, refletindo, escolhendo, desistindo, decidindo outra coisa e que, afinal, poderia ainda ser uma terceira, uma quarta, uma centésima coisa diferente. Isso, cada um de nós, individualmente, faz, e em cada texto. Imagine-se então a quantidade de obras ao longo dos milênios, a quantidade de gente traduzindo ao longo dos milênios ― e nunca se chegando, nunca podendo nem pretendendo (e, na consciência desse drama, muitas vezes nem querendo) se chegar a nada definitivo. Vertiginoso. É preciso coragem, habilidade, conhecimento para refletir sobre essas fossas profundas da precariedade e da transitoriedade do traduzir. E quando falo “conhecimento”, refiro-me a conhecimento de causa, conhecimento prático, experiência concreta. Pois afinal, como dizem, “falar é fácil, fazer é que são elas”. E é o que encontramos em Metáforas da tradução, em doses generosas: coragem, habilidade, conhecimento. Aqui lembro outra metáfora: o crochê ― “eu me sentia... desmanchando o crochê de certos escritores, descobrindo os pontos, os truques prediletos deles”, dizia Rachel de Queiroz. E essa imagem pode se aplicar não só a traduções, como também às reflexões sobre essa prática tão multifacetada. Metáforas da tradução é um elaboradíssimo crochê ― tecido, destecido e retecido com maestria. Se em algumas passagens as reflexões de Dirce Waltrick do Amarante até intensificam perigosamente a sensação de vertigem, elas resgatam em grande estilo a delícia da aventura, a alegria do fazer e o mérito intrínseco do ofício de traduzir. (Denise Bottmann) O livro é publicado pela editora Iluminuras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Mais outra pecinha no extenso trabalho ficcional de César Aira ganha edição em português.
 
A confissão (2009) tem como protagonista o Conde Vladimir Hilario Orlov, especialista em “falar, contar, inventar” e “virtuoso da amnésia”. Com ele o leitor senta num sofá durante festejo familiar cheio de crianças e parentes de todos graus, num certo bairro de Buenos Aires. Um menino faz o relato disparar a toda ao se apossar das lentes de cristal de um velho projetor, cobiçadas pelo Conde. Este é um descendente de europeus do leste na Argentina profunda de peronistas e antiperonistas, fratura exposta na narrativa. Orlov, um intelectual “curtido no sindicalismo combativo e na imprensa trabalhista” mas com tendências aristocráticas, é também “um farsante inveterado” que nunca trabalhou e pretende ainda uma vez garantir a sobrevivência (leitmotiv recorrente em Aira) recuperando o pequeno tesouro com seu “brilho tóxico”. O que vem a seguir — um jorro de sangue do palato, a demora do médico no casamento da paralítica, as balas Átomo de Orlov-Moldava, as balas Gol Atômico, a fúria do velho Moldava com a concorrência, os cabecitas negras, Elena Moldava de Parque Patricios, a marcha dos Metalúrgicos, o duelo de relatos, a pobreza, o nenê fumante, o Amo do Jogo (da guerra), a potência de iluminação das imagens… —, o que segue não é (nunca é) passível de resumo na prosa de César Aira. A tradução de Ieda Magri, Hugo de Almeida, Juliana Ribeiro e Mariana Teixeira sai pela Papéis Selvagens, na Coleção Archimboldi. Você pode comprar o livro aqui.
 
O retorno de Luís Francisco Carvalho Filho à literatura duas décadas depois.
 
Newton e ponto final. Sem passado, sobrenome, filiação, idade, documentos. Conhecemos apenas aquilo que ele revela: é escritor, tem um blog no qual divulga opiniões às vezes esdrúxulas, dois filhos e uma companheira, L., que se encarrega de movimentar as engrenagens burocráticas. Basta ser brasileiro e ter ido a uma repartição pública qualquer para imaginar as dificuldades e a estranheza decorrentes do anonimato radical que o personagem-título adota. O imbróglio jurídico aparentemente insolúvel desta novela, construída sem narrador, a partir de diálogos e alguns instantes, é capaz de causar espanto, riso, reflexão. Nesta crônica kafkiana em que o cômico resvala em absurdo, e o absurdo se encarrega do desconforto trágico, Luís Francisco Carvalho Filho retoma vinte anos depois a atmosfera de seu livro de contos Nada mais foi dito nem perguntado (Editora 34, 2001). Os processos se sobrepõem à realidade. Não existe Justiça. Newton é publicado pela editora Fósforo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Romance vencedor do Man Booker Prize 2021 ganha edição no Brasil.
 
Em uma fazenda em Pretoria, na África do Sul, no fim dos 1980, Rachel Swart, em seu leito de morte, pede ao marido que prometa que vai transferir para a empregada Salome a propriedade da casa em que mora. A filha mais nova, Amor, é testemunha de que seu pai garantiu à esposa que cumpriria a promessa. Pretoria, 1995. Nelson Mandela é presidente do país, e a família Swart está reunida mais uma vez, agora para o enterro do patriarca. Amor e seus irmãos são praticamente desconhecidos um para o outro. Assombrados por uma promessa não cumprida, eles acabaram se distanciando após a morte da mãe. À deriva, a vida dos três transcorre pelos caminhos da África do Sul. Anton é um rapaz brilhante, mas se ressente de tudo o que poderia ter conquistado; Astrid tem na beleza seu maior poder; a caçula Amor carrega a culpa por seus familiares não terem honrado com a palavra que a mãe deu a Salome. A promessa, livro de Damon Galgut, chega ao Brasil pela editora Record com tradução de Caetano W. Galindo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Do autor best-seller internacional de A força e A fronteira, conheça o primeiro livro da nova trilogia de Don Winslow, uma ficção policial emocionante inspirada no poema épico grego Ilíada.
 
A Nova Inglaterra é controlada por dois impérios do crime que, até então, conseguiam viver em harmonia. Porém, essa paz é abalada quando uma versão moderna de Helena de Troia se torna o gatilho para uma guerra devastadora entre as facções irlandesa e italiana. Danny Ryan, um trabalhador que sonha com uma vida nova e distante daquele cenário instável de máfias rivais, se torna o responsável por restaurar a situação e busca apenas uma coisa: proteger aqueles que ama. Para isso, Danny precisará se transformar em um verdadeiro líder; um estrategista ambicioso, impiedoso e o mestre do jogo traiçoeiro no qual apenas os vencedores sobrevivem. Das ruas sombrias de Providence às telas brilhantes de Hollywood e aos cassinos de Las Vegas, duas famílias rivais dão início a uma guerra que colocará a vida de todos em perigo, e aqueles que sobreviverem poderão firmar uma dinastia. Explorando temas clássicos como lealdade, traição, honra e corrupção nos dois lados da lei, Cidade em chamas é uma obra-prima contemporânea. A tradução de Marina Della Valle é publicada pela HarperCollins. Você pode comprar o livro aqui.
 
Dois livros de estreia da Editora Paris de Histórias.
 
1. A cor do amanhecer, da escritora haitiana Yanick Lahens. Angélique levanta-se primeiro todas as manhãs, na casinha nos arredores de Porto Príncipe que divide com a mãe, a irmã Joyeuse e o irmão mais novo Fignolé. Numa madrugada cinzenta de fevereiro, a preocupação o domina: Fignolé não voltou e durante toda a noite os tiros não pararam de ressoar ao longe. Yanick Lahens, ao retratar com notável economia de meios o destino de uma família comum, constrói a alegoria de um país onde a monstruosidade gostaria de ser lei. Mas seu livro é pungente porque em cada página a revolta ensurdece e explode a vontade de viver. A tradução é de Sônia Gabilly.
 
2. A casa dos coelhos, de Laura Alcoba. Na Argentina dos anos 1970, uma menina é arrastada para a vida clandestina pela mãe, militante dos Montoneros, grupo de resistência à ditadura. Elas vivem escondidas, se afastam da vida que conheciam, e são obrigadas a conviver com outros militantes, entre segredos e o medo constante. Delicado e preciso, este é um romance arrebatador, impossível de ser deixado de lado até a última página.
 
DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Planícies, de Federico Falco. A obra desse escritor argentino apesar de ser novidade entre os leitores brasileiros é já consolidada, com incursões por diversas formas literárias. Neste romance, aborda a dor da separação e a passagem do tempo na planície. Acompanhamos um homem que, depois de colocar um fim na vida conjunta com o namorado, procura no isolamento passar em revista suas memórias, incluindo as da separação; desse convívio, o que a narrativa testemunha é uma revisitação ao tema do recomeço. A tradução é de Sérgio Karam e o livro integra um selo do Grupo Autêntica dedicado a autores contemporâneos latino-americanos, o Contemporânea. Você pode comprar o livro aqui
 
2. O diabo no corpo, de Raymond Radiguet. O primeiro e único livro de um escritor que deixou sua marca precoce na literatura francesa da primeira metade do século XX. De feições autobiográficas, o romance trata do enlace amoroso entre um adolescente e a jovem companheira de um soldado que saíra para lutar nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. A tradução de Paulo César de Souza está traduzida no Brasil e publicada na linha Grande Amores do selo Penguin/ Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui
 
3. Michael Kohlhaas, de Heinrich von Kleist. O protagonista deste romance é um comerciante de cavalos do século XVI. A vida pacata e próspera é afetada por um desses acontecimentos possíveis mas que irrompe como um acaso de má-sorte. O episódio é a posse indevida do Barão Wenzel von Tronka de dois dos cavalos de Kohlhaas, o que, o obriga buscar na justiça seus direitos. É quando a personagem se percebe submetida a um Estado burocrático e corrupto. A tradução de Marcelo Backes está publicada pela editora Civilização Brasileira. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
O tempo é um sopro. Neste 10 de julho de 2022, passam-se cinco anos sobre a morte de Elvira Vigna. Sublinhamos a data com a recomendação de dois vídeos com a escritora brasileira:
 
1. Este primeiro é o registro de uma longa conversa com Elvira Vigna em 20 de agosto de 2016 na Biblioteca de São Paulo no âmbito do projeto Segundas Intenções. Ela discorre sobre sua vivência com a literatura, a criação, os temas do seu interesse, entre outras questões. 
 
2. Neste segundo, a escritora lê uma passagem de um dos seus romances mais conhecidos e um dos seus trabalhos publicado ainda em vida, Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, para o canal da Companhia das Letras.   
 
BAÚ DE LETRAS
 
Neste mês de julho passam-se os 130 anos do nascimento de Bruno Schulz. Destacamos três publicações sobre a obra e o trabalho do escritor.
 
1. Em duas delas, materiais sobre a biografia de Schulz — “Bruno Schulz”, entrada de junho de 2012, e “Bruno Schulz: a felicidade de um mundo impreciso”, de agosto de 2017.
 
2. Também em 2012, editamos esta matéria sobre os desenhos de Bruno Schulz numa sequência de posts chamada “A arte de ilustrar”.  

DUAS PALAVRINHAS
 
Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos.
— Marcel Proust, em Sobre a leitura

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