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Kafka nas palavras de Kafka

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Por Jossep Massot “Já vês, sou um homem ridículo; se gostas de mim um pouco, será por compaixão; minha contribuição é o medo”, escreve um jovem Kafka a Hedwig Weiler, seu amor de verão de 1907. E, todavia, o aprendiz de escritor que acreditava que “estamos perdidos como crianças na floresta” e que era bom alguém subisse à Lua para que seus movimentos, palavras e desejos não fossem totalmente cômicos e absurdos, quando dizia, “não se escutam as risadas da Lua nos observatórios”, havia ganhado já aos 19 anos, perante seu amigo Oskar Pollak, a valiosa aposta de que ia mudar a literatura do século XX: “É bom”, escreveu, “quando nossa consciência tenha grandes sofrimentos, pois assim se torna mais sensível a cada estímulo. A meu ver, só deveríamos ler os livros que nos ferem e nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus! Nós seriamos felizes do mesmo modo se eles li...

Boletim Letras 360º #301

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Abrimos este boletim com a confirmação de uma expectativa deixada na edição passada. Disponibilizamos o último sorteio de 2018 em nossa página no Facebook ; e fechamos o ano com chave de ouro. Daremos a uma leitora / um leitor a caixa contendo o diário inédito de José Saramago e o livro do jornalista Ricardo Viel que conta os bastidores da recepção do Prêmio de Literatura ao escritor português em 1998.  No Brasil, publica-se pela primeira vez uma antologia com poemas de Nicanor Parra. Mais detalhes ao longo deste Boletim.  Segunda-feira, 19/11 >>> Brasil: Livro inédito de Charles Bukowski ganha tradução por aqui  Poetas se desnudam. Desnudam suas tristezas, seus ideais, seus pensamentos sublimes. Mas poucos foram os ­poetas que se mostraram ao mundo como Bukowski – que, mais do que “velho safado”, bêbado e jogador, escrevia destemidamente sobre o sujeito comum, repleto de defeitos. Isso é o que o leitor encontrará...

A estranha (e maravilhosa) mente de William T. Vollmann

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Por Rebeca García Nieto Uma personagem de Don DeLillo dizia que a verdadeira motivação da indústria editorial é tornar os escritores inofensivos. Camus ou Beckett foram os modelos de nossa ideia de absurdo; Kafka nos mostrou que o terror começa em casa, mas agora, se lamenta o protagonista de Mao II , os escritores apenas influenciam nossa forma de ver o mundo. De fato, em sua opinião, agora são os terroristas que ocupam o lugar dos romancistas, são eles que “submetem a consciência humana a seus ataques”. Não sei se esta personagem tem razão, mas que boa parte dos romances publicados são fogos de artifício falhados, sim: fazem barulho, mas estão vazios, não dizem nada de novo e têm pouco impacto, para não dizer nenhum, no mundo real. Mas, por sorte, sempre tem existido escritores capazes de incomodar o sistema. Em 1947, um “cidadão preocupado” alertou ao FBI da existência de um romance que era não mais que uma “propaganda para que o homem branco aceitasse os n...

A poesia de Guimarães Rosa

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Por Pedro Fernandes Magma foi o primeiro livro de Guimarães Rosa. A data provável de uma primeira versão é 1930 e só aparecerá publicamente, não de um todo, seis anos depois, quando foi inscrito para concorrer ao Prêmio da Academia Brasileira de Letras. Na ocasião, o poeta Guilherme de Almeida, que compôs o júri do galardão, descreveu no seu parecer a poesia do mineiro como “nativa, espontânea, legítima, saída da terra com uma naturalidade livre de vegetal em ascensão”; “poesia centrífuga, universalizadora, capaz de dar ao resto do mundo uma síntese perfeita do que temos e somos” – emendou. No mesmo rosário de elogios, compreendeu, a partir da noção de poesia como “beleza no sentir, no pensar e no dizer”, que a poesia de Rosa era única no atual momento literário do Brasil. O principiante poeta, entretanto, apesar de reconhecer que sua poesia só recebera elogios desde quando passou a circular entre os leitores mais íntimos, olhou para esse filho bastardo com o...

William Faulkner e as tintas coloridas

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Por Cristian Vázquez William Faulkner em Farmington Club, 1960. Foto: George Berkley. 1 Quando William Faulkner recebeu as provas de impressão de seu romance O som e a fúria , não gostou nada de descobrir algumas correções feitas por Ben Wasson, seu editor, que era também seu amigo. Os itálicos que utilizara para assinalar os saltos no tempo, para trás ou para frente, na primeira das quatro partes em que estão divididas o livro, estavam corrigidas pela inserção de espaços em branco nos pontos em que se davam essas rupturas. Essa mudança foi o que mais lhe desagradou. Wasson alegou que o uso do itálico diferenciava apenas dois planos temporais, enquanto que na narrativa existia pelo menos quatro. Faulkner voltou a enviar o texto tal como havia escrito originalmente e o acompanhou de uma carta de tom um bocado aborrecido em que explicava que na verdade os planos temporais não eram quatro, mas muito mais. Só “o dia da ação tem 33”, enfatizava. E logo acrescentava q...

Os carros e a literatura

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Por Yolanda Morató Em julho de 1959 o poeta e editor malacitano Manuel Altolaguirre (1905-1959) perdeu a vida quando dirigia ao lado da sua segunda companheira, María Luisa Gómez Mena (1907-1959), uma das mecenas da arte cubana. Isso foi também o que aconteceu com Paul Otchakovsky-Laurens (1944-2018), editor de autores como Georges Perec, Marguerite Duras e Emmanuel Carrère, que, como o malacitano, morreu num acidente de carro acompanhado de sua companheira, a pintora e escritora Emmelene Landon, que ficou gravemente ferida. Estavam de férias nas Antilhas francesas, na ilha de Marigalante. O automóvel teve um papel importante nas artes e nas letras desde o princípio do século XX. Os desenhos com traços geométricos para vestidos e   casacos femininos da pintora Sonia Delaunay acompanhavam os carros da época. F. Scott Fitzgerald incluiu o automóvel em muitos de seus contos, narrando suas viagens pela Europa, embora em O grande Gatsby ganhou protagonismo ao se...