Da minha língua vê-se...uma frase na parede

Por Marina Rufo Spada



Saudade só existe pra quem se ama em português.

A frase não saiu do meu lápis, infelizmente. Nem todo mundo nasce afortunado assim, para dizer essas coisas... Mas, não me julguem. Aliás, não foi dita, foi lida. Em um muro. Estava lá escrita em uma das ruelas que eu fui cruzando, agora não me lembro onde exatamente; nem quando, tampouco da minha reação quando li – engraçado o que se apaga da mente. Mas esses assuntos de saudade surgem e pairam na gente quando se anda longe, bem longe, dos limites de casa.

Foi em um dos meus dias em Coimbra, isso é certo que foi em Portugal. Na verdade, foram dois temas constantes durante meus tempos lá – período vivido em Time in Mind; Virginia Woolf teria ficado orgulhosa. Aquelas diferenças de idioma, aquelas saudades de sabe-se lá o que, do que ficou, do que vai ficar, de quem vai ficar... Enfim, aquelas pessoas te perguntando o significado de saudade. 

Qual, diabos, é o significado de saudade? E por que – novamente, diabos – eu deveria saber? É porque tu falas português. Talvez seja mesmo pré-requisito para os falantes terem na ponta da língua a definição exata da palavrinha, assim, de pronto, já ir significando sem titubear o “insignificável”. Mas, nem todos os falantes de Português sabem bem a função da saudade – palavra. Todo mundo enche a boca para requerer a exclusividade do termo. Todo mundo vai buscar emoção do fundo da alma para dizer sem maiores dúvida que sim absolutamente é sua palavra preferida.  Ah, os falantes do português!

Pois bem. Não muito tempo passado depois de eu ter cruzado com a enigmática frase no muro, que abre esse texto, me veio cair – a meio metro de meu colo – a dura, mas inevitável questão: “saudade é falta?”, perguntou o gringo. Não, meu bem. Aliás, fica aqui a sugestão de que talvez seja essa uma pergunta apta a entrar para os maiores questionamentos da Filosofia (em Português). Vasculhei, obviamente, todo meu vocabulário para formar frases que definissem bem como saudade não é falta. Porque, afinal, dizer que saudade é falta é dizer que tristeza é vontade de chorar.

Não pude, por nada nesse mundo, definir bem saudade naquele momento, de forma a não deixar arestas. Repensei por muito tempo, sem nem mais recordar da frase do muro. Esforcei-me a definir o abstrato. Esforcei-me tanto que, em outro momento, creio ter conseguido tornar puro para um não nativo do português aquilo que para os nativos não é nada puro.

Eu não sei se eles entenderam bem, é dessas coisas que é preciso perceber em português. Mas olha, não há como não terem entendido porque é algo de ser humano mesmo, é coisa de pele, de batuque de coração, de suspiros escapados.  Se não for assim, os que não se amam em português sentem o que? Só sentem falta?


* Marina Rufo Spada é estudante de Jornalismo da UNESP. Gosta de rabiscar umas palavrinhas aqui e acolá. Perde a maior parte do que escreve.

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