O boom da literatura chilena, José Donoso no Brasil

José Donoso, um dos escritores chilenos que começam a chegar em traduções ao Brasil.



Os leitores brasileiros devem abrir um espaço na estante para um escritor chileno que aporta por aqui neste 2013: José Donoso. Dois de seus trabalhos já estão nas livrarias - O lugar sem limites (Cosac Naify), seguido de O obsceno pássaro da noite, (Benvirá).

A chegada da literatura de Donoso ao Brasil vem num momento em que o cenário do pós-boom literário tem sua maior presença por aqui. Especificamente do Chile, já temos nas nossas prateleiras Roberto Bolaño (tido por fenômeno Cult), Isabel Allende, Antonio Skármeta... E antes desses nomes, o de Pablo Neruda,  um dos mais traduzidos por aqui e ‘atravessado’ pelo momento de expansão da literatura de língua espanhola no mundo. Ah, e não se deve esquecer Alejandro Zambra, que em 2012 esteve como convidado na Festa Literária de Paraty e um de seus romances por aqui editado, o Bonsai; para abril de 2013, a Cosac Naify já prepara uma segunda tradução do romancista minimalista La vida privada de lós árboles.

Já notaram: a literatura chilena está na moda, está num boom próprio. Mesmo os Andes estando como muro, fronteira... Que o diga Eric Nepomuceno, um dos principais tradutores no país de obras do país do vinho. Recentemente ele traduziu o décimo terceiro romance de Letelier, A contadora de filmes, livro que já havia sido lido por Walter Salles como ‘o livro’ e, dizem por aí, que o cineasta já planeja em levá-lo aos cinemas.

O lugar sem limites e O obsceno pássaro da noite, dois títulos de Donoso em tradução recente no Brasil.


Agora, o nome mais emblemático mesmo, que a crítica tem se sentido até um tanto acuada em comentar mais abertamente, é o de José Donoso. Por muitas razões. Uma delas é que autor de O obsceno pássaro da noite não se guia pelas fronteiras do fantástico, marca da literatura de língua espanhola desde Gabriel García Márquez e comum, por exemplo, à obra de Letelier, nem pelo minimalismo de Alejandro Zambra; Donoso opta por histórias que estão no limiar dessas duas possibilidades comuns na sua literatura.

Em O obsceno pássaro da noite, tida como uma das obras da ficção de língua espanhola mais ambiciosas, não pelo fato de que tomou dez anos do escritor para ficar pronta, mas porque é representativa do boom literário espanhol ao lado de Márquez, Vargas Llosa, Julio Cortázar, Carlos Fuentes... Donoso fabrica uma atmosfera ambígua, entre o insólito e o grotesco. Todo o romance se passa numa antiga casa de exercícios espirituais prestes a ser desativada.

Já em O lugar sem limites, o espaço das ambiguidades está entre a tensão-distensão e no próprio sexo da personagem principal, Manuela, lida pela crítica como um personagem a um só instante complexa e emblemática, situada entre o quadro realista e o alegórico; Manuela é na verdade Manuel González Astica, travesti que mantém o prostíbulo já decadente com a filha Japonesita. Além disso, Donoso faz do romance espaço para algumas pautas contemporâneas, embora o livro seja de 1966 o que, para a época terá sido muito mais transgressor, que são os temas sobre a homossexualidade, a igualdade de gênero.

Donoso, então, vai na esteira de seu conterrâneo Alberto Fuguet em fugir de determinismos e estereótipos literários. Diz-se que Fuguet mandava seus originais para editoras norte-americanas, nos idos anos 1980, e não raro recebia respostas do tipo: “Coloque em seus textos algo folclórico, coisas exóticas, e depois volte a nos procurar” e para fazer frente ao estereótipo que se tinha das letras latinas, ele lançou em 1996 uma provocadora antologia de jovens contistas sob o título McOndo – fusão de Mc Donald’s, Macintosh e Macondo, a mítica cidade de Cem anos de solidão.

O escritor tem preferência pelos da margem, os soterrados pela angústia e imersos numa subterraneidade de sentimentos que desafiam o espaço normativo externo; são sujeitos em fuga de uma realidade pesada demais, que os oprime e querem, a todo custo, outra realidade. Por fim, devemos concordar com Antonio Skármeta, “a ruptura que a geração do boom faz com as formas miméticas, e o desprezo referencial por uma realidade, permite que Donoso também levante as âncoras e zarpe por novos mares para chegar a mundos autônomos, monstruosas ilhas feitas do que somos e negamos.”


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