 |
Paul-Alfred Colin. Le petit chaperon rouge |
Às vezes, as maiores verdades não
vêm das mãos de um filósofo, mas sim na forma de um porco usando um capacete.
Nós, adultos, chamamos isso de ficção infantil para podermos depreciá-lo com
superioridade acadêmica, enquanto continuamos a recorrer a ele sempre que a
realidade excede o nível de dificuldade de uma manhã de segunda-feira. E, no
entanto, nessas histórias que fingimos ter esquecido — aquelas sobre animais
falantes, meninas desobedientes e bonecos com complexos de espécie — há mais
sabedoria política, econômica e psicológica do que muitos diplomas
universitários conseguem condensar.
Quando crianças, nos disseram que
Os
três porquinhos ensina a importância do esforço. Como adultos, entendemos
que também explicam, com surpreendente precisão, o sistema previdenciário, o
planejamento tributário e a arquitetura emocional. Um brinca, outro improvisa e
o terceiro é obcecado por fundações. Então vem o lobo, que não entende nada de
direitos trabalhistas ou ciclos econômicos, e tudo o que parecia uma fábula
sobre tijolos e argamassa se torna um editorial disfarçado sobre meritocracia.
O lobo sopra, a casa treme, e nós, sentados no sofá com os salários atrasados,
ainda não sabemos se o que queremos ser quando crescermos é o porquinho
sensato, aquele que se diverte, ou o lobo que não pede licença. Alguns dos que
consultamos — como Lucas, de três anos — são claros: o lobo. Porque, no fundo,
todos nós já suspeitamos, em algum momento, que a história estava mal
direcionada. Ou que não nos contaram a história toda.
O mesmo acontece com Pedro, aquele
menino precocemente intoxicado pela atenção, que grita “lobo!” como alguém que
publica um tuíte sem ler o artigo, convencido de que o eco conta mais do que o
conteúdo. Sua história não é apenas um alerta contra as mentiras, mas um
retrato prematuro — e bastante preciso — do atual ciclo midiático. O que
costumava ser chamado de pânico moral agora é chamado de tendência, e é
alimentado em tempo real. E se alguém repetir isso o suficiente, se desgasta
suas palavras usando-as incansavelmente, talvez no dia em que o lobo de verdade
chegar — aquele com carne e presas, não aquele com clics — ninguém ouvirá.
Ninguém conseguirá. Irene, de três anos, a quem também consultei, definiu a
história como “cocô de cachorro”. Uma categoria estética sem dúvida confusa,
sim, mas provavelmente mais útil do que muitos gêneros jornalísticos que ainda
não sabem como chamar o que está à sua frente.
E, no entanto, o problema não é o
lobo, mas a reação que ele provoca. A mesma que faz Chapeuzinho Vermelho,
sabendo muito bem que há lobos na floresta, insistir em atravessá-la com a
determinação quase suicida de quem pega uma rua de pedestres porque a viu no
Google Maps e decidiu que o navegador sabe mais do que instinto. A moral da
história não precisa de muita sofisticação: não fale com estranhos,
especialmente se eles têm voz de barítono, dentes enormes e um interesse
estranho pela sua avó. E, no entanto, algo nos impele a continuar atravessando
aquela floresta: curiosidade, necessidade ou simples inércia. Às vezes é por
rotina, outras vezes por teimosia, ou por aquela confiança tão humana de que
desta vez será diferente. A avó espera, a cesta esfria e a fábula, como sempre,
chega atrasada. Tarde demais para o lanche, e às vezes para a menina também.
Claro que nem todas as lições vêm
disfarçadas de feras. Algumas preferem se esconder no cinismo resignado de uma
raposa. Uma que, depois de tentar alcançar uvas impossíveis, decide que elas
não valem tanto assim. Não é ressentimento: é racionalização. E se a história
sobreviveu tanto tempo, não é porque nos ensina a ser melhores, mas porque
explica por que não somos. Afinal, quem nunca descartou um emprego, um
relacionamento, uma vocação tardia ou uma mudança de cidade, alegando que não
estava realmente interessado? Não é falta de ambição; é superioridade moral. Ou
assim dizemos a nós mesmos. Porque admitir que queríamos algo e não conseguimos
seria triste demais, humano demais, real demais. E é para isso que servem as
histórias: para fazer a decepção soar como dignidade.
Mas se há uma história que merece
ser incluída em todos os livros didáticos de pensamento crítico — entre
1984
e
O contrato social — é
A roupa nova do imperador. Poucas
histórias descreveram com tanta precisão o pânico social de ser excluído do
grupo, de discordar, de afirmar o óbvio quando o óbvio foi revestido de
invisibilidade. Um imperador anda nu enquanto todos aplaudem seu senso de moda,
sua audácia estética, sua fibra simbólica, e apenas uma criança — sem posição
ou filtro, sem necessidade de curtidas ou aplausos — ousa afirmar o óbvio. E
então tudo desmorona. Porque é assim que as bolhas funcionam: elas não estouram
quando alguém as estoura, mas quando todos percebem que estavam respirando ar
emprestado. A moral da história é clara, mesmo que os adultos não pareçam
dispostos a se lembrar dela. Repetimos o que é certo, o que soa bem, o que se
espera de nós. E se alguém nos oferecer um adesivo especial, porém invisível, assentimos
com entusiasmo. Não porque o vemos, mas porque preferimos não ficar sozinhos
apontando o que todos decidiram que não deve ser visto.
Às vezes, até o óbvio faz hora
extra. Como a formiga de Esopo, que passa o verão estocando suprimentos
enquanto o gafanhoto canta, dança e, com um pouco de sorte, cobra ingresso. A
cena poderia ser de qualquer debate orçamentário no Congresso, uma reunião de
bairro ou um jantar de domingo à tarde com os sogros. Recompensamos a
disciplina ou entendemos a alegria como uma forma legítima de inteligência
emocional? Planejamos ou improvisamos? Alguns veem a fábula como um elogio à
parcimônia e à responsabilidade; outros, como um cântico neoliberal que
recompensa a produtividade em detrimento da empatia, como se cantar no verão
fosse uma traição à espécie. A moral da história pode ser decisivamente
definida pelo fato de o gafanhoto ser um idiota. Mas suspeito que a formiga
também o seja por não ousar viver um pouco mais antes da chegada do inverno. Se
ele chegar, é claro.
Depois, há as histórias que nos
alertam contra o futuro, não porque ele não exista, mas porque insistimos em
escrevê-lo com antecedência, como quem completa palavras cruzadas a lápis, mas
sem margem para erro.
A leiteira e seu balde, por exemplo, não cai por
ser desastrada, mas por ser visionária. Ela carrega um jarro na cabeça e,
dentro do jarro, uma cadeia de hipóteses que culminam em riqueza, prestígio,
autossuficiência e — com um pouco de sorte — certa superioridade moral sobre as
outras leiteiras do povoado. Mas nem tudo depende da previsão. Nassim Taleb,
que escreveu
A lógica do cisne negro, teria entendido sem pestanejar: um
simples solavanco, um passo em falso, uma pedra no lugar errado, e todo o
sistema entra em colapso. Neste caso, literalmente. A história não critica
planos, ambições ou mesmo sonhos: o que questiona é a ilusão de controle
absoluto sobre um mundo que, como o leite, tende a derramar no pior momento
possível. O improvável também acontece. E ele geralmente possui boa mira.
Embora, para o improvável, sejam
necessárias apenas algumas transformações. Como a do patinho feio, que começa
como objeto de ridículo, cresce em meio ao desprezo alheio e à insegurança, e
acaba transformado em cisne. Um final que soa como justiça poética para quem é
Andersen, terapeuta ou editor de vídeos inspiradores. Mas que, na vida real,
raramente inclui penas nobres ou aplausos finais. A maioria dos patinhos não se
transforma, se adaptam. Aprendem a andar desajeitadamente, a falar baixo, a se
encolher em espaços amplos. A ocupar pouco espaço, a antecipar a zombaria antes
que ela chegue. Nem todos acabam como cisnes; alguns, com sorte, tornam-se
galinhas dignas. E isso, nestes tempos, basta. Talvez mais do que bastante.
Porque, às vezes, sobreviver sem abrir mão completamente da ternura é o mais
próximo da vitória.
Porque a dignidade, como a
verdade, nem sempre vem em série. Pinóquio sabe disso. Se você mente, seu nariz
cresce. Mas se você diz a verdade, muitas vezes nada acontece. Nada muda, nada
melhora, ninguém te parabeniza pela tua honestidade. Talvez seja por isso que a
maioria das pessoas escolhe uma terceira via: não dizer nada. Ficar em
silêncio, concordar, flutuar pelo sistema sem levantar muita poeira. A história
daquele boneco que quer ser menino é também a de um sistema educacional em
parcelas, com lições espaçadas de obediência, dor física e castigo exemplar. A
versão original de
Pinóquio faria qualquer comitê de direitos da criança
empalidecer: esfaqueamentos, enforcamentos, agonia lenta... tudo para ignorar.
Gepeto, o grilo, a fada, o narrador. A quem quer que seja. Mas a história não é
cruel: é eficaz. Como aqueles anúncios de maços de cigarro, mas com mais
suspense e menos morbidez gráfica. No final, Pinóquio sobrevive, como as
crianças que aprendem a se comportar. O perturbador não é que ele consiga, mas
que a transformação só ocorre quando ele deixa de ser feito de madeira. Isto é,
quando ele finalmente se torna o que os adultos esperavam dele desde o início.
Sem arestas, sem farpas, sem força de vontade.
Em algum momento, sem que ninguém
o decretasse, os filmes da Pixar, as séries de televisão e a ficção infantil
contemporânea começaram a ocupar o lugar de antes das fábulas com animais
falantes. Não há lobos ou cabras, e quase nenhum vestígio de fadas ou
leiteiras, mas as lições permanecem. As histórias agora são lançadas nos
cinemas, transmitidas em plataformas de
streaming e vêm com trilhas
sonoras e licenças comerciais, mas o público é o mesmo, assim como as
perguntas. Então, às vezes, a lição mais difícil de todas é que se importar
também pode ser uma forma de controle.
Procurando Nemo não fala de
peixes: fala de pais. Como o medo, quando disfarçado de proteção, acaba nos cercando
com as melhores intenções. Nemo tem uma barbatana atrofiada, um pai não
confiável e um oceano inteiro entre o que ele é e o que lhe é permitido ser. A
aventura não é uma excursão, é uma fuga. Mas também uma moral: não preciso que
me salve, preciso que me deixe tentar. Não me esconda do perigo: fique comigo
enquanto aprendo a não me afogar. Porque não se trata apenas de chegar, mas de
fracassar sozinho, de trilhar o caminho mesmo ao custo de cometer erros. O
oposto de amar é não deixar crescer.
Esse é o truque das histórias:
plantar coisas que você não entende completamente, mas que crescem da mesma
forma. Às vezes com palavras desajeitadas, outras vezes com imagens que não
desaparecem. As histórias infantis não nos contam como é o mundo, mas como
sempre o sentimos: incerto, absurdo, cheio de perigos e também de uma ternura
estranha, do tipo que só um robô com olhar de lâmpada ou uma raposa desprezada
podem provocar. E mesmo que muitas crianças não consigam explicar completamente
o que aprenderam, algo permanece. Uma intuição, uma bússola. Às vezes, isso é
suficiente para nos fazer atravessar o bosque.
Comentários