A reedição da monumental A comédia humana, de Balzac


Honoré de Balzac.

Alguns ingênuos poderão dizer que A comédia humana terá sido a obra que colocou, definitivamente, Balzac entre os grandes escritores da literatura universal. É possível. Mas, o escritor francês não terá passado ao panteão apenas por esse feito incompleto, diga-se. Sabemos que sua literatura tem um forte poder de reinvenção do gesto linguístico de representação e significação da realidade a ponto de ser considerado por muitos dos estudos literários como um dos criadores do romance moderno, muito embora tenha passado aos olhos do seu tempo quase ignorado, apesar de alguns sucessos que obteve.

A comédia humana é feito incompleto porque quando Balzac morreu, ainda aos 51 anos, o projeto que esperava alcançar os 137 livros só chegou a possuir 89; esses, juntos, somam mais de 10 600 páginas (tomando como contagem a reedição dos 17 volumes projetada pela editora Globo) e mais de 2 500 personagens. 

A obra quis ser um inventário da França do século XIX, e é. E não é o único trabalho literário do seu autor, porque Balzac produziu ainda aproximadamente cerca de 20 outras obras entre romances, novelas, contos e peças para o teatro. A própria Comédia é estruturada diversamente, incluindo, várias formas narrativas e não apenas o romance.

O projeto ambicioso que custou 21 anos da vida do escritor está ordenado em três partes: “Estudos de costumes”, “Estudos analíticos” e “Estudos filosóficos”, sendo que, dos 89 títulos que vieram a lume, 66 deles está associado à primeira parte dividida em seis linhas temáticas: “Cenas da vida privada”, “Cenas da vida provinciana”, “Cenas da vida parisiense”, “Cenas da vida política”, “Cenas da vida militar” e “Cenas da vida rural”. 

O resultado é um rico painel do tempo do escritor, lido por Engels, como o único capaz de capturar o espírito do século XIX francês. E não é exagero: Balzac trabalhou com A comédia redesenhando tipos, comportamentos, costumes, negócios, casamentos, ciências, modismos, política, profissões e uma série de outras matérias sociais que entram nesse imenso panorama costurados com maestria narrativa e, que à época, foi sendo exibido aos poucos em folhetins.

Os primeiros volumes da reedição brasileira de A comédia humana.


No Brasil, não teríamos acesso a essa catedral tão significativa para a literatura universal se não fosse outro trabalho imenso, este conduzido por Paulo Rónai, que se dedicou por longos 15 anos na organização de todo aparato para que fosse feita a tradução da obra para o português. Nesse ínterim, o feito contou com o esforço coletivo de 20 tradutores, que juntos compuseram, além das traduções, mais de 12 mil notas e um rico prefácio para cada um dos 89 romances. 

A primeira versão desse projeto ganhou forma ainda nos idos 1947, pela Livraria Globo, de Porto Alegre. Já tivemos em nosso país coisas desse nível, audaciosas, interessadas em colocar os leitores daqui em contato com o melhor dos produtos literários já construídos pela errante humanidade. 

Mais tarde, o próprio Paulo Rónai voltou ao trabalho; revisto, saiu uma segunda edição em 1992, pela agora conhecida Globo Livros. O feito do tradutor foi reconhecido um dos mais importantes com a obra de Balzac fora da França. Pela extensão, é compreensível que nenhuma outra editora tenha dado conta de refazê-la e a obra permaneceu por anos encontrada apenas em sebos ou recortada de seu contexto.

Agora, esse trabalho do húngaro naturalizado brasileiro, que é um dos seus maiores legados para a cultura brasileira, ganha nova edição. Só por isso, 2012 entra no rol dos mais importantes calendários na edição de livros no Brasil. Resta saber se a empreitada será cumprida a contento.

Se sim, 20 anos depois da última edição, A divina comédia, produto do trabalho de Paulo Rónai, volta às livrarias em formato revisto por um selo Biblioteca Azul, da Globo Livros. Por enquanto, saíram os quatro primeiro volumes que compõem “Cenas da vida privada”.

Acompanha todo esse novo fôlego dado a obra de Balzac a reedição de um conjunto de ensaios de Rónai reunido no livro Balzac e A comédia humana. Nestes textos estão alguns dos mais importantes estudos introdutórios do tradutor para a obra do escritor francês, como “O estilo de Balzac”, “O mundo de Balzac” e ainda sobre aspectos particulares, como “Paris, personagem de Balzac”, “O Brasil na vida e na obra de Balzac”, “O pai Goriot dentro da literatura universal”.

A edição do livro de Paulo Rónai é acrescida ainda de uma bibliografia do autor, correspondências trocadas com Eliana Sá, responsável pela segunda edição de A comédia humana, e um texto inédito em livro, que conta a epopeia de realização da primeira edição do projeto monumental de colocar em nosso idioma um colosso da literatura do século XIX. Celebremos. E reservemos a melhor parte de uma fileira de nossas estantes para recebermos A comédia balzaquiana.

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