The End: que o fim do mundo nos pegue dançando

Por Cristina Aparicio




 
Fim. O fim. Aqui termina a história. Com um “The End”, essas palavras icônicas agora obsoletas, os filmes costumavam terminar. E foi assim que Joshua Oppenheimer intitulou seu mais recente longa-metragem, com uma referência a uma era já clássica do cinema, mas optando por começar onde ela termina. A primeira incursão do cineasta na ficção (após dois documentários poderosos e inovadores que exploraram as convenções do gênero e borraram os limites entre realidade e performance) está intimamente ligada às origens da sétima arte.
 
Nos compassos iniciais do filme, o letreiro de Hollywood ocupa uma posição privilegiada dentro do plano, situado acima da maquete que Hijo (George MacKay) está construindo. É o momento antes do jovem começar a cantar em um número que intercala diálogos e canções, uma cena em que todos os personagens aparecem em uma espécie de abertura, típica de qualquer obra musical. Embora “típica” talvez não seja um termo apropriado para se referir a um musical apocalíptico e niilista com conotações platônicas. É na música que The End encontra sua razão de ser: na trilha sonora em sintonia com os sentimentos de seus personagens, nas letras que revelam um mundo interior escondido dentro de cada um e em uma coreografia que harmoniza ambos os elementos em um espetáculo visual dissonante, claustrofóbico e explosivo ao mesmo tempo.
 
The End é, portanto, e acima de tudo, uma alegoria. O filme inteiro pode ser lido como um grand finale — daí seu nome — como se dispensasse a preparação e o enredo para se concentrar apenas na resolução. E, na realidade, não precisa de mais: de um lado, há o fim da humanidade que sustenta a narrativa, algo que não requer explicação prévia (Oppenheimer resiste a fornecer detalhes que expliquem o colapso que o planeta está sofrendo); e, de outro, há o declínio do classicismo como gênero cinematográfico, que se materializa em suas formas musicais tradicionais. Talvez a metáfora que melhor defina The End seja a do canto do cisne: uma expressão que remonta à mitologia grega, na crença de que, pouco antes de morrer, os cisnes entoavam um belo som após terem permanecido em silêncio por toda a vida.
 
Os habitantes do bunker nesse filme são provavelmente os últimos humanos vivos na Terra. Seu confinamento os salva de morrer na superfície como todos os outros: um confinamento prolongado que já dura várias décadas e que eles consideram perpétuo. Nessas condições, surge a música, uma opereta que desafia o formato ao usar esse gênero celebratório e vitalista em uma história sobre extinção. Cada explosão emocional é traduzida em um número musical, como se somente através da melodia pudesse ser alcançado um certo grau de liberdade: justamente aquele que lhes é negado no submundo em que vivem.
 
Oppenheimer consegue transitar com maestria na tênue linha entre o absurdo e a genialidade. Há uma contradição que percorre continuamente a narrativa: uma variação tonal visual e sonora que geralmente se materializa durante os números musicais, do grave ao agudo, do opaco ao brilhante. As mudanças de temperatura e cor (uma escala cromática que se move sucessivamente do azul acinzentado ao amarelo quente) acompanham o ritmo das músicas, que, por sua vez, estão em sintonia com a falta de harmonia que todos sentem. Uma indefinição e uma variabilidade emocional estão contidas no plano, naquelas longas sequências que parecem inacabadas, em suspense. Algo semelhante a um estado de animação suspensa, embora sem a promessa de despertar depois de um tempo...
 
The End não está tão distante dos filmes anteriores de Oppenheimer quanto pode parecer à primeira vista. Em O ato de matar (2012), os membros dos esquadrões da morte responsáveis ​​pelo massacre ocorrido na Indonésia na década de 1960 contam sua história reconstruindo o evento, retratando a si mesmos e às vítimas. É um exercício de performatividade que destaca conceitos como a banalidade do mal, a impunidade dos crimes de guerra e o negacionismo coletivo. Em 2014, O peso do silêncio complementou o documentário do ano anterior, retornando mais uma vez aos assassinatos indonésios, mas desta vez dando voz às vítimas da tragédia, com quem compartilhou as imagens filmadas em O anto de matar. Ambos os filmes exploraram a mesma questão: como são as mentiras que contamos a nós mesmos?
 
O filme de agora também faz a mesma pergunta. Antes que um estopim externo dê lugar ao sentimento de culpa, os membros desta família sem nome não parecem lidar com o remorso. Há um otimismo um tanto ingênuo em suas rotinas, uma estranha sensação de normalidade imposta, que contrasta fortemente com a situação de emergência em que se encontram. Os últimos humanos são artificiais, mas, ao mesmo tempo, surpreendentemente reconhecíveis como elementos representativos da sociedade atual: aqui se mantém a estrutura familiar convencional, a desigualdade de classes, a supremacia branca...
 
Sem amanhã à vista, tudo o que acontece neste bunker subterrâneo, inóspito, glacial, lunar, é sem sentido. Sobreviver é um exercício de inércia onde as perguntas existenciais sobre o passado e o futuro são imediatamente censuradas. Como em seus filmes anteriores, Oppenheimer se concentra em desvendar a capacidade performática do ser humano, mas desta vez de uma perspectiva muito mais abstrata. A ausência de nomes, a falta de especificidade temporal e a escassa informação oferecida ao espectador não são furos na trama; pelo contrário, são a manobra hábil com que o cineasta universaliza sua história.
 
Por isso, não há caricatura ou paternalismo na forma como se retrata esses personagens, embora haja uma certa compaixão. Talvez seja por isso que esta história — a das mentiras que alguém se conta a si mesmo em detrimento do bem individual, coletivo ou planetário — só poderia ser contada por meio da ficção. Porque daqui é mais fácil simpatizar com a raça humana, com suas fraquezas, suas contradições, seus absurdos e sua culpa. Afinal, somos a única espécie capaz de dançar enquanto espera o fim do mundo. O que mais poderíamos fazer? 


* Este texto é a tradução livre de “The End: que el fin del mundo nos pille bailando”, publicado aqui, em Jot Down.

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