Explicação dos pássaros, de António Lobo Antunes

Foi mais um da longa travessia que ainda tenho pela obra de
António Lobo Antunes. Está à minha frente Fado
alexandrino, que é o romance que sucede este Explicação dos pássaros. Tenho a impressão de leitor iniciante que
terá sido este, não os da ‘trilogia memorialística’ que marca o início da
carreira literária do escritor, o livro de fato em que Lobo Antunes se inicia, embora
sabendo que, para os bons escritores, toda nova obra será sempre um princípio. Mas,
neste caso em particular, é o começo de tudo porque o autor de Explicação dos pássaros se desvincula do
tema da guerra colonial, marca dos três primeiros romances, para temas mais caros
à subjetividade: como a ideia de finitude que perpassa todo o andamento da
narrativa.
Dividido num fim de semana, de quinta-feira para domingo, neste
livro também notamos o narrador antuniano cada vez mais seguro da ideia de
esfarelamento e entrelaçamento temporais exercitadas ao longo de sua trilogia. Temos
a sensação de que, cada vez mais, o escritor se aperfeiçoa na técnica e vai
produzindo uma narrativa também cada vez mais complexa, exigindo do leitor
certo esforço mental – por vezes maçante, mas prazeroso – para alcançar o todo
do enredo. É entre quinta-feira e domingo, o tempo marcado textualmente que Rui
S., professor universitário, se desloca. É de uma viagem entre o hospital, onde
visitou a mãe em estado terminal, e a um lugar qualquer, onde pretende pedir a separação
à segunda mulher, espaço marcado também textualmente e em que se formam as
ações. Mas nem este entre-tempo e nem entre-espaço é preservado em sua linearidade;
isso porque a simples ação de dirigir que parece ser o que povoa boa parte do
romance é intercalada pelos acontecimentos do passado, como a morte do pai, a separação
da primeira mulher com quem teve dois filhos, o presente, como a atual situação
do casamento e o futuro, pela oscilação de uma vida que como tudo está no fim,
apresenta os mesmos sinais de desgaste e desencantamento.
Explicação dos
pássaros é um exercício dramático; quer se desvincular do drama comum,
porque diz respeito à existência. Rui S. é o típico herói falido, aquele que decepcionado
dos deuses e da razão, não tem mais nada que lhe apeteça: a vida lhe é um
pesado fardo impossível de se livrar e não notamos nenhum esforço de sua parte
para fazê-lo. É um sujeito que não se pergunta sobre as coisas, apenas aceita
como elas são, e este terá sido seu maior erro ou um dos defeitos imperdoáveis.
É que sem esforço, sabemos, não é possível ir a lugar algum e tudo, até mesmo a
vida, é capaz de se revoltar contra. E quando dermos pelo que fizemos, já não teremos
capacidade alguma de mudar os rumos para onde fomos levados.
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