Presepadas de escritores
Quem nunca terá – em algum momento da vida – aprontado aquelas
situações que passarão ao futuro como doce lembrança de um tempo em que se
podia ousar. Algumas dessas situações podem ser propositais, outras mero acaso e
aí alguém nos pega em flagrante. Enfim, como todo escritor é um mortal comum, terão
eles passado por isso. Cá, no português brasileiro, essas situações têm um
designativo: presepada. Está no Aurélio:
presepada: 1. Gabolice, fanfarrice. 2. Brincadeira de mau gosto, ou palhaçada. No
caso a que estamos nos referindo o termo tem um pouco dos sentidos designados
pelo dicionário, mas terão suas justificativas.
A razão dessa observação surgiu de uma imagem que apresentamos
na nossa página no Facebook semana passada no nosso álbum de raridades. Esta daí
acima. A da foto nada mais é do que F. Scott Fitzgerald. O escritor estadunidense
sempre escreveu seus roteiros para o grupo de teatro do Princeton Triangle
Club, um dos mais antigos colegiais dos Estados Unidos. E depois de ter sido
reprovado em vários deles, o que ele conseguiu a coedição, acreditem, foi impedido
de participar. Era o musical The evil
eye! E quem pensa que o escritor se abateu está enganado. Num gesto irônico
de puro revanchismo, Fitzgerald travestiu-se e foi ver a apresentação. Resultado:
foi parar nas páginas sociais do The New
York Times de 2 de janeiro de 1916 como
“a mais bela garota do show”.
Agora outra: veem essa foto acima? A primeira pessoa da
esquerda nada mais é do que Virginia Woolf, na época Virginia Stephen. A foto
data de 7 de fevereiro de 1910 e ela está acompanhada do grupo conhecido como
Os Cinco de Bloomsbury que incluía o pintor Duncan Grant, o irmão Adrian Stephen,
Anthony Buxton, Guy Ridley e Horace Cole. Todos nesses trajes convenceram os oficiais
da Maria Real Britânica de que eram oficiais da comitiva do imperador da
Abissínia (hoje Etiópia) e foram recebidos com toda honra de estado no navio
HMS Dreadnought e por isso o episódio ficou conhecido como The Hoax
Dreadnought.
Quem idealizou o encontro foi Horace Cole. Ele foi quem
enviou um telegrama para o navio dizendo que a tripulação de dignitários do
Norte Africano ansiava por uma recepção dos ingleses. Uma vez a boro, o grupo
falou com sotaque latino citando um texto montado para a ocasião e passagens da
Eneida, de Virgílio. Conta-se que Virginia
se manteve o tempo inteiro em silêncio, de modo a disfarçar-se melhor. Atores de
primeira viagem e muito provavelmente nervosos com a ousadia, nem tudo foi impecável
como com F. Scott Fitzgerald e seu show em Princeton. Numa ocasião, Buxton
espirrou e quase perdeu o bigode e a Marinha, incapaz de encontrar uma bandeira
da Abissínia para representar o momento, utilizou uma bandeira de Zamzibar. Toda
a aventura foi narrada em 1975 por Duncan Grant em entrevista que pode ser
ouvida aqui.
Os príncipes fictícios pediram tapetes e orações, apresentou
os oficiais com honras militares de mentirinha e ainda exclamaram todos “Bunga!
Bunga!”. Em seguida foram levados para conhecer o navio, então o mais moderno e
sofisticado navio de guerra já construído pela marinha britânica. No dia
seguinte a fotografia acima foi publicada no Daily Mirror revelando a farsa. Não que os militares tenham
descoberto tudo, mas é que Cole fez questão de contar a história para o jornal.
De acordo como o estudioso da obra de Virginia Woolf, Maired Case, a escritora
teria aproveitado o caso e transformado num episódio para o romance Orlando. Há no texto em questão uma
passagem reveladora:
All the princes wore vari-coloured silk sashes as turbans, set off with diamond aigrettes, white gibbah tunics, over which were cast rich flowing robes and round their necks were suspended gold chains and jeweled necklaces [...] They also all wore patent leather boots which, Oriental fashion, tapered to a point, the ends projecting fully six inches beyond the toes. White gloves covered the princes’ hands, and over the gloved fingers, they wore gold wedding rings – heavy, plain circlets, which looked very impressive.

Numa carta recentemente descoberta, Cole escreveu a um amigo
e relata novamente a brincadeira como um evento engraçado. O grupo pretendia
era ridicularizar o que eles viam como imperialismo vitoriano fora de moda, e
eles conseguiram, pelo menos na imprensa popular. O Mirror publicou dias depois a charge acima em que a Marinha Real é
motivo de chacota.
Comentários
Sinceramente nao conhecia e estou impressionado com o conteúdo , do mais alto nível.