A gênese de O velho e o mar, de Ernest Hemingway

Ernest Hemingway e o seu filho Gregory. Sun Valley, Idaho, outubro de 1941.


O velho e o mar é, certamente, um dos textos mais conhecidos da obra de Ernest Hemingway. Foi publicado pela primeira vez em 1952 na revista Life e logo o genial texto se converteu numa das obras-primas do século XX para a literatura estadunidense e valeu ao escritor o Prêmio Pulitzer no ano seguinte. Hemingway ainda recebeu o Prêmio Nobel de Literatura um ano depois.

O conto imortalizou os mares de Cuba e os pescadores do povoado cubano de Cojimar. “Era um velho que pescava sozinho num esquife na Corrente do Golfo, e saíra havia já por oitenta e quatro dias sem apanhar um peixe. Nos primeiros quarenta dias um rapaz fora com ele”. Se disse que a personagem de Hemingway – Santiago – foi inspirada em Gregorio Fuentes, o lendário dono do iate Pilar, com quem o escritor saía para pescar.

Outros, por sua vez, preferem suspeitar que o seu verdadeiro modelo foi um velho pescador de Cojimar chamado Anselmo, embora possa ter usado na composição da narrativa e da personagem elementos de Cachimba, O Surdo, Cheo López e Quintín, outros homens do mar com os quais o escritor sempre dividia histórias no restaurante La Terraza.

Em 1995, Gregorio Fuentes – que morreu em 2002 aos 104 anos – dizia que a ideia de O velho e o mar veio a Hemingway num dia de pesca em que eles se encontravam em águas profundas com um pescador e um menino navegando num bote de remos. Assim, ficou instalada a suspeita de que – é muito provável – seja este o episódio motivo de inspiração do conto.

Mas, o próprio Hemingway contou na crônica jornalística Em águas azuis, de 1936 – dois anos antes de arrendar o barco de Gregorio e muitas décadas antes de o conto vir a lume: “Noutro tempo, um velho que pescava sozinho num bote frente a Cabañas pegou no anzol um grande peixe que o arrastou na embarcação mar adentro. Dois dias depois o velho foi resgatado por alguns pescadores a setenta milhas ao Leste: a cabeça e a parte superior do peixe estavam amarradas ao bote. O que os tubarões haviam deixado dele pesava oitocentas libras”. E acrescentava: “O velho lutou sozinho contra eles na Corrente do Golfo, numa frágil embarcação, golpeando-os, apunhalando-os, batendo neles com um remo até ficar exausto; então os tubarões comeram o quanto quiseram. Estava chorando no bote quando os pescadores o resgataram, quase enlouquecido por sua perda. Dois tubarões ainda nadavam em círculos ao redor do bote”.

A revista Life pagou um dólar e dez centavos a Hemingway por cada palavra do manuscrito – trinta mil dólares no total. A publicação, saída em 1º de setembro de 1952, foi um sucesso; em apenas 48 horas, a revista vendeu mais de cinco milhões de exemplares. Levou apenas sete dias para que a editora colocasse à venda o conto em formato de livro e no mesmo dia decidiu imprimir uma segunda edição.



Pouco tempo depois, recorda Ciro Bianchi, autor de Nos passos de Hemingway em Havana, a revista cubana Bohemia ofereceu ao escritor 5 mil dólares pela publicação do livro em espanhol. Ele aceitou mais criou duas condições: que a tradução fosse realizada por Lino Novas Calvo e que o dinheiro oferecido fosse empregado para comprar televisores e baterias elétricas para os enfermos de Rincón, às margens de Havana.

Quando escreveu este conto, Hemingway passava por um mau momento. A crítica havia criticado até à crueldade o romantismo vazio de seu último romance Do outro lado do rio, entre as árvores. Suas personagens haviam se moviam no vazio e precisavam de passado, opinava Faulkner; mas este paisagista histórico do sul ao ler o conto desse pescador disse logo que Hemingway havia encontrado Deus. “Aí está o grande peixe: Deus fez o grande peixe que tem de ser capturado; Deus fez o velho que tem de capturar o grande peixe; Deus fez os tubarões que têm de comer o peixe, e Deus ama todos eles”. Debaixo deste amor estava a agonia, a nobreza, o esforço, o cálculo e o combate contra o destino. O homem não foi feito para a derrota – diz o velho pescador em meio à luta. O homem pode ser destruído mas não derrotado.

O primeiro rascunho deste conto, concebido como um capítulo para um grande livro que Hemingway pretendia escrever sobre o mar, esteva pronto já um ano antes de sua publicação. Leland Hayward, quem acabaria, como produtor, levando ao cinema esta história com Spencer Tracy como protagonista, durante uma visita a Finca de Vigía, residência de escritor na periferia de Havana, convenceu o escritor para que publicasse o texto.

Aconteceu na Corrente do Golfo, mas qualquer mar, o da China, o Mediterrâneo ou o Índico, poderia haver servido de lugar para este acontecimento que também é universal. O espírito de um homem que, longe de ceder a adversidade, mede-se pelas medidas dela e alcança vitória em meio à derrota. O resto foi conquistado graças ao gênio de Hemingway para a narrativa curta – que nesse caso pareceu obra do acaso.

Embora o malvado Jorge Luis Borges tenha dito que Hemingway se matou no dia em que, enfim, seu deu conta de era um mau escritor, a tensão com que cada palavra exprime as ações nesta história sensível e profunda reafirma o que ficou dito no início deste texto, que O velho e o mar é uma entre as obras mestras da literatura universal. Se tivesse escrito apenas ela estaria redimida as acusações que os grandes lhe fizeram.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Letras 360º #579

Boletim Letras 360º #573

A bíblia, Péter Nádas

Boletim Letras 360º #574

Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima

Palmeiras selvagens, de William Faulkner