Como ficar quieto em alemão

Por Alejandro Zambra


Adolfo Couve



 
Macedonio Fernández é meu escritor favorito de dois em dois anos. Admiro naturalmente seu humor e sua elegância singular, mas por vezes a relação malogra, por assim somos nós, leitores: por vezes pedimos a um escritor o que jamais quis nos dar. Macedonio é brilhante, mas nem sempre desejamos esse brilho, porque nem sempre somos, como queria ele, “leitores artistas”. Releio Papeles de Recienvenido [Papéis de um recém-chegado] e Continuación de la nada [Continuação do nada], os livros de Macedonio que voltaram a ser reunidos há alguns meses pela editora espanhola Barataria, em uma coleção mais que necessária na qual também comparecem Martín Adán, Juan Emar e outros gênios da vanguarda latino-americana. Rapidamente descubro que neste ano me cabe amar Macedonio. E me parece estranho que às vezes não goste.
 
Seja como for, devo esclarecer que sempre — nos anos que quero e nos que não quero — rio de suas piadas. Esta é muito boa: “O bezerro Ton morreu, o bezerro preto morreu, o bezerro mouro morreu”, disse um rapaz, mas como lhe pedissem que contasse algo mais alegre, corrige: “O bezerro mouro ressuscitou, o bezerro preto ressuscitou, o bezerro Ton ressuscitou.”
 
“Sou o inventor do parêntesis de um pauzinho só”, diz Macedonio, o escritor que, a respeito de um aniversário iminente, confessa que nunca fizera tantos anos em um único dia. Gosto quando se compromete a permanecer fora do país até seu regresso, ou quando descobre que sua ausência “se espalhara para lugares no exterior em que jamais esteve”. E me parece importante esta reflexão sensata: “Viajar: expor-se a falar idiomas que não sabe, por não ficar quieto em alemão, o que tampouco sei fazer.”
 
Tem também o Bobo de Buenos Aires, esse personagem que quando chove nos avisa que nosso guarda-chuva está ficando molhado, ou que ao fumarmos nos adverte que o tabaco na ponta do cigarro está queimando. Ou que interpela com tato um policial: “Faz apenas um minuto que me conhece e já se julga apto a me prender.”
 
Gostaria de citar ilimitadamente este homem que receava “confundir um desconhecido com outro”, que pensava que “o penteado é uma forma de pensar por fora da cabeça” ou que, em um de seus maravilhosos brindes, homenageia desta forma ao cartunista Alejandro Sirio: “Era mais baixinho que eu, menos existente, mais volumoso, não entendia de música como eu, em metafísica não havia motivo para esperá-lo em esquina alguma, e, além disso, não havia conseguido o mesmo que eu, o que poucos mulherengos sedutores conseguiram: não deixar mulher alguma mexer consigo. Menção honrosa para esta opinião sobre a famosa escultura de Rodin: “Os pensadores são mais friorentos; este tira a roupa para poder pensar.”
 
No comovido obituário que Jorge Luis Borges escreveu quando da morte do mestre, encontra-se esta frase luminosa: “Umas das alegrias da minha vida é ter sido amigo de Macedonio, é tê-lo visto viver.” Dissera antes que durante anos o imitara “até a transcrição, até o plágio apaixonado e devoto”, pois então acreditava que todos os seus predecessores eram os rascunhos, as versões “imperfeitas e prévias” de Macedonio. Como muitos críticos alertaram, enfim fez-se Macedonio o rascunho de Borges. E por vezes — de dois em dois anos — gostamos mais dos rascunhos do que das versões passadas a limpo. Não é verdade: de Borges gostamos sempre; Macedonio, só de dois em dois anos. Mas esse ano gostamos e muito.
 
“Não leia tão rápido, leitor meu, pois não alcanço com minha escrita onde você está lendo”, diz Macedonio em Papeles de Recienvenido, e finda com esta advertência que me parece perfeita para o fecho desta crônica: “Por ora nada escrevo, acostume-se.”
 
 
Janeiro, 2012
 

* Tradução de Guilherme Mazzafera. O texto “Cómo estar callado em alemán” encontra-se compilado no volume No leer (Editorial Anagrama, 2018).
 
 

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