Eugenia, romance erótico

Por Pablo Sol Mora 




Deparei-me com a primeira edição de Eugenia (Mérida, 1919), o incomum romance de ficção científica iucateque que tanto atraiu a atenção no alvorecer do século XXI (como comprovam as duas reedições em espanhol e a tradução para o inglês pela Universidade de Wisconsin). Seu autor, Eduardo Urzaiz — nascido em 1876 em Cuba, de evidentes origens bascas, mas residente em Mérida desde a infância — era professor e médico, psiquiatra e ginecologista, com interesses muito amplos, incluindo história, religião, literatura, pedagogia, arte e, claro, medicina. Uma espécie de homo universalis renascentista no Yucatán do início do século XX. A Wikipédia também informa que ele foi membro do Partido Socialista do Sudeste, fato que não passa despercebido em seu único romance.

Eugenia despertou interesse, em primeiro lugar, por ser uma obra pioneira, senão a primeira, da ficção científica no México, e suponho que em espanhol em geral. A trama se passa no início do século XXIII em Villautopía, uma Mérida futurista onde continua fazendo calor. Os séculos anteriores foram marcados por guerras e confrontos, mas a humanidade finalmente alcançou a paz e uma certa harmonia, interrompida apenas por conflitos comerciais. A mudança mais notável na sociedade é o método de reprodução (e é por isso que fascinou a comunidade queer e trans): o Estado designa, com base em sua excelência física, os Reprodutores Oficiais da Espécie (homens e mulheres), mas, graças aos avanços da medicina, o óvulo fertilizado é retirado da mulher e o desenvolvimento do feto ocorre em corpos masculinos, previamente submetidos a um processo de feminização chamado Gestador. O aparente protagonista do romance é Ernesto, um espécime de perfeita condição física e mental que foi selecionado como Reprodutor; a verdadeira protagonista é Celiana, mais velha que ele, primeiro sua professora e depois sua amante, que o iniciou intelectual e sexualmente; a Eugenia do título, uma jovem e bela Reprodutora, é o previsível terceiro vértice do triângulo e aparece apenas nas páginas finais.

A ficção científica que se baseia inteiramente em elementos científicos ou tecnológicos tende a envelhecer mal, sendo rapidamente superada ou contradita pelo progresso do mundo real; aquela que perdura, além dos apetrechos essenciais, geralmente possui uma dimensão filosófica ou social que diz algo mais sobre a condição humana. Em Eugenia, há o esperado futurismo tecnológico, com suas bicicletas voadoras, cestas voadoras e calçadas elétricas, mas, na realidade, isso é apenas o pano de fundo; o foco real nessa área é a eugenia e a ideia da gravidez masculina (é surpreendente, da perspectiva in vitro de 2024, que Urzaiz tenha optado por preservar a atividade sexual em sua fantasia e modificar radicalmente apenas a gestação). O escritor cubano-iucateque evita a armadilha em que grande parte da ficção científica contemporânea cai com tanta facilidade: a de detalhar excessivamente o funcionamento de supostas tecnologias futuras. Felizmente para o romance, ele é bastante conciso nesse aspecto.

No entanto, o aspecto de Eugenia que mais me interessou, e daí o título deste texto, é que, tanto quanto, ou até mais do que, um mero romance de ficção científica, trata-se de um romance erótico. Ou seja: um romance sobre o eros e a natureza do desejo (não há cenas de sexo na obra; isso seria pedir demais de Eduardo, pois para isso, a literatura da Península Ibérica e do México teria que esperar por outro iucateque, Juan García Ponce). Um romance sobre o impulso erótico em um cenário de ficção científica.

O dilema central é tão antigo quanto os de Safo ou Catulo: desejar, deixar de desejar, mudar o objeto do desejo. O conflito se intensifica porque Celiana é, na verdade, mais velha que Ernesto — Urzaiz menciona o inevitável modelo edipiano: Madame de Warens e Jean-Jacques — e ele, que a amou genuína e sinceramente, é mais suscetível a se deixar atrair por novos interesses, mais jovens. Por um lado, o esquecimento rápido e a descoberta de uma nova paixão; por outro, o abismo do abandono e da impotência. Não exatamente uma novidade. Além disso, para grande desgosto desses personagens futuristas, especialmente Celiana, eles ainda conservam um tom romântico.

Urzaiz, por outro lado, tinha ideias progressistas sobre o amor: seus personagens desfrutam de uma liberdade sexual que não poderia estar mais em desacordo com a realidade erótica de Mérida no início do século XX. Ao comentar sobre um baile no Instituto de Eugenética, mero prelúdio para o encontro sexual entre os Reprodutores, o narrador observa: “No auge do amor livre, na plena igualdade de direitos entre homens e mulheres, o baile ostentava seu caráter de aperitivo sexual com tamanha franqueza que faria nossos hipócritas e formalistas bisavós corarem de vergonha”. Estes últimos, é claro, são contemporâneos de Dom Eduardo.

O final é problemático: enquanto Miguel, testemunha do drama e personagem mais perspicaz do romance, parece concluir que o amor humano não pode excluir dor e sofrimento, paixão ou ciúme, as linhas finais são cruamente realistas, tanto eroticamente quanto em termos de biologia evolutiva (para a história da sexualidade sob a perspectiva da biologia evolutiva, sem floreios ideológicos ou românticos, veja o clássico de David Buss, A evolução do desejo): Celiana “era um daqueles remanescentes que, em sua marcha triunfal, o amor e a vida deixaram de lado pelo caminho”.

Deixarei de lado os aspectos políticos de Eugenia, fundamentais para qualquer utopia ou distopia, que refletem as convicções do autor e ressoam fortemente nos dias de hoje: nacionalismo versus globalismo, intervenção estatal no comércio, uma espécie de socialismo básico como solução para a desigualdade econômica, e assim por diante. Quanto aos aspectos materiais do livro, devo mencionar as ilustrações de Leopoldo F. Quijano, especialmente a magnífica capa em estilo Art Nouveau com uma enigmática figura andrógina.

Don Eduardo Urzaiz morreu em Mérida em 1955. Quase setenta anos depois, ele teria ficado satisfeito em ver como o século XXI se reconhece em sua Eugenia (um esboço romanceado de costumes futuros).


* Este texto é a tradução livre de “Eugenia, novela erótica”, publicado aqui, em Letras Libres.


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