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O dia em que meu pai foi poeta. A partir de “Receita de domingo”, de Paulo Mendes Campos

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Por Paula Luersen Ilustração: Julie Bernard   Nunca soube ao certo quem foi que disse que até os três anos de idade nossa mente não é feita para guardar lembranças. Só sei que despertei, aos poucos, pensando naquela matéria de jornal já sem data, sem nome ou qualquer referência, presa por uma ou outra letra nas teias da minha memória. Ela dizia que muito do que achávamos recordar era puramente inventado, feito de rabiscos e garranchos das nossas mais fortes impressões, prontas a encenar em nossa mente detalhadas cenas de um passado falso. Teria eu fabulado o cantar de um canário belga e o cacarejo agoniado das galinhas, que antecediam os almoços de domingo? Com que rabiscos compunha aquele homem que na minha infância gritava aos corvos um sonoro e profético Never more ? Existiu algum dia esse sujeito rendendo homenagens à poesia de Allan Poe, em pleno anoitecer de domingo? Ainda na cama, olhei desconfiado para minha estante de livros. Poderiam ser eles os rabiscos a compor o absurdo de