Sylvia Plath, uma (ou a única) no extenso catálogo de mulheres de Ted Hughes

Sylvia Plath, verão de 1953.

Sylvia Plath nasceu em Boston em 1932 e morreu em Londres em 1963. É, sem dúvidas, uma das figuras mais emblemáticas da poesia anglo-saxã do século XX, e autora de uma obra há muito conhecida do leitor brasileiro que dispõe de constante reedições de sua obra, seja os poemas, seja seu único romance, A redoma de vidro (Biblioteca Azul / Globo Livros). Poeta condicionada a se tornar mito devido sua torturada existência, a mesma que a levaria colocar um fim aos 30 anos introduzindo a cabeça no forno da cozinha.

Filha de um entomólogo de origem alemã e de uma professora de alemão descendente de imigrantes austríacos foi educada num ambiente familiar austero, marcado pela morte repentina do pai, acontecimento tornado mais tarde uma constante em sua obra poética. E começou a escrever muito precoce: aos oito anos já mandava poemas para revistas literárias e dizia que sua futura vocação era conseguir bolsas de estudo para viajar e estudar na Europa, escrever livros de poemas, ser professora de literatura e mãe. Foram projetos que, de fato, cumpriu, entregando-se a um ideal de perfeição que a pouco a pouco e sob a incitação constante da mãe foi convertendo-se numa autêntica obsessão nada estabilizadora.

Até aos 19 anos, Plath foi acumulando bolsas, êxitos acadêmicos, prêmios literários; o mais decisivo foi concedido em 1954 pela revista Mademoiselle, que lhe deu a estadia de um mês em Nova York num hotel de luxo junto com outras jovens premiadas, com o trabalho remunerado como diretora adjunta da referida revista e assistência com roupas de alta costura, cosméticos etc. Para seguir essa vida, teve de trancar o curso no Smith College. No regresso a Boston retomou os estudos e sofreu sua primeira crise nervosa que culminou na tentativa de suicídio grave e levou-a ao tratamento à base de eletrochoques num centro psiquiátrico, experiência que narra em A redoma de vidro, romance que publicou em fevereiro de 1963, um mês antes do suicídio assinado pelo pseudônimo de Victoria Lucas.

Depois de se recuperar desse estágio, Sylvia concluiu seu curso e por ser a aluna destaque obteve bolsa integral na Universidade Cambridge. A nova vida deu impulso para que escrevesse poesia em grande quantidade e ocasionalmente publicava o resultado de seu trabalho no jornal Varsity, organizado por estudantes. Foi no final de fevereiro de 1955, durante a festa de lançamento da St.Botolph’s Review que conheceu o jovem poeta Ted Hughes. Uma paixão avassaladora, conforme deixou registrada em carta para mãe; tão avassaladora que em menos de quatro meses se casaram: era 16 de junho de 1955.

Sylvia Plath e Ted Hughes, Londres, 1960. Foto: Hans Beacham

Esse acontecimento remodelaria a vida da escritora. Para pior. É evidente que tiveram, nos primeiros anos, muitas atividades que demonstraram a intensa atuação de Plath, como se sua vida ainda fosse a da escritora livre para a escrita. Entre julho de 1957 a outubro de 1959, por exemplo, esteve nos Estados Unidos, onde lecionava inglês no mesmo local onde fez seu curso superior; depois mudou-se para Boston, onde a poeta fez os seminários com o poeta Robert Lowell e onde conhece nomes como o da poeta Anne Sexton, W. S. Merwim. E sempre ao lado de Hughes.

Mas, a descoberta da primeira gravidez leva o casal de volta para a Inglaterra; primeiro Londres, depois a pequena cidade de North Tawton. No curso desse período, Plath publica seu primeiro livro de poemas, The colossus, e sofre um aborto. Depois de encobrir o abalo com o desfecho trágico de um dos sonhos de infância, a poeta conseguirá ser mãe, de Frieda e Nicholas. Nesse meio tempo a relação entre ela e Hughes já passava por abalos; sobretudo porque o companheiro devotava a Plath quase todo o trabalho de educação dos filhos. Sua carreira literária, então vive as piores baixas, enquanto é um dos tempos férteis de criação de Hughes. Disputas profissionais à parte, a poeta descobre que o companheiro mantinha uma amante, o fiasco para o fim traumático de uma relação que iniciada pela força avassaladora da paixão findou pela força avassaladora do ódio. Plath separou-se de Hughes e foi viver em Londres com os dois filhos. É nesse momento de atribulação que escreve seu último livro – A redoma de vidro.

O casamento só durou sete anos. A imagem do imponente casal que formam – jovens, bonitos, brilhantes e excelente poetas – caiu por terra quando da separação. Possivelmente esse mundo idealizado milimetricamente pela cabeça criativa de Plath, mas impossível de se realizar totalmente, tenha levado a poeta a não suportar a realidade. Desde sua morte, Ted Hughes precisou conviver com a acusação de responsável direto pelo fim trágico de Sylvia e conviveu com parte dessa culpa num silêncio de mais de três décadas, só tocando no assunto através de sua obra: os oitenta e oito poemas de Birthday Letters escritos com a tinta das recordações remoídas ao longo desse tempo.

A expiação pela poesia marcou a saída de Hughes de um extenso labirinto: Assia Wevill, a mulher com a qual manteve um caso enquanto era casado com Plath também se suicidou. E entre os vários registros deixados por Assia, está a presença repentina da poeta na vida Hughes. “Sylvia está crescendo em Ted, enorme e esplendidamente. Eu me encolho a cada dia, tragada pelos dois”.  A ruptura do silêncio de Hughes serviu para marcar, primeiro, que nunca terá esquecido a paixão avassaladora por Sylvia Plath e reavivar a ideia de que ela era, antes dos dois se casarem, uma suicida em potencial.

Os reais motivos do suicídio?

Mas, nem o livro de Hughes e suas poucas declarações quando de sua publicação tornaram claras os acontecimentos que culminaram no desfecho trágico da vida de Sylvia Plath. Precisará chegar 2015, quase vinte anos depois da morte do poeta para ser revelado um acontecimento entre os dois que acrescenta mais uma peça no misterioso caso e pode mesmo iluminá-lo. Não se trata de uma carta de confissão sobre a morte. Mas houve sim outra carta depois daquela de 8 de fevereiro de 1963 em que ela escreve sobre os trâmites da separação e que os pesquisadores até então acreditavam ser o único registro de um drama a meio tempo de ser desfeito. Mas, não.

A revelação de agora é feita pelo biógrafo Sir Jonathan Bate, do Worcester College de Oxford, quem teve acesso ilimitado aos arquivos do poeta inglês conforme relata no jornal The Guardian. O fato é significativo porque pode, enfim, reconstruir mais claramente as circunstâncias do fim de semana de 1963; o corpo de Plath foi encontrado na segunda-feira, 11 de fevereiro.

O ponto de partida para a descoberta foi o poema encontrado em 2010 em que Hughes deu o título de “A última carta”; trata-se de um texto que rememora os dias anteriores ao suicídio de Sylvia. O poema foi descoberto por Melvyn Bragg e sua publicação, na época, causou um grande impacto porque o texto aborda o que aconteceu durante os três dias anteriores ao suicídio. Desde então se pensou que a poeta havia enviado uma carta contando seu fim para Ted. E mandou. A carta certamente deve ter chegado na tarde da sexta-feira; o correio adiantava possíveis fatos do futuro, mas, não dizia nada sobre a morte; apenas comunicava a Hughes sobre a decisão que ela [Plath] tinha tomado de ir embora para Paris a fim de esquecê-lo totalmente e não voltar a vê-lo nunca mais.

Plath supões que a missiva só chegaria no sábado às mãos de Hughes, mas, por obra do destino, chegou antes, e tão logo recebeu a correspondência o poeta foi à casa da ex-companheira. O encontro foi movido por uma extensa discussão entre os dois; Plath deve ter-lhe arrancado a carta e queimado. Mas, esse foi o último encontro entre os dois; encontro que está registrado em “A última carta”.

A pergunta é: com tudo planejado para sua morte, saberia Plath que o comunicado de sua partida para fora da Inglaterra seria o suficiente para levar Hughes à sua casa? Se sim, a ida ao local serviria para que fosse ele o primeiro a encontrar o corpo da poeta? 

No dia seguinte ao encontro, Plath ainda telefonou para a casa de Hughes e teve a má sorte de ser atendida pela amante Susan Alliston; quando ela lhe passou o telefone, segundo descobriu Bates num diário de Alliston que o poeta guardou entre seus papéis, Hughes teria dito algo como “Tranquila, Sylvie”. Hughes ficara aquela noite e todo o domingo com amante, dia em que se supõe ter sido o da morte de Plath e ele só saberia do acontecido na segunda pela manhã.  

A morte, depois de Assia Wevill com as filhas também com gás – numa projeção do suicídio de Plath – ao menos ficou registrada: não se podia viver “com o peso da memória de Sylvia”. Nessa época, Hughes chegou a ter outras duas amantes, a enfermeira Carol Orchard e Brenda Hedden. Uma busca desesperada noutras mulheres daquilo que Sylvia lhe representou? 

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