Adalgisa Nery

Adalgisa Nery


Adalgisa Nery foi poeta, romancista, contista e jornalista. Filha de Gualter Ferreira e de Rosa Cancela Ferreira (ele mato-grossense e ela portuguesa e neta de francesa), nasceu no dia 29 de outubro de 1905, no bairro das Laranjeiras, Rio de Janeiro.

Órfã de mãe aos oito anos, Adalgisa desde a infância demonstrou forte sensibilidade poética. Em 1922, aos 16 anos, casou-se com o artista Ismael Nery, com quem teve sete filhos, todos homens, mas somente o mais velho, Ivan, e o caçula, Emmanuel, sobreviveram. 

O primeiro casamento lhe proporcionou o convívio com intelectuais como Álvaro Moreyra, Aníbal Machado, Antônio Bento, Graça Aranha, Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Mario Pedrosa, Murilo Mendes e Pedro Nava. Entre 1927 e 1929 o casal Adalgisa e Ismael foram viver na Europa, onde conviveram com vários nomes das chamadas vanguardas, desde Villa-Lobos e Tomas Terán, a Marc Chagall e Juan Miró. O companheiro morreu depois de dois anos dessa época. E ela foi trabalhar na Caixa Econômica; depois integrou o Conselho de Comércio Exterior no Itamaraty.

Foi graças ao convívio com toda essa gente e depois o incentivo deles, sobretudo do poeta Murilo Mendes, que Adalgisa publicou seu primeiro livro. Uma antologia de Poemas. Era 1937 e, desde então, teve sua atuação no exercício da escrita ampliada, seja na colaboração com diversos jornais de dentro e de fora do Brasil, espaço, aliás, onde cumpriu sua estreia literária; foi a publicação do poema "Eu em ti" na Revista Acadêmica.

Quase dez anos depois da morte de Ismael, Adalgisa casou-se novamente. Agora com Lourival Fontes, então diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda da Ditadura de Getúlio Vargas. Esse envolvimento é, certamente, um dos pontos negros na biografia da escritora que colaborou diretamente com um regime de natureza espúria e um dos momentos mais tristes da nossa história. Por outro lado, sua presença no interior do regime terá tido sua valia na relação entre alguns intelectuais com o Estado Novo. 

Da esquerda para a direita: Ary Barroso, Fred Me Murray, Adalgisa Nery, Claudete Colbert e Lourival Fontes, nos Estados Unidos.


Sob custódia do regime, Adalgisa foi para o exterior em missão diplomática e viveu parte dos anos seguintes nos Estados Unidos e no Canadá; depois mudou-se para o México, onde o companheiro firmou-se com embaixador. Nesse período, envolta em privilégios, a escritora fez amizade com gente como David Siqueiros, Rufino Tamayo, Frida Kahlo, Diego Rivera e José Clemente Orozo. De Frida, recebeu a dedicatória de uma página de seu diário onde descreve Adalgisa como "augurio, aliento, aroma, amor, antena, ave, abismo, altura, amiga, azul, arena, alumbre, antigua, astro, axila, abierta, amarillo, alegria, almircle, alucema, armonia, América, amada, agua, ahora, aire, artista, acacia, ayer, áurea, aviso, ágata, alta, apóstol, arbol, acierto, arca, arma, amargura" junto com um retrado da escritora. Em 1952, foi a primeira mulher a ser condecorada com a Orden del Águila Azteca, comenda oferecida pelo governo mexicano por causa de suas conferências sobre a poeta Juana Inés de la Cruz.

O reconhecimento internacional, valeu a publicação de uma coletânea de poemas na Franca em 1953, ano em que as coisas na sua vida começam a tomar outro rumo fora do prumo de glamour do Estado Novo. Primeiro, foi a separação de Lourival Fontes; depois, quando retorna ao Brasil, as relações com o governo de Getúlio Vargas parece ter desandado porque vai trabalhar como jornalista, assinando uma coluna diária sobre política nacional e internacional no jornal Última hora.

No jornal, Adalgisa parece conseguir recuperar parte do prestígio e, por intermédio dos mais próximos, envolve-se com a política. Em 1960 chega a ser eleita deputada pelo Partido Socialista Brasileiro e, dois anos depois, reeleita para a mesma função, mas no Partido Trabalhista Brasileiro; repetiria o feito ainda 1965 pelo então MDB. Nessa ocasião, sua coluna no jornal foi censura e os direitos políticos cassados. Era o Golpe Militar.

Adalgisa e um de seus grandes incentivadores, o poeta Murilo Mendes


Uma de suas peças literárias, o romance A imaginária foi escrito durante esse período em que esteve metida com a política; o livro é descrito pela crítica como um documento marcado por forte intervenção existencialista e autobiográfica no qual tratou dos anos em que esteve casada com Ismael; "Nesta autoficção, a personagem Berenice narra o drama psicológico vivido por ela em várias passagens de sua vida: a família pobre; o curso primário iniciado num colégio de freiras e concluído numa escola de Botafogo; os conflitos da infância e da adolescência; o casamento sem consentimento familiar; a convivência triste com a família do primeiro marido; a morte do cônjuge, aos 33 anos, vítima de tuberculose, e a briga com a sogra que deseja tomar a guarda dos filhos", sublinha Ramon Nunes Mello, quem mais tarde trabalhou na reorganização da obra da escritora então republicada pela José Olympio.

Ramon lembra que o sucesso de A imaginária deve-se ao fato de Adalgisa na época já ser uma jornalista reconhecida; e, claro, os livros que publicou antes, o de poesia e os de contos, sempre mereceram boa atenção da crítica. A obra poética, por exemplo, calcada num extensão de dor e melancolia chamou o olhar de Carlos Drummond de Andrade e de Jorge Amado que não dispensaram elogios ao seu trabalho. 

Por falar em outras obras da escritora é bom sublinhar, até pela brevidade da obra quais foram outros trabalhos seus. Em 1972 publicou seu segundo e último romance, Neblina. De contos, é autora de Og (1943) e 22 menos 1 (1972). E, de poesia, além do título já citado, o de estreia, publicou A mulher ausente (1940), Ar do deserto (1943), Cantos de angústia (1948), As fronteiras da quarta dimensão (1952), Mundos oscilantes (1962) e Erosão (1973). Parte de suas crônicas foram reunidas no livro Retrato sem retoque em 1966.

Mas livros não terão rendido muita coisa na época (apesar dos registros lembrarem que o primeiro romance ter sido um Best-Seller); além disso, destratada pela política onde tanto esteve metida, Adalgisa não teve escolha se não a de bater à porta do filho mais novo, então artista plástico, Emmanuel Nery e do jornalista e apresentador de TV Flavio Cavalvanti. 

Sozinha, em 1976, decidiu internar-se numa clínica geriátrica em Jacarepaguá; foi quando sofreu um acidente vascular grave e depois de largo tempo morreu no dia 7 de junho de 1980. O legado deixado pela escritora é de, como muitas outras mulheres, ter sempre estado à frente de seu tempo, sobretudo nos campos político e jornalístico, onde atuou com maior intensidade. 

* Este texto foi revisado em agosto de 2015.


Comentários

Mauro Jorge disse…
Adalgisa foi uma estupenda poeta, descobri ela em 2002 lendo o texto de Manuel Bandeira sobre versificação na língua portuguesa onde ele cita versos de um poema de Adalgisa do livro Ar do Deserto.
Partindo daí comprei Mundos Oscilantes que é praticamente a Poesia Completa de Adalgisa, depois desse livro ela só lançou Erosão, mas que não é um livro de brilho como todos os outros dela, mas um livro de quem se encontrava em ruínas, foi bastante triste o fim da vida dela.
Do modernismo ela é minha poeta favorita, leio com muito carinho este livro (Mundos Oscilantes), os poemas de Adalgisa estão entre os mais belos já escritos em língua portuguesa, pela entrega e êxtase de sua escrita. Gaston Bachelard estava entre os admiradores de sua Obra Poética.
Adalgisa já é uma poeta que destoa de Cecília e Henriqueta, nela o feminino e o corpo estão muito mais presentes.
Uma obra poética que tem, por vezes, aqui e ali uma poética rente ao surreal.
De Adalgisa é urgente a reedição de sua Poesia Completa inclusive com os inéditos e publicações em periódicos.

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