Musicar Manoel de Barros

Por Pedro Fernandes

Manoel de Barros e o músico Márcio de Camillo. Foto: Arquivo pessoal de Márcio de Camillo.

Não é para qualquer um o trabalho de musicar um poema. Alguns que são gerados para esse fim, outros nem tanto, que o diga João Cabral de Melo Neto, embora seja quase natural deste gênero literário que, com ou sem rima, longo ou curto, ‘portar’ certa musicalidade. Sim, e mesmo a poesia áspera de Melo Neto foi parar nas cifras da música. 

Há resultados que não agradam ao ouvido. Mas, entre nós, a lista de trabalhos notáveis é generosa. Autores como José Miguel Wisnik e Caetano Veloso, por exemplo, já compuseram canções a partir de poemas Gregório de Matos; Raimundo Fagner musicou Florbela Espanca, Cecília Meireles, Ferreira Gullar; ou ainda Adriana Calcanhotto com Waly Salomão e tantos outros. Difícil é não existir alguém da música, neste país, que não tenha ido beber na inesgotável fonte literária.

Agora, outro músico amplia a lista: Márcio de Camillo. Depois de um projeto pedagógico desenhado para trabalhar canções a partir da obra do poeta Manoel de Barros para o público infantil, ele traz a público um CD organizado apenas com canções derivadas da poesia do pantaneiro. Crianceiras recebeu incentivos do próprio poeta e da filha, Martha Barros, autora das ilustrações para o projeto.

Capa do CD Crianceiras.  

São dez poemas musicados a partir de textos dos livros Poemas concebidos sem pecado, o primeiro escrito pelo poeta, em 1937, O livro das ignorãças (2000), um dos títulos entre os mais conhecidos do autor, Livro sobre nada (1996) e Poemas rupestres (2004). O músico também foi aos títulos que Manoel de Barros escreveu para o público infantil, como O fazedor de amanhecer (2001) e o recente Memórias inventadas para crianças (2011). A seleção dos textos tomou como ponto de partida as várias personagens criadas pelo poeta, boa alternativa para colocar mais próximo dos ouvintes o universo visual sugerido por sua poética.

O trabalho levou cerca de cinco anos para ficar pronto e ser lançado ano passado. Desse tempo, três anos foram de estudos dos livros de Manoel de Barros, entre a pesquisa, a leitura e a seleção dos textos. O tempo restante com a gravadora.  

Camillo disse que esse período não foi nada fácil: inserir na métrica musical versos nada lineares como os de Barros foi um dos grandes desafios do trabalho. O músico concorda que toda poesia tem uma melodia. "Mas a métrica dele [de Manoel de Barros] é singular, diferente de Paulo Leminski, Mário Quintana." – explica. Ele se refere a dois nomes listados para o projeto Crianceiras, derivado do CD, mas primeiro, vamos a este ponto partida.

Márcio de Camillo em cena do musical Crianceiras. Foto: Arquivo pessoal de Márcio de Camillo.

A proposta que no princípio era apenas o de utilizar a música como uma ferramenta para aproximar o público infantil da obra do poeta, rendeu um lugar entre os três de Melhor Álbum Infantil do Prêmio da Música Brasileira em 2012.

E foi desse material que Márcio de Camillo se dedicou à criação de um musical, graças à ideia de fazer das personagens a linha-mestra para as músicas do disco, pela linha natural de enredo que esse elemento favorece ao narrativo. 

O espetáculo de mesmo título do CD é dirigido por Luiz André Cherubini e mistura teatro, música, dança, animações e poesia. Outra deriva do trabalho musical são as animações do espetáculo produzidas a partir dos desenhos de Martha Barros, que depois de tudo foram transformadas em videoclipes.

Enfim, um rico projeto que foi se desdobrando em vários outros de igual qualidade. E tudo em torno da não menos rica obra de um dos poetas brasileiros ainda vivos dos mais quistos.

O projeto Crianceiras mantém um canal no YouTube e é através dele é possível acessar boa parte das gravações do CD - basta ir por aqui. Antes, não deixem de conhecer melhor o projeto visitando sua página, aqui.

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