Tentativas em torno da poesia de Ida Vitale

Por Pedro Fernandes

Ida Vitale.

As palavras são nômades; a má poesia as torna sedentárias.

O vasto universo da internet oferece algumas permissões. A minha curiosidade por encontrar nomes ainda guardados naquele instante meia-luz nasceu nos corredores de bibliotecas e se prolongou nos labirintos da web. E, por esses dias, pesquisava sobre importantes nomes de poetas da literatura latino-americana. O buscador me retornou uma variedade de figuras de alguma maneira conhecidas entre nós. Mas, uma me chamou a atenção. Dela, só encontrei de melhor segurança, alguns poucos poemas em língua portuguesa no excelente site do Antonio Miranda, nascido alguns anos antes deste pequeno blog que conduzo e que reúne uma rica variedade de trabalhos de poetas de várias partes do mundo.
 
Chama-se Ida Vitale. Nasceu no dia 2 de novembro de 1923, em Montevidéu. É poeta, tradutora, ensaísta, professora e crítica literária integrante da chamada Geração de 45 no seu país natal, da qual formam parte nomes como Juan Carlos Onetti, Carlos Maggi e Idea Vilariño; estudou Humanidades, dirigiu o jornal Época, codirigiu as revistas Clinamen e Maldoror.
 
Como muitos do seu tempo, padeceu os suplícios da Ditadura. Precisou se exilar no México em 1974 e foi quando conheceu Octavio Paz, levando-a a integrar as atividades na revista Vuelta. Neste país, foi professora, traduziu livros para o Fondo de Cultura Económica e escreveu para vários jornais de língua espanhola na América. O retorno ao Uruguai acontece em 1984. Cinco anos depois foi para os Estados Unidos. Estava casada com o também poeta Enrique Fierro (outro desconhecido nosso).
 
Dela, encontrei uma breve antologia preparada por Víctor Sosa para a Universidade Nacional Autônoma do México. Segundo ele, a obra de Ida Vitale “se apresenta como um corpo coerente na atual poesia latino-americana graças a uma dupla atitude crítica que coloca sob a lente da suspeita a linguagem e o mundo. A consciência de perda do mundo, de irreparável cisão entre Natureza e Homem [...] se vincula com a parte mais romântica, a qual ― ante a algaravia generalizada de uma civilização ébria de progresso ― dará testemunha dessa falha ― no sentido geológico e no sentido de equívoco”.*

No verbete da Academia Nacional de Letras do Uruguai se lê que Ida Vitale “se inscreve na tradição das vanguardas históricas latino-americanas, sua poesia indaga na alquimia da linguagem e estabelece um encontro entre uma exacerbada percepção sensorial de raiz simbolista, sempre atenta ao mundo natural, e a cristalização conceitual em seu perfil mais preciso.”
 
Em modo de exercício, busquei alguns pequenos poemas da antologia e verti para o português. Poderá servir ao menos para despertar do nosso pequeno umbigo e ver nosso entorno.
 
A PALAVRA
 
Expectantes palavras,
fabulosas em si,
promessas de sentidos possíveis,
airosas,
                aéreas,
                               airadas,
                                               ariadnas.
 
Um breve erro
torna-as ornamentais.
Sua indescritível objetividade
nos apaga.
 
 
RESÍDUO
 
Vida curta ou longa, tudo
o que vivemos se reduz
a um gris resíduo na memória.
 
Das antigas viagens ficam
as enigmáticas moedas
simulando falsos valores.
 
Da memória apenas sobe
um vago pó e um perfume
Talvez seja a poesia?
 
 
BORBOLETAS
 
Alto,
no pouco céu da rua,
duas borboletas amarelas brincam,
criam no serial do semáforo
um imprevisto espaço,
luz livre para o alto,
luz que ninguém viu,
a nada obriga.
Propõem a distração terrestre,
chamam para um lugar
― paralogismo ou paraíso? ― onde
certamente voltaríamos
para merecer um paraíso,
borboletas.


* O material referido está disponível aqui.

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