Boletim Letras 360º #565

LANÇAMENTOS


Sergio Chejfec. Foto: Francesc Fernandez



Dois novos livros do escritor argentino Sergio Chejfec ganham tradução e edição brasileiras.

1. Últimas notícias da escrita, pela Arte & Letra. “Este livro pode ser lido como a história de um caderninho”. É através da figura do pequeno caderno de notas de capa verde que Sergio Chejfec inicia a viagem ensaística e narrativa aqui impressa. Um pequeno caderno de notas, esquecido numa vitrine pouco glamurosa, desenrola o fio narrativo que mescla as experiências contemplativas e modalidades conceituais, especialmente sobre as diferentes abordagens da escrita. Acima de tudo, Chejfec explana sua crença na escrita, prático e profundo, nos fazendo enxergar muito além de (e a) cada linha. Produzido no Laboratório Gráfico Arte & Letra, com impressão em risografia e encadernação manual, o livro tem tradução de Giovani T. Kurz. Você pode comprar o livro aqui.
 
2. Meus dois mundos, pela Balaio Editorial. Uma caminhada por um parque de uma cidade do sul do Brasil, alguns dias antes do aniversário do narrador, guarda singulares interrogações sobre o real, a memória e a linguagem. É nesse percurso, marcado por uma voz reflexiva e hesitante, que o leitor vai se confrontar neste romance com a dicção enigmática de Sergio Chejfec. Considerado pela crítica um dos mais expressivos nomes na cena literária contemporânea argentina, Chejfec (1956-2022) tem mais de duas dezenas de obras publicadas e traduzidas em vários idiomas, mas ainda é pouco conhecido pelo público brasileiro. Originalmente lançado em 2008, a nova edição de Meus dois mundos tem tradução do crítico cultural Idelber Avelar, com paratextos dos professores e pesquisadores Florencia Guaramuño e Julio Premat. Você pode comprar o livro aqui.

Romance passa em revista as memórias de um jovem fascista na Espanha de Franco. 

Mariano Armijo, o protagonista e narrador de Madri 1940: Memórias de um jovem fascista, é um anti-herói perfeito: delator, ganancioso, carreirista, amoral, talvez psicopata. “Até onde chega essa criatura contraditória e perigosa na sua evolução social e mental é coisa que verá quem ler o livro”, avisa o autor, o premiado espanhol Francisco Umbral (1932-2007), tido como o mais raivoso autor das letras espanholas recentes. O romance, publicado originalmente em 1993 e um dos mais elogiados da vasta bibliografia de Umbral, marca a estreia do autor no Brasil, com tradução de Sérgio Molina. O enredo desta suposta autobiografia de um fascista, marcado pelo escárnio e pela ironia, começa logo depois da chegada do “generalíssimo” Francisco Franco ao poder ao fim da Guerra Civil espanhola e se estende até 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial. O autor, conhecido por romper com as convenções, os gêneros literários e até as boas maneiras, enreda o leitor pelos subterrâneos de Madri confundindo-o numa mistura de fatos e personalidades reais a eventos e figuras fictícias. Depois de uma temporada no interior, Mariano Armijo volta para uma Madri ainda não totalmente absorvida pelo franquismo. Sua intenção é fazer carreira literária ou mesmo política, uma vez que venera a utopia fascista do desaparecido líder de extrema direita José Antonio Primo de Rivera, fundador da Falange, cujo lema era “justiça e poesia”. Embora partidário do fascismo, Armijo despreza Franco, por sua submissão à Igreja Católica e por considerá-lo fraco e contemporizador demais em comparação a Adolf Hitler e Benito Mussolini. Armijo é favorável ao higienismo nazista e lamenta que a Espanha não tenha entrado na Segunda Guerra ao lado do Eixo. Mesmo assim, tenta ascender socialmente no cenário da vitória de Franco. As circunstâncias empurram Armijo para o jornalismo, plataforma ideal para quem se presta anonimamente a ser dedo-duro sem nenhum prurido ético — ao contrário, ele vê qualidade estética na delação. Seus alvos são os republicanos, vencidos na Guerra Civil, a quem ele chama de “vermelhos”, mas a “limpa” inclui também um rival literário ou alguém com quem divide uma de suas conquistas. A trajetória de Armijo passa por círculos intelectuais — em geral “vermelhos” — e relações com várias mulheres, entre elas María Prísca, marquesa da proscrita monarquia espanhola, cocainômana, amante de figurões da política, ou María de la Escolanía, rica, culta e católica, que sofre de tuberculose. Gradativamente, Armijo se cerca de mortos enquanto, além de mulherengo, revela-se necrófilo e pedófilo. Como o próprio Umbral descreve na introdução, Madri 1940 se desenvolve em três planos: as supostas memórias do jovem falangista, um mapa da repressão dos primeiros anos do franquismo e a crônica de uma vida cultural em processo de desaparecimento. Os porões do regime, que deixaram mais de 110 mil mortos, são o núcleo de um mapeamento da capital espanhola conforme a ditadura vai se aparelhando geograficamente. As nem sempre alegres vivências dos meios intelectuais se manifestam por meio da presença de personagens reais, como o poeta Camilo José Cela e a atriz Sarita Montiel. Publicação da editora Carambaia. Você pode comprar o livro aqui.

Os discursos de David Foster Wallace. 

Parece óbvio que todo ser aquático é afetado pelas condições em que a água está. Para o próprio animal, porém, isso está longe de ser evidente. Aquilo em que ele vive não precisa ser nomeado, distinguido como um elemento à parte. Quando David Foster Wallace, um dos maiores escritores recentes, foi convidado para discursar numa solenidade de formatura, ele quis assumir o papel de alguém que revelasse a um peixe: isso aqui, à sua volta, se chama água. Invertendo os principais clichês de uma cerimônia de colação de grau, o autor escancara para os jovens formandos a monotonia (mas também os desafios) daquilo por que, sem se dar conta, eles estavam envolvidos — o cotidiano das pessoas comuns, a vida dos que trabalham e cumprem suas obrigações. Desde seu pronunciamento em 2005, Isto é água se consolida como um pequeno clássico, ao mesmo tempo choque de realidade e convite a prolongar a formação durante toda a vida. O discurso, aqui, conta com tradução e apresentação do pedagogo brasileiro Gabriel Perissé. Publicação da É Realizações. Você pode comprar o livro aqui.

Rainer Maria Rilke além de Cartas ao jovem poeta e Elegias do Duíno.

O gosto pela comunhão das coisas — pão, pedra, vinho e rosa —, bem como pela vertigem da investigação interior, poderia nos fazer pensar em Rainer Maria Rilke como homem “acomodado” em sua Praga natal. Equívoco. Rilke foi incansável em suas andanças pela Europa, nas relações profundas que estabeleceu e no ímpeto incessante de tornar-se artista. Praga, Munique, Berlim, Florença, Trieste, Moscou, Paris: foi por esses caminhos que Rilke seguiu — de um século a outro; da paz à guerra e à paz de novo — até que, em 1920, visitasse pela primeira vez as cidades de Sion e Sierre, no cantão suíço de Valais. Cativado pela região, voltou em 1921 na companhia de sua amiga e amante, a pintora Baladine Klossowska (1886–1969). Prestes a irem embora de Sierre, avistaram o anúncio de aluguel e compra de um pequeno château medieval. A pedido de Rilke, seu benfeitor, o industrial Werner Reinhart, alugou e em seguida comprou o castelo. Trata-se do château de Muzot, em Veyraz (no Valais). Foi ali que “numa tempestade desmedida, num vendaval do espírito” Rilke escreveu, em verdadeiro transe criativo, as Elegias do Duíno, iniciadas em 1912, interrompidas pela Grande Guerra — e a tristeza — e finalizadas em poucos dias. De quebra, o poeta ainda compôs outra de suas obras mais perfeitas: os Sonetos a Orfeu. As quadras de Valais são agora traduzidos por William Zeytounllian e publicados pela editora Azul Cobalto. Você pode comprar o livro aqui.
 
Fernando Pessoa, o dramaturgo. Livro reúne seu trabalho que se fez marco do chamado drama estático. 

Uma donzela vestida de branco, morta em um caixão, na sala escura de uma mansão sombria, de onde se vê um pedaço de mar por uma janela estreita. Três mulheres misteriosas velam o cadáver e dialogam. As falas são obscuras, herméticas, pois fantasia e imagens enigmáticas mesclam-se de tal modo com a realidade que se torna difícil ou impossível separar sonho de experiência empírica. Tudo remete a uma dimensão simbólica, uma atmosfera fantasmagórica, em que há alusão a um marinheiro indistinto. O Marinheiro, segundo define Fernando Pessoa, é um “drama estático”, constituído por uma única cena. Publicado na revista Orpheu, em 1915, é produção da juventude do autor, quando ele se mostrava próximo da estética do Simbolismo. A edição que agora se apresenta ao leitor, na Coleção Clássicos Ateliê, contém o fac-símile da primeira edição e a transcrição fidedigna do texto, modernizada e anotada por António Apolinário Lourenço, professor doutor da Universidade de Coimbra, que também escreve um alentado estudo da obra, que a decifra e esclarece com agudeza e rigor. Você pode comprar o livro aqui.
 
Em novo romance, o mais provocativo, Sidney Rocha imagina um sujeito que é inferno como nós.

Inferno das repetições é o romance mais provocativo e inquietante de Sidney Rocha. Conta a história de Omar, vítima da biologia, da economia e do Destino, como todos nós. A tragicomédia se inicia quando a consciência e a existência começam um duelo para ver quem pode mais afetar e desorientar o pobre do personagem. Sim, trata-se de um romance sobre a passagem do tempo. O narrador põe em xeque as ideias de confiança e de memória. É um crédulo: para ele, há mais falsidade e dis­torção que verdade e clareza no mundo e na vida das pessoas. É também sobre a solidão. A solidão sozinha, a bem ou mal acompanhada, e da própria coletividade e da multidão. Tudo coexistindo num lugar onde as pessoas vivenciam suas guerras particulares, suas re­voluções sem ideal. Onde o Medo é uma razão sombria que as esmaga, como se fosse um crime a se repetir indefinidamente. Na perdição em que se movem dia após dia, num país no qual a esperança se converte numa farsa, os infernos não são subterrâneos. Estão na mobília, na superfície dos objetos, de todas as coisas.  Além do desassossego e da ironia, este é o romance de Sidney Rocha em que a linguagem alcança o maior grau de depuração. O novo e o surpreendente são mais do que adjetivos fáceis, são “entregas” da prosa que se esmera em desnudar e até em dissecar os seus perso­nagens por dentro e por fora. Omar, o sempre bem intencionado, a fugaz Violeta, o vaporoso Carlo a pragmática Nara, o amado Martin e até personagens impossíveis de se comentar aqui sem o risco de quebrar os mistérios deste romance, parecem ter mais alma que muita gente viva por aí. Constroem e destroem qualquer possibilidade de sursis ou purgatório nas relações. Tudo sob o véu mais covarde do mais covarde dos verbos: esquecer. Assim, para nossa salvação, tudo vira lava, pó e treva. Este inferno ou este país pontiagudo é um relato sobre o esquecimento do esquecimento. A falha. A interferência. O fracasso de todos os esquemas. O livro é publicado pela editora Iluminuras. Você pode comprar o livro aqui.
 
A história tocante de uma mulher que, em um momento crítico, descobre ter mais em comum com a mãe do que já foi capaz de imaginar.

A vida de Nerea não anda bem: o trabalho não a estimula, não tem tempo para a filha e sente que o casamento está ruindo. E um último golpe ainda a atinge: sua mãe, Luisa, é encontrada vagando pelas ruas com a memória gravemente comprometida. A partir de então, Nerea passa também a carregar o peso da culpa por não ter detectado a tempo mudanças no comportamento da mãe, algo que talvez pudesse ter evitado a crise que culminou com a hospitalização. Nas longas horas em que permanece ao lado da cama de Luisa, percebe o apego da mãe a uma lembrança da juventude que o esquecimento não dissipou: ela chama sem parar o nome Germán, alguém de quem Nerea nunca ouvira falar. Com isso, descobrirá um episódio fundamental na vida de Luisa, ao mesmo tempo que será forçada a enfrentar o próprio passado. As mãos da minha mãe, de Karmele Jaio, é um Best-seller da literatura basca desde o lançamento, em 2008. Recebeu inúmeros prêmios literários locais, como o Euskadi de Plata. Sua tradução para o inglês recebeu o English PEN Award em 2018. Com tradução de Fabiane Secches, o livro é publicado pela editora Instante. Você pode comprar o livro aqui.
 
Quase mil páginas de arquivos. O primeiro volume de um trabalho organizado pelo pesquisador estadunidense Kenneth David Jackson, professor da Yale University, com materiais de Pagu.

O jornalismo de Patrícia Galvão 1: Pagu e a Política (1929-1954) reúne os desenhos apresentados na Revista de antropofagia (1929) e os textos mais abertamente políticos ou de crítica social de Patrícia Galvão (1910-1962) publicados em diferentes periódicos brasileiros: O homem do povo (1931); Diário de notícias (1933); A noite (1942); Vanguarda socialista (1945-1946); Diário de S. Paulo (1946-1948); Jornal de São Paulo (1949-1950); Fanfulla (1950); A tribuna (1954). O volume também inclui documentos do processo a que Patrícia respondeu no Tribunal de Segurança Nacional (1936-1940) e trechos do documento de expulsão da escritora do Partido Comunista (1939). A obra ainda conta com prefácio de Geraldo Galvão Ferraz, também jornalista e filho da autora, que descreve suas lembranças sobre a relação da mãe com o trabalho jornalístico. O livro disponível apenas em formato digital sai pela Edusp. Você pode comprar o livro aqui.
 
Os versos e controversos da matemática no romance de estreia de Marcella Faria. 

A matemática é encantadora: podemos sonhar com sua universalidade, sua exatidão-precisão e com sua beleza estética — assim, seria natural que tudo e todos, em qualquer canto do mundo, aceitassem ser governados pelos seus preceitos exatos e inquestionáveis. Mas a matemática também é desnorteante e perversa: seus paradoxos distorcem lógica e certezas, sua incompletude violenta razão e crenças, seus jogos, linguagem e trapaças transtornam. E é com este conturbado pano de fundo que o belo livro de Marcella Faria, Números naturais, passeia. Nós, leitores, ficamos ludibriados com as vidas que se mostram paradoxais, com a cadência das palavras e histórias que distorcem certezas, com filosofias perversas. Um livro para importunar a universalidade do mundo — e da matemática?! Publicação da Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.

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Durante o recesso de final de ano, as edições do Boletim Letras 360º são reduzidas; saem sem as demais seções de costume.

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