Seis poemas de Natal pela pena de autores lusitanos
Por Pedro Belo Clara
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| Rudolf Bernhard Willmann, Árvore de Natal (detalhe) |
LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS
(David Mourão-Ferreira, Cancioneiro de Natal)
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
CHOVE. É DIA DE NATAL
(Fernando Pessoa, Poesias)
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal.
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
NATAL CHIQUE
(Vitorino Nemésio, Antologia Poética)
Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.
Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado...
Só esse pobre me pareceu Cristo.
NATAL
(Miguel Torga, Diários)
Foi tudo tão pontual
Que fiquei maravilhado.
Caiu neve no telhado
E juntou-se o mesmo gado
No curral.
Nem as palhas da pobreza
Faltaram na manjedoira!
Palhas babadas da toira
Que ruminava a grandeza
Do milagre pressentido.
Os bichos e a natureza
No palco já conhecido.
Mas, afinal, o cenário
Não bastou.
Fiado no calendário,
O homem nem perguntou
Se Deus era necessário...
E Deus não representou.
EM CRUZ NÃO ERA ACABADO
(Natália Correia, O Dilúvio e a Pomba)
As crianças viravam as folhas
dos dias enevoados
e da página do Natal
nasciam os montes prateados
da infância. Intérmina, a mãe
fazia o bolo unido e quente
da noite na boca das crianças
acordadas de repente.
Torres e ovelhas de barro
que do armário saíam
para formar a cidade
onde o menino nascia.
Menino pronunciado
como uma palavra vagarosa
que terminava numa cruz
e começava numa rosa.
Natal bordado por tias
que teciam com seus dedos
estradas que então havia
para a capital dos brinquedos.
E as crianças com a tinta invisível
do medo de serem futuro
escreviam os seus pedidos
no muro que dava para o impossível,
do medo de serem futuro
escreviam os seus pedidos
no muro que dava para o impossível,
chão de estrelas onde dançavam
a sua louca identidade
de serem no dicionário
da dor futura: saudade.
NOITE DE NATAL
(António Feijó, Antologia Poética)
a sua louca identidade
de serem no dicionário
da dor futura: saudade.
NOITE DE NATAL
(António Feijó, Antologia Poética)
[A um pequenito, vendedor de jornais]
Bairro elegante, — e que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu...
Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu.
A noite é fria; a geada cresta;
Em cada lar, sinais de festa!
E o pobrezinho não tem lar...
Todas as portas já cerradas!
Ó almas puras, bem formadas,
Vede as estrelas a chorar!
Morto de frio e de cansaço,
As mãos no seio, erguido o braço
Sobre os jornais, que não vendeu,
Em plena rua, que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
O pequenito adormeceu...
O pequenito adormeceu...
Em torno dele — ó dor sagrada!
Ao ver um círculo sem geada
Na sua morna exalação,
Pensei se o frio descaroável
Do pequenino miserável
Teria mágoa e compaixão...
Sonha talvez, pobre inocente!
Ao frio, à neve, ao luar mordente,
Com o presépio de Belém...
Do céu azul, às horas mortas,
Nossa Senhora abriu-lhe as portas
E aos orfãozinhos sem ninguém...
E todo o céu se lhe apresenta
Numa grande Árvore que ostenta
Coisas dum vívido esplendor,
Onde Jesus, o Deus Menino,
Ao som dum cântico divino,
Colhe as estrelas do Senhor...
E o pequenito extasiado,
Naquele sonho iluminado
De tantas coisas imortais,
— No céu azul, pobre criança!
Pensa talvez, cheio de esp’rança,
Vender melhor os seus jornais...
Ligações a esta post:
>>> No Natal de 2014, o Letras presenteou os leitores com esta outra seleção com poemas de poetas brasileiros e portugueses.

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