Epitáfios




“Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.”

A sentença descarnada é de um narrador bem conhecido da literatura brasileira, Brás Cubas, o homem que, do interior da sua lápide fabula suas memórias; e, porque escritas do além-vida, póstumas. É possível que o fio irônico que a sustenta não deixe de oferecer uma razão muito própria e séria; há no epitáfio qualquer coisa desse interesse universal e humano pela eternidade. E se só dado a alguns, uma perduração do nosso egoísmo.  

A celebração do dia dos mortos parece ser um ato útil por duas razões: reencontrarmo-nos como a ideia de que nossa vida não é eterna e fazer manter viva a memória do morto, que será esta a única eternidade que dispomos. Se fosse dar vazão a estes dois motivos eles se ampliariam e teríamos aqui um texto semiacadêmico pensando sobre a questão. O que não é nossa intenção.

Brás Cubas talvez acreditasse que nisso de memória repousa qualquer coisa de uma atitude de irmanação em torno do nosso fatalismo. Mas, é possível pensar que, se um traço de união, pode ser um dos mais autênticos.

A ideia para isso de “epitáfios literários” (ou seriam “epitáfios de escritores”?) ocorreu-nos diante da inscrição escolhida para o singelo memorial em nome de José Saramago: “Mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia”. A frase retirada de um dos romances mais quistos do autor português, que, aliás, fechou no mês de outubro passado exatos 30 anos de sua primeira edição, o Memorial do convento.

Os termos aí traduzirão bem o que o próprio escritor em vida esboçou: “Quando eu morrer, se se puser uma lápide no sítio onde eu ficar, poderá ser qualquer coisa assim: Aqui jaz, indignado, fulano de tal. Indignado, claro, por duas razões. A primeira por já não estar vivo, que é um motivo bastante forte para nos indignarmos. E a segunda, mais séria, indignado por ter entrado num mundo injusto e ter saído de um mundo injusto.”

Pensamos então, deixando um pouco os remorsos do morto Brás pela lateral, e sair à procura na web de epitáfios escritos por/para outros escritores. E o resultado é o que se publica abaixo:


Fernando Sabino
“Aqui jaz Fernando Sabino que nasceu homem e morreu menino.”

Álvares de Azevedo
“Foi poeta, sonhou e amou na vida.”

John Keats
 “Aqui descansa alguém que escreveu seu nome na água.”

Fernando Pessoa
“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em casa coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”
Ricardo Reis

“Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.”
Álvaro de Campos

“Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e flores.”
Alberto Caeiro

Machado de Assis

À CAROLINA

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, — restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Clarice Lispector
“Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria.”

Dostoiévski
“Em verdade vos digo que se o grão de trigo que cai na terra não morrer, é por si só, mas se ele morrer produz muito fruto.”

Oscar Wilde
“E lágrimas desconhecidas encherão para ele
 a urna da Compaixão, há muito trincada.
 Pois quem o pranteia são homens proscritos
 e esses choram sempre.”

A. Rimbaud
“Reze por ele.”

F. Scott Fitzgerald (deixado por ele)
“Estive bêbado e muitos anos depois me morri.”

Rainer Maria Rilke
“Rose, oh pura contradição, prazer de ser o sonho de ninguém sob tantas pálpebras.”


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