Por Benjamín Barajas
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Fumiko Enchi. Foto: Asahi Shimbun |
Fumiko Enchi (1905-1986) foi uma das escritoras mais
aclamadas da literatura japonesa no século XX por seu estilo “sutil, delicado e
preciso”, que lembra os ritmos suaves do lendário haicai, bem como a elegância
de um voo capturado na fina cerâmica ornamental típica das cerimônias do chá
servidas por uma gueixa contemplativa e melancólica.
Ela é autora de, entre outros romances,
Os anos da espera
(1957)
Máscaras (1958) e
Um conto da falsa fortuna (1965). No
primeiro, trata da vida de uma família tradicional japonesa durante o período
Meiji (1868-1912), auge do poder patriarcal, semelhante ao que ocorre
atualmente nas culturas da Península Arábica.
Nesse contexto, transcorre a vida de Tomo Shirakawa, uma
esposa exemplar, abnegada e submissa, a serviço do arrogante e mulherengo
Yukitomo Shirakawa, oficial da guarda política imperial, treinado em artes
marciais e um carrasco moderado dos membros do Partido Liberal, a quem espanca
regularmente, seja por conta própria ou por ordem do governo. Certa vez, ele
atira e mata um líder liberal antes de retornar, sereno e sorridente, para
tomar chá com a família.
Este senhor, descendente de antigos samurais de classe
média, ordena à esposa que encontre uma virgem de quinze anos para tomar como
concubina; exige que a jovem seja bela, discreta e perfumada como uma
flor-de-lis pousada na inocente superfície da água. E, apesar da evidente humilhação,
Tomo Shirakawa obedece ao mando do marido e se esforça para garantir que Suga
atenda os favores de Yukitomo; ela é uma jovem de origem humilde, vendida pela
sua família para permanecer como escrava até o fim de seus dias.
Mas a luxúria de Yukitomo cresce e, com o passar dos anos,
ele exige que a velha Tomo adquirisse outra cortesã depois de se envolver
sexualmente com a esposa de seu filho e outras mulheres que desfilaram por seu
harém, sem que a pobre Tomo abandonasse seu estoicismo natural, cimentado em
uma tradição milenar que associava mulheres a animais, objetos ou adornos
luxuosos.
Apesar desse aparente abandono às forças do destino, Tomo se
torna uma força moral, graças ao retrato psicológico tecido por Fumiko Enchi,
transformando-a gradualmente em uma figura digna e trágica, à altura dos
personagens do teatro grego clássico. Em contraste, à medida que a dor da
esposa é revelada em detalhes, o marido abusivo assume a qualidade de uma
criatura inescrupulosa.
Só dessa maneira é possível compreender plenamente as
últimas palavras de Tomo, expressando seu último desejo em seu leito de morte: “Quando
eu morrer, por favor, não quero um funeral. Basta que levem meu corpo para a
costa de Shinagawa e me joguem no mar.” Este é o seu grande protesto: atirar
seus restos mortais na cara do homem em ruínas que fora seu marido, que
estremeceu ao saber dos últimos desejos da esposa: “Por todo seu corpo
retumbaram os gritos com as emoções que sua esposa havia reprimido por quarenta
anos. E o grito foi tão forte que rompeu a arrogância de seu ser.”
Os anos da espera é um romance situado entre as
escolas de pensamento realista e psicológico. Além disso, baseia-se nas vozes
de mulheres do teatro grego e do feminismo do século XX para transmitir o
florescimento do protesto íntimo entre as mulheres japonesas. É uma obra
extraordinária.
* Este texto é a
tradução livre de “Un cadáver arrojado al mar: Los años de espera de
Fumiko Enchi”, publicado aqui, em El Universal.
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