A pequenez de um homem comum
Por Marcelo de Oliveira Villalba
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Sinclair Lewis. Foto: Edward Steichen |
Em inglês, para se referir ao que chamamos de pessoas comuns, aquelas que reúnem características, experiências e visão de mundo típicas do indivíduo médio, diz-se que elas são ordinary people. Em português, embora exista também esse sentido para a palavra “ordinário”, como nas expressões “acontecimentos ordinários” ou “reunião ordinária”, ao se referir a pessoas o adjetivo carrega sempre uma forte carga pejorativa. Quando qualificamos alguém como “ordinário”, queremos dizer que esse alguém, por seu comportamento e suas concepções, é reles, tacanho, grosseiro, chegando mesmo a ser considerado um mau-caráter. Se o sentido da palavra em inglês se ajusta ao protagonista de Babbitt, de Sinclair Lewis, por ele ser a encarnação dos valores medianos do cidadão americano, o sentido em português é ainda mais adequado para defini-lo. E mais: num tempo como o nosso, em que a experiência das classes médias no mundo inteiro tornou-se tão parecida em sua pasteurização, quando tantos desejam as mesmas coisas, divertem-se da mesma forma, refestelam-se na ignorância e no preconceito, o personagem de Lewis é atualíssimo e, agora, universal.
No belo texto que escreveu para o posfácio ao livro, o tradutor, Adriano de Paula Rabelo, chama a atenção para a forma como, pouco depois de sua publicação, o nome do personagem passou a ser utilizado, nos Estados Unidos, para identificar o típico americano de classe média, até passar, tempos depois, a ser escrito com inicial minúscula, tornando-se um substantivo comum. Um babbitt é uma pessoa não pensante, conservadora, provinciana, conformista, dada a repetir chavões. Em seus discursos, defende princípios éticos e morais que não pratica. Da mesma forma, exalta instituições como a família e a religião, dentro das quais sua ação é pautada por enorme hipocrisia. Também exalta a livre-iniciativa e a livre concorrência, mas somente para os membros de seu grupo. Por meio de Babbitt, Lewis faz a sociedade estadunidense olhar-se no espelho.

Outra observação arguta do tradutor diz respeito à atualidade do livro e de seu personagem principal, chamando atenção para o fato de que esse espelho mostra muito mais:
“Os Babbitts de hoje possuem telefones celulares de última geração, pertencem a bolhas ideológicas nas redes sociais, possuem desejos padronizados a partir do trabalho dos algoritmos, vivem relações descartáveis com as pessoas à sua volta, tratam mal seus subordinados e pessoas humildes com quem têm de conviver, sonegam impostos e realizam transações comerciais escusas sem que se pejem de fazer apologia de posturas éticas em seus discursos, acreditam em teorias conspiratórias, ostentam os mais desprezíveis preconceitos contra as minorias desprivilegiadas, falam e se comportam de maneira muito vulgar, admiram os bilionários vampirescos que hoje são incensados pelos meios de comunicação de massa... Tal como o Babbitt de Sinclair Lewis, vivem conformados ao mundo pequeno e tacanho que habitam.”
Lewis foi agraciado com o prêmio Nobel de literatura em 1930, sendo o primeiro escritor de seu país a receber a honraria. Curiosamente, não é um dos escritores norte-americanos mais conhecidos e incensados pela crítica. Porém, como a historiografia literária é cheia de idas e vindas, isso tende a mudar, em especial se levarmos em conta o quanto sua obra fala também ao nosso tempo.
Contudo, o que mais importa para o leitor comum é que, com esse livro, ele poderá desfrutar de uma leitura bem-humorada, vibrante e cheia de interesse, acompanhando a trajetória de um personagem que é como tantos sujeitos que conhecemos em nosso círculo de convivência e fazendo-o refletir sobre candentes questões contemporâneas.
O livro faz parte da prestigiosa coleção Clássicos da Literatura Unesp, com suas edições bonitas e bem cuidadas. Uma obra que não poderá faltar às boas bibliotecas e à coleção dos leitores afeitos à grande literatura. Embora seja um clássico das letras americanas, Babbitt é um livro de leitura fácil e transparente, que não exige muito esforço dos leitores comuns. É, enfim, uma publicação mais do que necessária no atual panorama editorial brasileiro.
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Babbitt
Sinclair Lewis
Adriano de Paula Rabelo (Trad.)
Editora Unesp, 2025
492 p.
Babbitt
Sinclair Lewis
Adriano de Paula Rabelo (Trad.)
Editora Unesp, 2025
492 p.
* Marcelo de Oliveira Villalba é graduado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de literatura e de língua inglesa no Ensino Médio.
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