Boletim Letras 360º #655

DO EDITOR

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Edimilson de Almeida Pereira. Foto: Carlos Mendonça



LANÇAMENTOS

A poesia completa do mineiro Edimilson de Almeida Pereira ganha edição em dois volumes.

É um instante de celebração oferecido pela Mazza Edições. A casa publica a obra do juiz-forano desde 1987 e foi responsável pela edição de alguns dos seus principais livros. Poesia & Agora - reunião organizada em dois volumes acondicionados numa caixa resgata títulos esgotados, estabelece a versão definitiva dos textos e os apresenta em ordem cronológica pela primeira vez. A obra traz posfácio assinado pela crítica literária e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, Carolina Anglada, que destaca a maneira como a obra do autor tensiona temporalidades e territórios, convidando o leitor a uma leitura arguta e sensível do mundo contemporâneo. Para Anglada, esta reunião de 28 livros da poesia de Edimilson de Almeida Pereira “pressupõe muitos agoras. Instantes que, pela potência de ruptura que carregam, têm o dom de mudar o antes e dar ao passado o sentido de um só agora. Reunidos, contemporizam os gestos da escrita, da publicação, da reescrita e da leitura, desconstruindo a ideia de um presente absoluto. O agora, porque decisivo, é 1985, ano da estreia de Edimilson de Almeida Pereira na poesia, com Dormundo, há quatro décadas. É ainda 2025, quando, por meio deste Poesia & agora, as obras anteriores, desde este encontro e das escolhas neste livro, são modificadas em nome do que está por vir.  Na esteira dos que tentaram imaginar um modo de ler e avaliar a atualidade, Edimilson de Almeida Pereira se aproxima, certamente, dos que focalizaram o intempestivo, tal como fez Nietzsche, sugerindo que o filósofo extemporâneo empunhasse a faca no peito das virtudes do tempo. Quando lemos Poesia e agora, o instante é turbilhão; temporalidade desordenada; exaltação que tem lugar subitamente. Nele o poeta trabalha as reminiscências menos como passado, e mais como um terá sido em contradição com as leituras mais comuns a seu tempo.” Você pode comprar o livro aqui.

François Mauriac expõe a preciosidade de sua escrita ímpar em um romance que reflete o pêndulo da moralidade cristã

Pressionado a se casar aos vinte e três anos, Jean Péloueyre se vê fadado a conviver com a rejeição de sua esposa por toda a vida. Todos, incluindo ele, o acham física e espiritualmente inadequado ao amor. Ainda assim, Jean deseja encontrar o sentido dessa relação mesmo quando tomado pela melancolia, já que morrer sem herdeiros significaria deixar sua fortuna para um primo desagradável. Por isso, ele insiste, com seu jeito discreto e autocrítico, em tornar o matrimônio um pouco menos trágico para Noémi d’Aratiailh. Noémi, por sua vez, enganou a si mesma com a promessa de casamento com um rapaz de boa família. Não demorou para se perceber sufocada por essa escolha, porém, como cristã devota, sabia que o divórcio era um pecado fora de cogitação. Assim, passou a se esforçar para desenvolver uma forma de amor que transcendesse as aparências. Conseguiu florescer uma compaixão pela figura vacilante do marido, mas, confusa entre a aversão a Jean e o dever religioso, abafar seus outros desejos carnais era ainda mais difícil. O beijo no leproso é um marco da maturidade literária de François Mauriac e expõe a preciosidade de sua escrita única, capaz de refletir e questionar o pêndulo da moralidade cristã. A tradução de Ivone Benedetti carrega para nossa língua o alto nível da prosa poética do escritor, uma referência irredutível da boa literatura francesa. Publicação da José Olympio. Você pode comprar o livro aqui.

Paul Lynch delineia com lirismo assombroso a desintegração do exterior de uma Irlanda distópica pelo prisma interior de uma personagem.

Ao atender a porta em uma noite escura, Eilish vê o marido, Larry, ser intimado para um interrogatório por membros da recém-formada polícia secreta do governo federal. O episódio se revela o início de uma noite mais longa e mais escura: Larry, vice-secretário-geral do Sindicato de Professores, não volta para casa, e o totalitarismo na Irlanda avança, gerando uma resposta de grupos rebeldes que desencadeia uma guerra civil. Eilish tenta proteger a família, entre a esperança do retorno à normalidade e a possibilidade de ir embora do país, com implicações definitivas. A paisagem interior da personagem, que Paul Lynch delineia com lirismo assombroso, espelha a desintegração do exterior: uma Irlanda distópica que soa como alerta inequívoco em tempos de erosão da democracia. A canção do profeta sai pela DBA; tradução de Rogério W. Galindo. Você pode comprar o livro aqui.

O romance de estreia de Nettie Jones publicado nos Estados Unidos em 1984 por Toni Morrison, então editora da Random House e que o considerava “extraordinário”

Um redemoinho de desejo, prazer e liberdade. Transitando entre a boemia de Nova York e a próspera comunidade negra de Detroit dos anos 1970, Lewis Jones é a personificação da independência e do caos. Aos trinta e poucos anos, vai com amigos a festas hedonistas regadas a champanhe e passa manhãs em lençóis de seda com um rol de amantes. A certa altura, sua vida desregrada é posta à prova por Brook, um homem cruelmente charmoso que não tolera ser controlado.  Histórias de uma garota malcomportada aborda temas como sexualidade e negritude, agência e exploração, individualidade e autodestruição a partir de experiências radicais da própria autora. A sátira sadiana de Jones chocou seus primeiros leitores e críticos, que chegaram a acusá-la de ser pornográfica, deixando a obra fora de circulação. Agora, a história de Lewis, considerada “brutal, desnorteante e deliciosa”, retorna aos holofotes em tradução de Nina Rizzi como uma obra muito à frente de seu tempo, e ainda capaz de tirar o fôlego das novas gerações de leitores, talvez menos pela tensão entre prazer e abuso que permeia o livro do que pelo estilo singular de escrita. Jones, mestre das metáforas, conduz sua narrativa fragmentada sempre em alta voltagem, desaparecendo com os respiros comuns ao gênero de modo eletrizante. Histórias de uma garota malcomportada faz o elogio da liberdade absoluta, descortina a violência e o desprendimento de tudo aquilo que se viu e se costuma esperar das comunidades negras. Trata-se de uma obra sobre as diversas possibilidades de exploração do corpo, que confronta o moralismo e faz de Nettie Jones uma escritora genial e de vanguarda. Publicação da editora Fósforo. Você pode comprar o livro aqui.

O décimo livro de poemas de Guilherme Gontijo Flores.

Panapaná é de uma obra contínua dividida em três partes seriais. Na primeira, “Muxima (Travellings)”, encontramos poemas de amor em versos longos e sonoros, que buscam construir cenas da vida de um par ao longo de vários anos, com afetos diversos que vão se transmutando em encontros, desencontros, desejos, partilhas e hesitações. Na segunda, “Monami (Partitas)”, o poeta desenvolve uma espécie de carta do Antropoceno para as crianças que ainda viverão os efeitos climáticos hoje apenas anunciados, numa vertigem de imagens, ritmos e sons que produzem uma verdadeira catábase afetiva. Por fim, na terceira série, “Araguyje ñemokandire (Primavera, ainda)”, depois dos amores e da devastação, podemos encontrar uma celebração primaveril da vida, mesmo diante do colapso anunciado. Como um todo, o Panapaná aposta na poesia para produzir uma comunidade de afetos diante da devastação em curso no presente; faz o mergulho nos amores, na terra e na dor para dali tentar emergir com uma pequena oferenda. Publicação da Ars et Vita. Você pode comprar o livro aqui.

Volodine constrói uma obra em que humor, violência e beleza se fundem com maestria.

Quando a morte se aproxima, imaginar é a última saída. Esta é a premissa do romance Viver dentro do fogo, obra mais recente de Antoine Volodine ― um dos nomes mais importantes da literatura francesa contemporânea ―, e que chega ao Brasil com tradução assinada por Julia da Rosa Simões. Mais do que um romance sobre guerra, é um tributo à potência criativa do ser humano. A partir da cena de um soldado prestes a ser atingido por uma bomba de napalm, Volodine constrói um mosaico de memórias inventadas e narrativas que desafiam a realidade: estepes ermas, clãs, banditismo, rituais xamânicos e figuras familiares fantásticas acompanham o protagonista na sua travessia entre a vida e a morte. Trata-se de uma explosão criativa que se torna um ato de insubmissão contra a finitude ― um manifesto pela criação, pois enquanto for possível criar, não estaremos inteiramente mortos. Entre o caos e o surrealismo, Volodine constrói uma obra em que humor, violência e beleza se fundem com maestria. Um romance ideal para leitores ávidos por distopias, relatos de um mundo já morto, metafísico e, sobretudo, histórias que mostram que, mesmo diante da morte, imaginar é o gesto mais radical. Publicação da editora Ercolano. Você pode comprar o livro aqui.

Originalmente publicado em 1954 e lançado pela primeira vez em língua portuguesa nesta edição eis um romance dos menos conhecidos de Shirley Jackson, mas não menos impactante

Elizabeth Richmond, ou Lizzie, sente dores de cabeça quase todos os dias. Cheia de tiques nervosos, é uma funcionária não muito exemplar do museu de Owenstown, onde passa o expediente conferindo listas de objetos e respondendo cartas sem grande importância. Avoada e com recentes problemas de memória, ela vive com sua tia Morgen num casarão decorado com bibelôs excêntricos. Aos poucos, no entanto, seus lapsos ficam mais graves, a realidade ao seu redor parece mudar, e ela passa a suspeitar que alguém tem acompanhado de perto todos os seus movimentos. Alguém que ela ainda não conhece, mas que lhe é estranhamente familiar. Poder ser Betsy, o demônio selvagem e depravado; ou Beth, jovem sensível que raramente dá as caras; ou até mesmo a petulante Bess, sempre aflita com a herança que um dia receberá da mãe. Conforme Lizzie, Betsy, Beth e Bess — suas diferentes personalidades — crescem e lutam entre si, o bom dr. Wright faz o que pode para trazê-la de volta à normalidade. Mas até ele corre o risco de ser manipulado por essas íntimas desconhecidas. À frente de seu tempo, neste contundente romance de terror psicológico, Jackson incorporou as descobertas da psicanálise e da psiquiatria na era pós-freudiana, em um universo que também dialoga com a luta feminista que marcou a segunda metade do século XX, em torno da autonomia e da identidade social das mulheres. Tradução de Débora Landsberg, O ninho do pássaro é publicado pela Alfaguara Brasil. Você pode comprar o livro aqui.

Os diálogos do jornalista Ricardo Viel com alguns dos nomes sempre encontrados no relevo da literatura em curso. 

Você seria menos feliz se não escrevesse? Você se preocupa em como as pessoas vão lembrar de você no futuro? O que a literatura lhe deu? Foram essas e outras perguntas que Ricardo Viel, jornalista e leitor apaixonado, fez a um time extraordinário de romancistas. O resultado são saborosos diálogos sobre o fazer literário e o ofício da escrita. “De tanto ler romances e perceber que eles lhe traziam mais dúvidas do que certezas, o autor deste livro decidiu ir atrás daqueles e daquelas que os escrevem para lhes fazer perguntas sobre os mistérios da criação literária.” É o que nos justifica Ricardo Viel na introdução deste Sobre a ficção, uma coletânea de entrevistas com alguns dos maiores ficcionistas da literatura contemporânea de línguas portuguesa e espanhola. Neste livro, que ganha agora nova edição pela Companhia das Letras, podemos acompanhar as longas conversas que Viel manteve durante anos com autores que lhe são próximos do coração, como Rosa Montero, Javier Cercas, Dulce Maria Cardoso, Juan Gabriel Vásquez, Bernardo Carvalho, Valter Hugo Mãe, Mia Couto, Milton Hatoum, Tatiana Salem Levy e Djaimilia Pereira de Almeida. Viel aborda não apenas conversas sobre o ofício como também indagações acerca da formação dessas figuras enquanto leitores, sobre a infância de cada um, suas frustrações e pretensões. A sabedoria, erudição e inteligência, tão características nas obras dos escritores, se fazem presentes nesta prosa informal, que nos faz lembrar das conversas de velhos amigos. Publicação da Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.

E se o crime perfeito não passasse de um enigma? Em Estudo em vermelho, Arthur Conan Doyle nos apresenta a estreia do lendário Sherlock Holmes em uma investigação labiríntica que alterou para sempre os rumos da literatura.

No fim do século XIX, um crime indecifrável impõe um desafio à polícia: um assassinato aparentemente não violento, uma mensagem escrita a sangue e nenhuma explicação. Enquanto a polícia se perde em hipóteses, Sherlock Holmes entra em cena e transforma o caso em uma simples questão de raciocínio: cada detalhe, por mais insignificante que pareça, esconde uma história, e as pistas acabam conduzindo a dupla Watson e Holmes por caminhos inesperados, indo do coração de Londres ao deserto norte-americano. Mais do que um romance policial, "Estudo em vermelho" revela a genialidade de Arthur Conan Doyle ao fundar o nascimento de uma lenda da literatura. Combinando inteligência, mistério, obsessão e vingança, o leitor é transportado para um quebra-cabeça repleto de deduções e revelações que podem ser a chave para desvendar um segredo ainda mais profundo. A edição da Antofágica conta com tradução inédita de Leonardo Alves e 40 ilustrações a guache do artista Guilherme Liduíno. A apresentação é assinada por Branca Vianna, e traz posfácios do escritor Tiago Valente, do professor Karl Erik Schøllhammer e do tradutor. Você pode comprar o livro aqui.

REEDIÇÕES
 
Nestes contos, Primo Levi parte de 21 elementos da tabela periódica — carbono, zinco, ferro, níquel etc. — para examinar a própria história.

Em A tabela periódica, publicado originalmente em 1975, o autor de É isto um homem? mostra que sua vocação de escritor-testemunha não se esgotou nas páginas de sua obra mais conhecida — aqui, aparece em contos autobiográficos inspirados por elementos químicos e que combinam ciência, memória e história. Os textos repassam, entre outros temas, seus anos de formação em uma família italiana de origem judaica, a descoberta da vocação como químico, as primeiras experiências profissionais, seu testemunho de horror e sobrevivência em um campo de concentração nazista e sua vida em uma Itália devastada pelo pós-guerra. Eleito em 2006 pela Real Instituição da Grã-Bretanha como o melhor livro de ciência da história, este volume é sobretudo uma reflexão literária e filosófica sobre a condição humana submetida aos limites do impensável. Tradução de Mauricio Santana Dias; publicação da Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.

RAPIDINHAS 

Pier Paolo Pasolini. A Cosac Edições publica ainda neste mês o primeiro de três volumes com peças de teatro do multiartista italiano. Orgia e Animal de estilo foram traduzidas por Maria Betânia Amoroso, Alvaro Machado e Claudia Tavares. 

Manuel Rojas. Uma nova tradução do romance Filho de ladrão, agora pelas mãos de Silvia Massimini Felix, sairá pela editora Pinard. 

Do ofício da poesia.
A Edusp publica um novo livro do poeta e crítico Fernando Paixão; a proposta é oferecer uma leitura acessível para os primeiros leitores em torno dos conceitos gerais da linguagem poética. 

Mais Carlos Drummond de Andrade. Sai pela Record, no âmbito do projeto de reedição da obra do poeta mineiro, mais três títulos: A paixão medida, com posfácio de Maria Fernanda Candido e Contos plausíveis, posfaciado por João Anzanello Carrascoza.

E, ainda no mesmo projeto… O terceiro título é Discurso de primavera e algumas sombras. Os dois primeiros já estão disponíveis nas livrarias e este, que traz posfácio de Micheliny Verunschk, sai em outubro.

Paul Laurence Dunbar. Com tradução de Henrique Fatel, a editora Nauta traz aos leitores brasileiros Canções de sol e sombra, de uma das vozes mais originais da virada do século XIX nos Estados Unidos.

DICAS DE LEITURA

1. A luz difícil, Tomás González (Trad. Joana Angélica de Melo, Bertrand Brasil, 126p.) O difícil relato de um pai acerca do suplício de uma família às voltas com a procura de uma oportunidade de executar a eutanásia do filho mais velho. Você pode comprar o livro aqui

2. Piscinas russas, Renata Belmonte (Tusquets Editores, 352p.) A partir de um segredo descoberto ao acaso uma multiartista estadunidense mergulha num fluxo de consciência à procura de desvendar as sendas de seus enigmas por entre três gerações e duas famílias. Você pode comprar o livro aqui

3. As oito montanhas, de Paolo Cognetti (Trad. Adriana Aikawa, Intrínseca, 256.) Três décadas de uma amizade que transforma definitivamente a vida de Pietro depois de conhecer a vida na montanha, longe da solidão urbana. Você pode comprar o livro aqui

DUAS PALAVRINHAS

A literatura é mais importante do que a política
–– Hisham Matar


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