Palmeiras selvagens, de William Faulkner: notas de leitura
Por Vinícius de Silva e Souza
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Helen Frankenthaler, The Bay, 1963 (detalhe) |
Li O som e a fúria em julho de 2022 e, por mera coincidência, Absalão, Absalão! no mesmo mês, dois anos depois. Agora, no mês sete deste ano, pego Palmeiras selvagens na minha estante como se para manter a tradição de todo inverno: ler um grande romance de William Faulkner.
Creio ser difícil dizer qual desses livros me provocou maior fascínio: se as múltiplas vozes fantasmagóricas de Absalão, Absalão!, se a desordem brutal de O som e a fúria ou a forte calmaria do mais recente. Sei que força é aqui a palavra da vez. Mesmo que em momento algum as narrativas que constituem esse livro — “Palmeiras selvagens” e “O velho” — se cruzem, esse é o cerne dessa obra mais madura do autor: a força.
E não deixa de ser surpreendente como em tão pouco tempo Faulkner foi capaz de produzir uma sequência de romances tão grandiosos. Nenhum desses que eu li escapa da pequena redoma que chamo de “literatura com L maiúsculo”: viscerais, potentes e profundamente humanos. E que belo trabalho a Companhia das Letras tem feito ao reeditá-los, embora eu continue a gostar mais das edições da finada Cosac Naify.
Mesmo tendo dito que a reunião das duas narrativas se dá apenas por elas “não possuírem tamanho suficiente para cada uma ser um livro separado”, é difícil acreditar que o escritor as tenha reunido ao mero acaso, uma vez que a força obstinada do condenado no rio Mississippi traz paralelos com a mesma obstinação de Wilbourne e Charlotte. Há um bebê indesejado, quase um estorvo, na narrativa que o condenado conta e também no clímax da história do jovem casal.
As duas histórias então, que parecem, a princípio, se cruzarem narrativamente, findam por se entrelaçar, por outros caminhos, de maneira mais aprofundada, em suas temáticas e em elementos mais ímpares. Mesmo o final de cada um desses dois fios é assemelhado: os destinos de Wilbourne e do condenado.
O que intriga então, nesse caso, é a específica distância de dez anos entre essas histórias. Poderiam facilmente transcorrer em um mesmo período histórico, mas por que uma década entre a enchente do rio Mississippi e o encontro de Will e Charlotte? Encontro esse que lança os personagens em uma jornada de fragilidades e percalços: Will é calmo e resiliente na mesma medida em que Charlotte é dotada de uma peculiar intransigência e espirito livre.
Por diversos momentos esquecemos que essa mulher já possui dois filhos, um marido, mas abandona tudo para viver com um jovem que acabou de conhecer. O mundo parece lhe dizer não mas ela teimosamente responde sim. E, como um bom leitor de outro William, o Shakespeare, que William Faulkner era, o resultado de tudo isso é, como de costume, trágico.
Se não possui a mesma força bruta de Absalão, Absalão! e de O som e a fúria, Palmeiras selvagens é um romance que fascina e transcende em sua temática; Faulkner transcende em sua (costumeira) bela prosa e na profundidade humana de suas narrativas. Certamente uma das melhores leituras desse ano de um dos melhores romancistas que li até então.
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