Boletim Letras 360º #670

DO EDITOR

Caro leitor, 

É chegada a hora do nosso recesso de final do ano. Regressamos às atividades normais a partir 23 de janeiro de 2026. Até lá, as publicações por aqui serão esporádicas e as edições deste boletim sairão mais enxutas, deixarão de oferecer as comuns seções de dicas. Quer ficar por dentro de tudo? Entre para o nosso grupo no Telegram.

Aproveitamos o espaço para divulgar que muito em breve divulgaremos a chamada para novos autores que queiram integrar o grupo de colaboradores com o nosso projeto. Enquanto isso, se você possui esse interesse, prepare seus materiais. Saiba mais da nossa linha editorial e de como organizar seus textos aqui. Ah, e se conhece alguém que gostaria de ler em nossas páginas, já avisa do nosso interesse! 

Agradecemos pela companhia e esperamos continuar ao seu lado pelo nosso 19º ano na web; sua presença é a base essencial para a existência do Letras. Não importa como. Na leitura deste e de outros materiais apresentados aqui, no comentário e na partilha nas redes sociais, no apoio financeiro através das aquisições usando o nosso link da Amazon. Obrigado por tudo!

Que possamos conviver com novos projetos, interesses e realizações em 2026. Excelentes festas com tudo do melhor que você deseja e merece.

Toni Morrison. Foto: Nicolas Guerin



LANÇAMENTOS

Único conto de Toni Morrison, livro retrata a amizade de duas meninas na infância e os conflitos raciais que se impõem a elas quando se reencontram ao longo da vida.

Twyla e Roberta se conhecem no abrigo de crianças e jovens St. Bonaventure, onde vivem por quatro meses enquanto esperam as respectivas mães estarem aptas a cuidarem delas novamente. Logo as duas se tornam inseparáveis, tanto pelos interesses ― e problemas ― comuns à idade como pela consciência de que, ao contrário dos outros internos, elas logo voltariam às suas casas. A amizade, porém, não perdura. Uma vez separadas, Twyla e Roberta se reencontram por acaso em três ocasiões distintas, primeiro jovens e depois adultas. Apesar das diferenças claras entre as duas, que perpassam não só conflitos raciais mas também de classe, há o laço incontornável da infância e do companheirismo em um dos períodos mais difíceis da vida delas. Recitatif traz duas personagens, uma negra e outra branca, sem dizer claramente qual personagem é qual. As falas e experiências das duas podem até dar a quem lê a impressão de diferenciar uma da outra, mas Morrison jamais confirma nenhum palpite. A ambiguidade da identidade e do que são considerados “códigos raciais” é explorado aqui com a maestria de uma das maiores escritoras de todos os tempos. Publicação da Companhia das Letras; a tradução é de Floresta e o livro inclui posfácio de Zadie Smith. Você pode comprar o livro aqui.

Um órfão, filho de imigrantes iranianos, guiado pelas vozes de artistas, poetas e reis ecoando em sua mente, embarca em busca de um segredo de família que o leva a uma artista plástica com câncer terminal, no Museu do Brooklyn. Com profundidade, bom-humor e originalidade, Mártir! é a estreia de Kaveh Akbar. Cyrus é um jovem poeta, alcoolista, que vive às voltas com sua herança de violência e perdas: o avião em que a mãe estava foi abatido pelo exército americano em um ataque sem sentido, e a vida do pai nos Estados Unidos foi marcada pelo trabalho pesado num abatedouro industrial de galinhas. Obcecado pela figura dos mártires, Cyrus começa a investigar os mistérios de seu passado, que o levam em direção a um tio que cavalgava pelos campos de batalha iranianos vestido como o Anjo da Morte para inspirar e confortar os moribundos, e em direção à própria mãe, por meio de uma pintura descoberta milagrosamente em uma galeria de arte do Brooklyn, que sugere que ela talvez não fosse quem parecia ser. Mártir! foi finalista do Prêmio National Book em 2024. Com tradução de Layla Gabriel de Oliveira, o livro é publicado pela editora Rocco. Você pode comprar o livro aqui.

Uma visita à memória e outros meandros da criação de Joseph Brodsky. 

Joseph Brodsky antes deste livro era conhecido e reconhecido, entre nós, como o maior poeta vivo de língua russa. Com este livro, revelou-se um grande prosador em língua inglesa. Uma parte de Fuga de Bizâncio é composta por textos de memória, centrados em Leningrado. São escritos de extraordinária intensidade e sobriedade: a evocação de uma cidade que é, antes de tudo, uma categoria do espírito, entrelaçada ao relato de uma juventude na Rússia do pós-guerra, marcada por uma dilacerante precisão. E, junto a isso, o memorável retrato dos pais, que parecem condensar em suas figuras o sofrimento mudo da Rússia neste século. O Brodsky poeta nos fala, em seguida, em duas homenagens a Óssip  Mandelštam e a W. H. Auden, que estão entre o que de mais iluminador já foi escrito sobre esses dois autores. Por fim, na longa prosa que dá título ao volume — e que é também uma fuga no sentido musical do termo — Brodsky se lança em uma febril reflexão sobre a história da civilização, que toca o imperador Constantino e o Islã, a história da Rússia e a natureza do tempo — para citar, ao acaso, apenas alguns dos inúmeros temas que se sobrepõem nesse ensaio. Poeta metafísico, Brodsky nos oferece nestas páginas um exemplo de prosa metafísica, onde uma surpresa e uma percepção inesperada nos aguardam a cada frase. Com tradução de Giovani T. Kurz, o livro é publicado pela editora Âyiné. Você pode comprar o livro aqui.

Quem será o misterioso prisioneiro que tanto ameaça os frágeis alicerces do reinado de Luís XIV e se tornou uma das grandes lendas históricas da França? Neste último volume do ciclo O visconde de Bragelonne, Dumas dá fim à saga que transformou o imaginário ocidental.

Numa prosa eletrizante e cheia de suspense, Alexandre Dumas ficcionaliza uma figura que encarna anseios de justiça e mudança numa França monárquica em franca decadência: o homem da máscara de ferro. Por trás do disfarce imposto, desponta um personagem inteligente, sensível e digno, em oposição à vaidade e autoritarismo de Luís XIV, que pode mudar tudo. Com Aramis comprometido em empreender uma arriscada missão com o enigmático prisioneiro, o volume mais conhecido e adaptado para cinema de O visconde de Bragelonne é também a derradeira despedida dos leitores do quarteto fantástico da literatura ocidental. O que será de Aramis, Porthos, Athos e D’Artagnan depois de tantas aventuras quando a lealdade, a honra e a coragem vão perdendo lugar numa sociedade que caminha para um aburguesamento brutal? Dumas, com muita emoção e drama, selará seus destinos. Com tradução de Jorge Bastos, O homem da máscara de ferro sai pela Zahar. Você pode comprar o livro aqui.

O que acontece quando o corpo de uma mulher traduz os dilemas de uma nação? 

Publicado originalmente em 1996, Pesquisa de campo sobre o sexo ucraniano acompanha o relacionamento conturbado entre uma poeta, Oksana, e um ambicioso escultor, Mykola K, que vivem entre os Estados Unidos e a recém-independente Ucrânia. Em meio à dor do rompimento e à análise do comportamento abusivo do parceiro, a narradora amplia seu olhar para padrões opressivos sociais, culturais e sexuais herdados de sua história nacional, revelando as correntes que a moldaram enquanto mulher ucraniana. O livro se desdobra numa análise pungente das estruturas do desejo, do abuso e da alienação, revelando como a intimidade é inseparável dos traumas nacionais, do legado colonial russo e das marcas do patriarcado, tanto privadas quanto coletivas.  Na época do lançamento, o livro causou enorme repercussão na Ucrânia, com debates acalorados sobre moralidade e literatura, especialmente devido ao modo como a autora examina, a partir da linguagem corporal da mulher, traumas históricos do país e o papel da mulher sob opressão patriarcal e totalitária. Desde então, o romance se consolidou como símbolo de emancipação para a primeira geração de mulheres da Ucrânia independente, sendo chamado até de “Bíblia do feminismo ucraniano”. Traduzida para mais de vinte idiomas, e até agora inédita no Brasil, a obra-prima de Oksana permaneceu por mais de dez anos entre os livros mais vendidos do país e mantém-se, até hoje, como um grande livro cult, integrante da lista das cem maiores obras da literatura ucraniana, segundo a PEN Ucrânia. Publicação da editora Carambaia; tradução de Emílio Gaudeda. Você pode comprar o livro aqui.

Quando o verão amadurece é um compilado de textos de Violante Saramago Matos redigidos a partir da observação atenta de cenas do cotidiano e dos noticiários

Com uma escrita ora delicada, ora crítica, a cronista portuguesa tece reflexões a respeito da necessidade urgente de repensarmos a forma como nos relacionamos com o próximo e com o meio que habitamos. Com base em vivências, encontros e constatações feitas da varanda de sua casa, Violante estabelece um chamado para que construamos outro tempo neste tempo. E, como não poderia deixar de ser, ainda dedica algumas páginas para evocar a memória de seus pais, a artista plástica Ilda Reis, e o vencedor do Nobel de Literatura, José Saramago. Nesta coletânea, a autora convida o leitor a contemplar o presente, enxergar o mundo com mais empatia e agir com mais intenção, para que, a cada palavra convertida em gesto, possamos amadurecer de forma mais plena e humana. O livro é publicado pela Editora Rua do Sabão. Você pode comprar o livro aqui.

Itinerários pela Amazônia no século XIX. 

Em meados do século XIX, a Amazônia atraía viajantes de diferentes perfis, de nobres e milionários a naturalistas de primeiro time. A região estava no centro de uma acirrada disputa, em que atuavam o Império brasileiro, as nações que compartilhavam a floresta e países como Estados Unidos e Inglaterra. Foi nesse contexto que o artista hispano-americano Nicolau Huascar de Vergara atravessou a região, por terra e por rio, de dezembro de 1860 a julho de 1861. No ano seguinte, publicou O Amazonas, um relato de sua viagem, no principal jornal de São Paulo, cidade onde passou a viver. Neste livro, os limites entre ficção e relato verídico são muitas vezes borrados, e o relato traz muitas perguntas ainda sem resposta: por que o narrador empreendeu a viagem? Aonde pretendia chegar? Qual seu ponto de partida? Por outro lado, o texto traz referências geográficas precisas. Graças a elas, é possível refazer o percurso da viagem de mais de 4 500 quilômetros desde algum lugar na cordilheira dos Andes até Belém do Pará, atravessando povoações ribeirinhas, rios e matas em trilhas abertas pelos indígenas. Huascar de Vergara não era naturalista, militar ou comerciante. É conhecido sobretudo por sua atuação como ilustrador, caricaturista, pintor e cenógrafo. Sua narrativa — até hoje praticamente esquecida — não vê os indígenas como inferiores. Com isso, opera uma mudança de foco curiosa e pouco comum naqueles anos de grande força do discurso racial de fins do século XIX. Desde os primeiros relatos de viagem pela Amazônia, a região encanta e seduz, com suas riquezas conhecidas, potenciais e também imaginadas. Ler o relato de Huascar de Vergara é uma viagem ao passado da floresta e traz a possibilidade de contar a história de um lugar que tem sido objeto de disputa internacional há séculos e que hoje, mais do que nunca, está no centro das discussões sobre a preservação da vida no planeta. Publicação da Chão Editora; o livro é organizado por Heloisa Barbury e Leticia Squeff. Você pode comprar o livro aqui.

REEDIÇÕES

Mais um título na reedição da obra de Maria Valéria Rezende. 

Em O voo da guará vermelha, Maria Valéria Rezende revela como a palavra pode ser abrigo e possibilidade de transformação em meio à miséria e ao apagamento social. Mais que uma história de sobrevivência, a autora mostra como personagens de vivências comuns e precárias podem, juntos, reencontrar a dignidade e a promessa de horizontes mais amplos. Rosálio, pedreiro analfabeto, chega à cidade trazendo consigo uma caixa repleta de livros, apesar de nunca ter aprendido a ler. Irene, prostituta de saúde frágil, conhece as letras precariamente, mas o bastante para ensiná-las. Do primeiro encontro entre esses dois personagens, fadado a ser único e passageiro, nasce uma relação imprevista: Irene passa a ler, ouvir e escrever as histórias de Rosálio, enquanto ele oferece narrativas de sua vida, misturando lembranças, lendas e experiências. Mais do que companheirismo, o vínculo que formam é uma fonte de força — em um ambiente de abandono e solidão, descobrem no outro um espaço de acolhimento e esperança. Reconhecida como uma das vozes mais originais da literatura brasileira, Maria Valéria Rezende reconstrói em O voo da guará vermelha o ritmo da fala popular, as marcas da memória coletiva e o desejo de justiça social. O livro é reeditado pela Alfaguara Brasil. Você pode comprar o livro aqui.

RAPIDINHAS 

Sem Gerardo de Mello Mourão. As Edições Cosac iniciaram com a novidade de que publicariam a obra do poeta. Agora, comunicaram, sem justificativas claras, que desistiram do projeto. Tratou-se, diz o comunicado, de “razões editoriais”. Quais? Talvez algum dia saibamos. 
 
Cães e gatos na literatura brasileira 1. As Edições Maralto publicaram as duas antologias organizadas por Rogério Ramos com contos, crônicas e fragmentos de outros textos em prosa de autores brasileiros dedicados a destacar o protagonismo de cães e gatos. 

Cães e gatos na literatura brasileira 2. Nas Histórias brasileiras de cães constam, dentre outros, Albano Martins Ribeiro, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Domingos Pellegrini, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Luiz Vilela, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Rachel de Queiroz, Raul Pompeia, Ricardo Ramos, Rubem Braga e Zélia Gattai. Já em Histórias brasileiras de gatos, além desses nomes, estão ainda autores como Milton Hatoum, Ferreira Gullar e Otto Lara Resende.

Nova edição na Coleção Libro & Libreto. Sai pela Zain a novela de Thomas Mann A morte em Veneza; numa caixa, o leitor também acessa ao liberto da ópera homônima do compositor Benjamin Britten, de 1973 e dois posfácios escritos por João Silvério Trevisan e Dieter Borchmeyer. Em 2026 a obra do escritor alemão cai em domínio público.
 
Novo romance de Natércia Pontes. Está previsto para março de 2026, pela Companhia das Letras, Vida doçura, um livro que volta ao assunto da maternidade e do luto na infância, conforme adiantou a escritora no texto “Luto de mãe”, na revista Cult de agosto deste ano.

DICAS DE LEITURA

1. Consigo inventar tudo, de Julia Barandier (Diadorim, 94p.) Tomada pela obsessão por um pintor seu antepassado que viveu no Rio de Janeiro com a missão francesa, Luísa recria pela invenção uma narrativa que usa o arquivo artístico para encontrar o conteúdo das lacunas que a história insiste não revelar. Você pode comprar o livro aqui

2. Tarde, de Olavo Bilac (Ateliê Editorial, 224p.) Na passagem do 160º aniversário de um dos nossos mais importantes nomes da poesia, este livro que marcou um ponto alto na sua obra reúne poemas em que poeta revisita temas como o amor, o envelhecimento, a morte, a fé, e o próprio fazer poético. Você pode comprar o livro aqui

3. Simpatia, de Rodrigo Blanco Calderón (Trad. Raquel Dommarco Pedrão, Incompleta, 240p.) Uma revisitação tragicômica sobre o imaginário mítico-histórico venezuelano e as vidas daqueles que sobrevivem à própria sorte em um país que esqueceu seu povo em nome das ideologias e interesses dos que estão no poder. Você pode comprar o livro aqui

VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS

Múltiplos Verissimos. Foi o que conseguiu capturar os diretores Fernando Sabino e David Neves e registrar através do curta-metragem Erico Verissimo: um contador de histórias, que aqui voltamos a recordar, agora, na passagem dos 120 anos do nascimento do escritor gaúcho celebrados no dia 17 de dezembro. 

BAÚ DE LETRAS

E no 16 de dezembro de 2025, passaram-se os 250 anos do nascimento de Jane Austen. Recobramos quatro publicações encontradas no nosso arquivo. Em 2013, replicamos este texto de Sandra Vasconcelos; quatro anos à frente dois textos, este acerca da ideia de fama na prosa romanesca da escritora e este acerca da já reiterada relação casamento versus dinheiro. O mais recente explora algo do perfil das heroínas de Austen. 

Ainda Erico Verissimo. Do nosso arquivo do Letras, esta matéria de setembro de 2008: a reprodução de uma entrevista ao autor de O tempo e o vento conduzida pela amiga/ comadre e também exímia escritora Clarice Lispector. 

DUAS PALAVRINHAS

Poesia pode ser que seja fazer outro mundo.

— Manoel de Barros

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Com licença poética, a poeta (e a poesia de) Adélia Prado