Sigrid Undset
Por Alfonso Basallo
Escandinávia, século XI. Um impulsivo marinheiro islandês chamado Viga-Ljot apaixona-se pela jovem norueguesa Vigdis, que retribui o seu amor, mas ele aproveita-se dela e viola-a. Os seus caminhos logo se separam; a jovem dá à luz um filho, supera circunstâncias terríveis e consegue restaurar a honra da família. Nutre um desejo de vingança contra Ljot, mas, como admitirá após o trágico final do romance, “amei-o mais do que qualquer outro homem”.
Na vida agitada do marinheiro, cheia de perigos e aventuras, a memória de Vigdis nunca se apaga completamente. Essa memória e o seu arrependimento transformam-no gradualmente, levando a um desfecho fatal que sela uma história comovente na qual Ulvar, o filho deles, desempenha um papel fundamental.
Na vida agitada do marinheiro, cheia de perigos e aventuras, a memória de Vigdis nunca se apaga completamente. Essa memória e o seu arrependimento transformam-no gradualmente, levando a um desfecho fatal que sela uma história comovente na qual Ulvar, o filho deles, desempenha um papel fundamental.
Sigrid Undset (1882-1949), autora de Fortællingen om Viga-Ljot og Vigdis (1909)¹, é universalmente conhecida pela trilogia de romances medievais que compõem Kristin Lavransdatter (1920-1922), ambientada na Noruega do século XIV. É um dos grandes romances históricos do século XX, juntamente com Eu, Cláudio (1934), de Robert Graves, O egípcio (1945), de Mika Waltari e Memórias de Adriano (1951), de Marguerite Yourcenar. O que todos esses romances têm em comum: serviram para renovar o estagnado romance histórico do século XIX, despojando-o de clichês e infundindo-lhe maior realismo, graças a uma exaustiva documentação.
O conjunto da obra de Sigrid Undset rendeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1928, devido ao seu fiel retrato da Escandinávia medieval, à originalidade de seu ponto de vista feminino (parte da voz narrativa de suas obras estão centradas em narradoras) e à sua qualidade literária. Como disse o diretor do comitê à altura do anúncio, Kristin Lavransdatter (1920-1922)² é um novo poema épico, a “Ilíada do Norte”.
Mas em Fortællingen om Viga-Ljot og Vigdis, um romance curto escrito doze anos antes da trilogia de maior sucesso, os motivos e constantes aí encontrados já estavam em sua infância. A narrativa nos transporta, através dos amores trágicos de Vigdis e Ljot, para uma terra semicongelada onde a vida tem pouco valor, as dívidas de honra são pagas com sangue e a brutalidade e a arrogância dos homens coexistem com a personalidade e a astúcia das mulheres.
Na Escandinávia medieval, o cristianismo — representado pela figura do monarca Olav, uma figura histórica que aparece no romance — abriu caminho entre os costumes pagãos que ainda sobrevivem nas áreas rurais. De fato, o leitmotiv do romance é a tensão entre vingança e perdão.
Uma tensão à qual, diga-se, a própria Undset não era estranha: seu marido a abandonou com três filhos, e ela ainda precisou cuidar de outras três crianças que ele trouxe de um casamento anterior — desses, dois de seus filhos nasceram com deficiências mentais.
Mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, ela testemunhou a execução de seu primogênito; perseguida pelos nazistas, após se juntar à Resistência Norueguesa, fugiu para os Estados Unidos, passando pela Rússia, Sibéria e Japão, em uma odisseia incrível que parece saída das páginas de Vigdis, em que a protagonista foge pela floresta com seu filho, assediada por seus inimigos e lobos. E todas essas calamidades foram enfrentadas amparada por sua fé católica; Undset se converteu ao catolicismo em 1924.
O estilo de Fortællingen om Viga-Ljot og Vigdis imita a linguagem das sagas medievais, até mesmo seu vocabulário barroco, o que confere à história o sabor de um conto arcaico, narrando muitos eventos, com poucas descrições, em capítulos curtos. E, no entanto, por meio das ações e diálogos, as personalidades dos personagens e suas lutas internas são claramente refletidas, o que coloca este romance ao lado dos modelos de corte psicológico modernos.
Nesse sentido, a grande inovação de Sigrid Undset reside no fato de narrar a história viking de uma perspectiva distinta daquela das sagas, mostrando as jornadas interiores de personagens femininas fortes como Vigdis, mas também de outras como Æsa, Gudrun e Leikny (a mulher com quem o marinheiro Ljot se casa). Cada uma representa a mulher desempenhando papéis diferentes na sociedade nórdica.
Como aponta Iris Lobo Muñiz,³ as mulheres “podiam desempenhar um papel fundamental na gestão de recursos (não surpreendentemente, elas frequentemente ficavam no comando das fazendas enquanto os homens embarcavam em incursões de pilhagem ao longo da costa europeia)” e também exercer alguma influência como conselheiras na política local, como pode ser visto no caso de Vigdis.
Sigrid Undset publicou excelentes romances com temas contemporâneos ao longo de sua vida, como Den brændende busk (1930) e Ida Elisabeth (1932), mas foi o ciclo medieval que lhe trouxe aclamação universal. Além de Fortællingen om Viga-Ljot og Vigdis e Kristin Lavransdatter, ela também escreveu a tetralogia Olav Audunssøn (1925-1927),⁴ outra saga monumental ambientada na Noruega do século XIII.
Notas da tradução
1 Existe uma tradução em língua portuguesa publicada em Portugal feita por H. Ferreira Alves e publicada como Vigdis, a indomável pela extinta Estúdios Cor; essa mesma edição reaparece como parte de uma coleção do jornal Diário de notícias, no início dos anos 2000.
2 Trata-se de uma trilogia formada por Kransen (1920), Husfrue e Korset (1922).
3 Iris Lobo Muñiz é, juntamente com Kristina Solum, a autora da tradução de Fortællingen om Viga-Ljot og Vigdis para o espanhol, La saga de Vigdis (Ediciones Encuentro, 2022).
4 A tetralogia foi publicada em dois volumes: Olav Audunssøn i Hestviken (1925) e Olav Audunssøn og hans barn (1927).
* Este texto é a tradução livre de “La saga de Vigdis, de Sigrid Unset”, publicado aqui, em Nueva Revista.
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