Respirar
Por Tiago D. Oliveira
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| Claire Desjardins. Respirar |
Deram as mãos e ficaram em silêncio. A proposta era aguentar por três minutos, um de frente para o outro. Luíz Melodia cantou: “Se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais.” Ele transformou em música uma deixa, uma prova de generosidade. Saber é dividir; só assim tem sentido. Um caminho. Sim, porque tatear a experiência humana e descrevê-la sem desperdícios talvez seja mais uma questão de voltar a senti-la do que simplesmente seguir o fluxo. Respirar é o primeiro passo.
Cientistas da NASA descobriram que a crosta terrestre sobe e desce cerca de 1 cm ao ano. Esse movimento acontece devido à redistribuição das águas e do gelo, o que chamam de “oscilação glacial isostática”. Como se o planeta respirasse. Respirar é insistir. Arriscar a todo custo: a mais pura prova de vida. É também mandar um recado. E tantos são passados diariamente, mas não nos atentamos para o perigo que é viver sem se dar conta. “Quando se vê, já são 6 horas: há tempo. Quando se vê, já é sexta-feira. Quando se vê, passaram 60 anos” — escreveu Mario Quintana em um poema chamado “O tempo”. O tempo também envia recados, mas apenas um se faz império: “isso também passa”.
E de repente estamos diante da retirada do Véu de Ísis. O mais profundo deste mundo é o comum; as coisas se acostumam a serem vistas como banais, mas a lógica do mistério está em respirar. É o recado mais poderoso e inevitável. É que não percebemos. Esquecemos. Todas as criaturas que coexistem sabem, de forma instintiva, que a mudança é a constante mais verdadeira que existe. Na Europa, durante a Revolução Industrial, pagava-se a uma pessoa que acordasse cedo e, com ervilhas lançadas à janela, despertasse o cliente. Despertadores humanos já existiram como profissão. Hoje, qualquer aparelho celular consegue tal proeza. É como se a facilidade, o ato de tentar sempre facilitar, fosse também alguma forma de vida, algum recado passado. Por quem seria?
Lembro que mainha acendia o incenso na lata de leite furada e amarrada com arames pela casa afora. E me pergunto: que cheiro tinha o incenso? Que som fazia a lata balançando? Uma fumaça em espiral subia como o próprio respirar. Estávamos todos encontrados. Hoje, temos facilmente, em cada cômodo, aromatizadores e umidificadores em pequenos objetos que cabem na palma da mão. Tudo isso, de alguma forma, continua a passar um recado. Ao passo que me sinto parte alimentadora e alimentada desta máquina, uma nesga me desconforta, e tenho medo da possibilidade de extravio da mensagem, de não conseguirmos a leitura certa. E vejo no espelho o que já se repetiu tantas vezes. Respirar também é passar um recado para o que não consigo esquecer. Mas, como bem disse o grande poeta Damário Dacruz, “a possibilidade de arriscar é que nos faz homens”.
O jornalista americano James Nestor expôs, em seu livro A nova ciência de uma arte perdida, o resultado de seus anos de pesquisas em viagens pelo mundo. Ele descobriu que a humanidade vem perdendo a habilidade de respirar corretamente. Ele percebeu que as respostas não estão nos laboratórios de pneumologia, mas nos lugares mais inesperados, como escavações em cemitérios antigos, instalações secretas soviéticas, escolas de corais em Nova Jersey e em ruas sujas de São Paulo. É nesses lugares estranhos que ele afirma encontrar homens e mulheres que fazem uso da ciência oculta por trás de práticas respiratórias antigas como Pranayama, Sudarshan Kriya e Tummo. A cada momento que paro as leituras e a escrita destas palavras, respiro. James, que em português significa Tiago, diz que outra palavra para respiração lenta é oração.
Inspirar, expirar, repetir 25 mil vezes por dia. Começo a entender de fato o que é respirar. Talvez respirar — lentamente e de forma repetida — seja a primeira arte esquecida e a última que nos fará lembrar quem somos.

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