Cinco livros para conhecer a obra de Iris Murdoch




Quando publicamos a tradução do texto de Antonio J. Rodríguez sobre Iris Murdoch (veja o final desta post), alguns leitores do Letras, chamaram atenção para o silêncio quase total sobre o nome da escritora no Brasil, principalmente no ano quando se comemora o seu centenário: aliás, 2019 assinala também os vinte anos da sua morte. Mas, uma visita às livrarias e aos sebos responde que, mesmo não colocada entre os interesses principais das editoras, ao menos até agora, não é motivo para dizer de um desconhecimento da literatura da escritora irlandesa no nosso país. Se algumas de suas obras principais ainda não foram traduzidas por aqui, é possível encontrar traduções em Portugal*, onde, ao que parece, Iris tem uma melhor recepção.

Enquanto visitávamos livrarias e sebos, encontramos com uma homenagem proposta pelo caderno Babelia, do jornal El País. O periódico espanhol sublinhava, no âmbito do centenário de Iris Murdoch, o legado da obra da autora de O mar, o mar; em língua espanhola, várias editoras têm reeditado os principais títulos de Iris. Dentre os textos, aparece um guia de iniciação à leitura da vencedora do Prêmio Booker bem elaborado por Andreu Jaume, cujo texto e as indicações foram incorporadas nesta matéria. Isto é, uma lista de obras consideradas fundamentais para o leitor iniciante ou iniciar-se na literatura e no pensamento de Iris Murdoch; além do universo ficcional, ela também escreveu ensaios filosóficos e um deles foi apresentado muito recentemente no Brasil.

Foi então que, unindo a ideia de Babelia ao que sabe de publicação de Iris Murdoch no nosso país, preparamos esta breve lista que amplia o texto sobre a escritora e sua literatura apresentado aqui, atende aos anseios dos leitores que se interessaram por ler dela alguma coisa e retira a impressão de total esquecimento de sua obra entre nós. Aos títulos recomendados por Andreu Jaume, acrescentamos outros – aqueles facilmente encontrados no mercado livreiro que não se resume, é bom dizer, a Amazon e às livrarias mais conhecidas.

Iris Murdoch nasceu em Dublin em 1919 e quando ela ainda muito criança a família se mudou para a Inglaterra, onde cresceu, formou-se e construiu sua brilhante carreira que se marca, como dissemos, por ensaios filosóficos e obras de ficção. Neste último território, ela se insere entre os nomes principais que reivindicam a arte e a literatura num mundo dominado pela força racional e sisuda da ciência; isso porque, sua obra pode ser lida como um estudo acerca das relações entre indivíduos, um espaço criativo onde o drama ficcional problematiza situações sobre a ética e a moral do homem.

Foi com O mar, o mar, publicado em 1978, e talvez uma de suas obras mais conhecidas, que recebeu o Prêmio Booker. A carreira literária de Iris, entretanto, não foi precoce, embora tenha começado, como todo escritor, desde cedo pela leitura e a escrita de literatura. Quando recebeu o importante galardão para as criações literárias em língua inglesa, distanciava pouco mais de duas décadas da publicação de seu primeiro romance – Sob a rede (p.t.). No entanto, esta era já uma obra de elevada maturidade que revela as principais obsessões que determinará as produções seguintes.

Bom, as recomendações de Andreu Jaume são as apresentadas a seguir:

O príncipe negro (p.t.) [1973] é quase um manifesto estético. Neste romance formidável, narrado em primeira pessoa, um escritor prestigiado, mas de pouca obra e que, além de tudo, passa por uma crise de criatividade, se apaixona perdidamente pela filha adolescente de um aluno medíocre, que escreve muito e – caricatura da própria Murdoch – não deixa de produzir romances de sucesso, a quem o protagonista deprecia. A obra é uma reflexão sobre o amor, ao mesmo tempo que um sério estudo sobre a natureza e os perigos da arte.

Henry e Cato (p.t.) [1976] é um thriller metafísico que nos conta o reencontro de dois amigos de infância. Henry é um historiador da arte que regressa dos Estados Unidos para Inglaterra a fim de receber uma herança deixada pelo irmão mais velho; ele havia deixado seu país natal depois de desprezado pelos pais. Cato, seu melhor amigo de infância, também filho de um pai autoritário, se torna padre e Henry o reencontra quando perdeu a fé e está apaixonado por um rapaz de 17 anos da periferia de Londres. As duas vidas se cruzam numa peregrinação moral.

O mar, o mar (1978) é o melhor romance de Iris Murdoch. Toda sua obra anterior se torna num crescendo para desaguar nesta. Da mesma maneira que os livros aparecidos depois formam um lento e luminoso diminuendo. Narrada outra vez em primeira pessoa por uma voz masculina (a habilidade da escritor em se colocar na pele de homens é quase inverossímil), o romance começa sendo a autobiografia de Charles Arrowby, um famoso dramaturgo e diretor de teatro, um sedutor tirânico que aos 60 anos decide isolar-se numa casa à beira-mar e abandonar-se à sua magia, como Próspero em A tempestade, obra com qual o romance de Murdoch faz intertexto. Todos os planos de purificação, entretanto, serão arruinados pelos fantasmas do passado. Os interesses pelas questões morais, amorosas, espirituais e estéticas que conformam a literatura de Murdoch estão reunidas nesta obra.

A estes títulos, dentre outros possíveis de se encontrar no Brasil, como Misha. O encantador, A cabeça decepada, O unicórnio e A moça italiana vale ainda acrescentar:

Os olhos da aranha (1956) é também um dos livros mais célebres de Iris Murdoch. Povoado por um diversificado e vivo grupo de personagens: a sedutora e jovem Annette, que foge da escola para entrar na Escola da Vida, que lhe ensina muito mais do que ela estava preparada para aprender; a violenta e melancólica Rosa, amante de dois irmãos poloneses; o irmão desta, editor de uma revista falida: o estudioso Peter Saward, obcecado por um indecifrável manuscrito antigo; Rainborough, funcionário público, debatendo-se nas mãos da sua ambiciosa secretária. Todas as vidas aqui enredam-se como se numa teia de aranha em torno da misteriosa figura de Mischa Fox, um homem que não é famoso por nada em particular, é apenas famoso.

A soberania do bem (1970). Como filósofa, lris Murdoch sempre defendeu que era necessário escrever com a linguagem comum, evitando conceitos e jargões particulares. Observou ainda que “a Filosofia muitas vezes é uma maneira de encontrar ocasiões para dizer o óbvio”. Este é um bom título para fechar esta lista porque pode-se dizer que ele sintetiza toda a investigação moral proposta pela obra da escritora irlandesa e consegue expor com clareza e coragem perguntas que continuam nos inquietando: “O que é um homem bom?” ou “Como podemos ser moralmente melhores?”.

Em The fire and the sun (1977), ensaio ainda inédito em português no qual retorna a Platão a fim de compreender porque o filósofo escolhe expulsar os poetas da sua República, Iris Murdoch resumiu toda uma vida de intimidade com o platonismo e formula, ao mesmo tempo, uma vibrante defesa da arte: “O grande artista, ao mesmo tempo que nos mostra o que não se salva, implicitamente nos ensina o que significa a salvação”. Andreu Jaume, conclui sua lista dizendo que “se fosse definir todos estes livros com uma só qualidade, não restaria dúvida; seria a mesma que define Shakespeare: a generosidade”.


Notas:
* As traduções portuguesas serão apresentadas neste texto seguidas da sigla (p.t.); o texto de Andreu Jeume é “Pensar y contar” e está disponível aqui.

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