Nossas noites, de Ritesh Batra


Por Maria Louzada



Kent Haruf escreveu o livro (a propósito deste autor, a renomada, inteligente e arguta autora Ursula K. Le Guin escreveu: “Pelo que eu saiba, a coragem e o nível que Haruf alcançou em sua exploração das formas simples de amor — o eterno estado de frustração, o custo de um longo prazo de lealdade, o conforto do carinho cotidiano — não têm iguais na ficção contemporânea.”). A Netflix produziu o filme. 

Mais de cinquenta anos depois de terem estado juntos no sucesso das telas Barefoot in the Park (Descalços no parque, 1967), Jane Fonda e Robert Redford se reencontram neste Our Souls at Night (Nossas noites, 2017). Ele aos 81, ela aos 79 anos. Eles haviam atuado juntos pela última vez em 1979, em um filme de Sydney Pollack, o western The Electric Horseman.

Nossas noites é um filme para saudosistas? Ora, não se deve menosprezar o mérito maior do filme que é o de retratar um envolvimento entre duas pessoas que são viúvos, septuagenários e solitários, que até agora sempre tiveram pouca veiculação cinematográfica. 

O encanto aqui se faz presente por ser tudo muito comum, ele vai ao barbeiro, ela conversa com a amiga, eles tomam conta do neto pequeno dela quando a nora saí de casa e o filho está com problemas para refazer a vida, têm as conversas antes de irem dormir, os pequenos preconceitos envolvendo o passado dele, os traumas dos filhos vindo a tona nas visitações. Em Holt, uma cidade pequena do Colorado, a vida no interior do oeste dos Estados Unidos. 

Talvez estejamos tão cansados, a via humana constantemente posta à prova em tempos tão sombrios, diante dos exagerados banhos de sangue nas telas, tantas correrias, tantos propósitos desfocados por vezes, que advém quase como um conforto, uma certa fragrância suave e bem-vinda ver Jane Fonda de cabelos grisalhos e Robert Redford de fisionomia saturada de rugas, como gente simples, gente das mais comuns possíveis nas telas.

 A única coisa que, pode-se dizer, destoou, escorregando quase num perigoso clichê, foi ela, quase no fim, tomando a decisão errada, abandonando-o a própria solidão friamente, como se uma pessoa mais velha tivesse que se submeter aos ciúmes do filho maduro já, e justificando que o filho era a sua: “família”; ora o parceiro não havia se tornado então: “família” para ela? 

Esta noção erradia de “família” em termos puritanos, remetendo a década de 1950 do século XX quando Douglas Sirk dirigiu Jane Wyman em All That Heaven Allows (Tudo o que o céu permite, 1955), e esta teve sob pressão de tomar a decisão de abandonar o caso amoroso com Rock Hudson por causa dos ciúmes egoístas dos filhos, revendo depois, quase tardiamente, o seu arrependimento e a sua volta, este critério melodramático dito poderia ter sido descartada aqui em Nossas noites, em pleno Século XXI, por algo mais sensato e condizente com os direitos as escolhas livres das viúvas septuagenárias.

Nossas noites foi dirigido pelo indiano Ritesh Batra, que dirigiu, entre outros, A Sense of an Ending (2016) baseado no livro de Julian Barnes, com Jim Broadbent e Charlotte Rampling, e também o conhecido: The Lunchbox (2013). Na trilha sonora, Etta James com A Sunday Kind Of Love; e What A Difference A Day Made, e Willie Nelson.   

Emocionou ver o vídeo de Robert Redford e Jane Fonda, dois veteranos, no tapete vermelho do Festival de Cinema de Veneza 2017 para a première do filme.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seis poemas-canções de Zeca Afonso

Boletim Letras 360º #580

A bíblia, Péter Nádas

Palmeiras selvagens, de William Faulkner

Boletim Letras 360º #574

Boletim Letras 360º #575