Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese



Diretor retorna ao ambiente onde viveu sua infância para produzir uma visão sem glamour da máfia

Dezessete anos depois de Caminhos Perigosos (1973), Martin Scorsese retorna não só ao gênero gângster como também ao cenário de sua infância - um bairro ítalo-americano em que os mafiosos eram tão comuns quanto as mamas e as pizzarias. Para os jovens que cresciam em ruas assim, aqueles homens de terno e dinheiro transbordando dos bolsos eram ídolos, aquele cotidiano era seu ideal de vida. Como disse Scorsese certa vez: "ou a pessoa virava gângster ou virava padre" (o que por muito pouco não foi o seu caso). Por isso não surpreende que logo no começo de Os bons companheiros seja dita a frase "desde que eu consigo me lembrar, eu sempre quis ser um gângster".

O autor dela é Henry Hill, cuja autobiografia deu origem ao roteiro. Ele é interpretado por Ray Liotta (que nunca mais teve outra atuação boa), que conta três décadas na vida de um grupo de mafiosos, desde os tempos em que eram os donos do bairro até a decadência regida pelo vício por drogas e a escolha de Hill em se tornar informante do FBI. Desde a adolescência na contravenção, ele tem como parceiros o austero e respeitado Jimmy Conway (Robert De Niro) e o inflamável Tommy DeVito (Joe Pesci). Este ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelas divertidas explosões de Tommy.

O filme representou o retorno de Scorsese aos braços da crítica e do público depois de uma irregular década de 1980. É uma espécie de O Poderoso Chefão às avessas: ao contrário do mundo elegante e aristocrático de Corleone, penetramos um universo de mentiras, traições, assassinatos desnecessários, tráfico de drogas e de membros dos subúrbios e de postos inferiores na hierarquia da máfia. Enquanto Francis Ford Coppola dirige a sua trilogia de forma operística, Scorsese imprime ritmo frenético à condução da história. Talvez seja o seu trabalho mais virtuoso - o enorme take mostrando o restaurante freqüentado pelos gângsteres realça isso. A trilha sonora roqueira e a edição de Thelma Schoonmaker completam as qualidades técnicas.

Cinco anos depois de Os bons companheiros, o cineasta retornaria ao tema com Cassino (1995), outra aguda observação sobre o crime organizado que não recebeu a devida atenção e foi considerada auto-repetição. Uma injustiça: porque ambos se completam.

* Revista Bravo!, 2007, p.79.


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