Aluísio Barros e seu “Dos amores que beiram os meus caminhos e outros poemas”



Tem alguns anos que Aluísio Barros não aparece na cena literária potiguar; ao menos com algum livro como este Dos amores que beiram os meus caminhos e outros poemas. Não quer dizer, portanto, que ele não tenha estado em permanente atuação, entre um poema disperso aqui, um texto em prosa ali, dos gêneros mais variados, conto, texto acadêmico. Jornalista sem diploma, como se admite, o escritor, já reconhecido na cena potiguar por nomes como Tarcísio Gurgel que, no seu estudo introdutório à literatura do Rio Grande do Norte, não se esquece de mencioná-lo entre os nomes da nova geração, o interstício é justificado por várias vias. Uma delas é que Aluísio também é professor de Literatura e durante os últimos anos dedicou-se a um mestrado acadêmico com enfoque na obra do escritor moçambicano Mia Couto. Outra, é que toda obra literária, e ele tem consciência disso, exige tempo e maturação. Ainda mais quando o lugar textual em que se experimenta, contrariando as expectativas do senso comum, é o da poesia.

Antes do lançamento do novo livro, conversei por e-mail com o poeta sobre esse trabalho com a poesia; estive interessado em perscrutar os lugares poéticos de um autor que, independentemente, publicou outros quatro títulos: Pássaro oculto (1981), Canção fora de tom e moda e outros poemas (1986), Anjo torto (1993), e Não toque, Alice (2001). Se uma das grandes dificuldades de qualquer um é a de versar sobre si – e há alguns escritores que não têm qualquer interesse em se autoperscrutar publicamente – Aluísio foi na direção contrária quando quis saber dele um retrato de si e de seu trabalho. Admite-se não querer ser voz solta e que merece sempre um retorno a ela: olha-me de novo. Estou tentando dizer algo. Quanto ao fazer poético, tem a consciência certeira de muitos dos da cena contemporânea: “Sempre disse que apanho poemas em minhas andanças, nas conversas, nos apertos de mãos. De corpos, também. Cotidianamente. Tento transformar em linguagem aquilo que a realidade me mostra. Sem deixar de acarinhar a palavra. De que me adianta um verso fechado...”

Nesse ínterim, Aluísio se distancia daquele grupo que tem no trabalho literário uma posição hermética; não está interessado em laboração poética apenas para um grupo de intelectuais ainda presos numa pretensa realidade acima da realidade comum. Quer ser lido pelos pares, mas pelo leitor comum – esse que consiga também apanhar sentidos das andanças, das conversas: “Escrevo na esperança de ser lido. Eu preciso que alguém leia os meus poemas e faça então valer a minha poesia. Que ela nasça porque da gaveta eu já libertei. Daí, o vocabulário simples: da manhã, do dia. Confissões? Quem me dera! Estou na cidade e quero minha pertença, o meu lugar.” Para ele, a palavra só, de fato, é palavra, quando viva e ela é só viva quando dita, quando lida. O papel do poeta, então, está assente ao do libertador de sentidos e depende diretamente do papel do leitor, aquele que apanha os sentidos libertados e os transforma em matéria para além da instância comum.

A sua quinta tentativa de poesia ora vinda a lume é o tipo de “poesia pensada, naquela medida em que tal ato pode ser assim dito.” Nesse processo já se evidencia o valor do grande verão poético sobre o qual mencionei no princípio deste texto. O trabalho nasce “de olhar olhares, do sentir”. “Deixei meu Anjo deambular, sem proteção, apesar da insegurança crescente”. Forjado para ser uma linguagem outra. O poeta assume-se numa direção que julga necessária nesse cenário: “o outro cada vez mais se contando por mim...” “Olhei os amores. E também senti minhas outras tantas faltas.”   

Nesse orbe de sentidos, Aluísio diz não ter afeto por um poema em específico. “Eu gosto dos Anjos que me acompanham desde que escrevo. Eu os encontro em todos os meus poemas. Não há um goste mais. Reescrevo-o, se o sentido ainda não me basta.” Nesse rastro acerca da consciência poética de Aluísio é perceptível a ideia do poema enquanto fabricação, engenharia, no melhor sentido desse termo: o da construção marcada pela apreciação do detalhe, do ir e vir do sentido até que ele se mostre em sua inteireza, via para compreensão do mundo e daquilo que lhe cerca. Também não tem desprezo por um poema em específico; mesmo sabendo que “todo poeta comete seus pequenos deslizes”, é preferível a reescrita até dá-lhe fôlego e “senti-lo pronto para voar.” “A reescrita é lição, nos diria Haroldo de Campos. Aliás, o processo da escrita não se finaliza nunca. É uma colcha de infinitos panos... Um romance, desejo. Não tenho medo de errar.” E aponta como um poeta desejoso de um dia entregar-se a escrita de um romance.  

O poeta enquanto feitor do poema, instante em que primeiro se prime em suas fronteiras as possibilidades da poesia, é somente aquele capaz de conviver no limiar de uma epifania constante que lhe permita estar cercado do tempo primordial; epifania que é um fenômeno do espírito e diz uma maneira de estar locado e simultaneamente deslocado. Um pulso de iluminação. Não há, para isso, leis próprias, fórmulas prontas de se ensinar. Há, para isso, a necessidade do poeta ser feito pela vivência da palavra e seu denso universo fulgurativo. No caso de Aluísio este efeito epifânico se dá como um “perder-se”; “não conseguir pousar no local planejado é o que mais me atormenta quando alço voo. Na sua vivência da palavra, Aluísio define seus pares, aqueles com os quais mais convive nesse museu de sentidos, os “nossos galos”: Bandeira, Drummond, Cecília, Cabral, Vinicius... O ofício me põe sempre em contato. Nas lições de cada, capto o que é possível, porque, iniciada a viagem, não se leva pedras.”

Quando lhe mencionei acerca do boom poético que temos vivido desde que o verso e a estrofe foram removidos dos espartilhos e o poeta desceu da torre de marfim em que sempre o colocaram, percebi o encontro de ideias com aquilo que já tenho pensado: há sim uma grande quantidade de livros de poesia, mas falta o leitor. “O impulso da escrita paparazzi domina a cena. Se não toca no rádio, vira um post no ciberespaço. Uma curtida, duas, até contaminar feito vírus, sem que sentido algum realmente tenha sido compartilhado porque não foi necessariamente buscado; não era esse o objetivo. Sem ausculta, o poema morre. Diante do espelho, o poema posa murcho para a foto do dia, prontinho para perder-se nos buracos negros da rede.”

Nessa linha, o ponto converge para uma visão muito própria acerca do que se produz no Rio Grande do Norte. Sobre poetas ou aspirantes a. E desabafa: “Poetastros! (Re)morei os três últimos anos em Natal, para constatar mais uma vez que o Cabugi continua a nos dividir. E não há uma cidade feliz capaz de abraçar os seus poetas. Desinteressada em receber os cururus da beira do rio, porém submissa ao que pode render mídia futura. Coisas futuras! Para lembrar a mãe dos gêmeos machadianos. Há muito teatro na cena literária potiguar. Cá e lá.” O cá e lá a que se refere é Natal e Mossoró; na capital, Aluísio morou para cursar o Mestrado em Literatura Comparada. Em Mossoró, o poeta vive desde sempre, quando saiu de Apodi e foi testar sua escrita para vários jornais da cidade: O Mossoroense, Gazeta do Oeste e Jornal de Fato.

Voltando a cena literária no Rio Grande do Norte comentei com Aluísio sobre os ares da crítica, ora de superioridade ora de inferioridade, sempre a depender de que meio da pequena crítica o analista está. O poeta tem convicção que, sim, há esse mover-se. Para ele, entretanto, a boa crítica é aquela que ilumina e aponta caminhos. Mas, segundo o autor de Dos amores o estado está em crise. Também o mundo está em crise: os poetas é que não desistem, diz, apesar do desinteresse crescente. E insiste em duas possibilidades para se rever tudo isso e quem sabe aportar uma saída: se para o poeta há que ter parcimônia pelo sentido através de um labor da palavra, “Convive com os teus poemas, antes de escrevê-los./ Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam” – a lição do poeta Carlos Drummond é também válida para a crítica. Aos poetas cabe a insistência, a resistência contra a coisificação do ser. “A humanização como [único, vital] caminho. Não esquecer a realidade, os dias que correm, como matéria da poesia. Se o cantar se mostrar inútil: cruzemos, então, os nossos gritos de galos. E resistiremos.”

Enfim, devo dizer da lucidez e do zelo de Aluísio com a palavra. Como todo bom poeta em constante aprendizado. Devo redizer a recomendação do poeta, leiam Dos amores que beiram os meus caminhos e outros poemas. Aí ficará diante de uma sensibilidade em expansão. De um poeta consciente de seu ofício. 

Comentários

sofia alice disse…
Adorei !
Preciso ler esse livro urgentemente.

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Boletim Letras 360º #605

A vegetariana, de Han Kang

Cinco coisas que você precisa saber sobre Cem anos de solidão

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Para lembrar João do Rio, o ficcionista

Boletim Letras 360º #596