Seis poemas de Robert Frost

Por Pedro Belo Clara
(Seleção e versões)


Robert Frost. Foto: Alfred Eisenstaedt



 
CEIFANDO
(A Boy’s Will, 1913)
 
Nada se ouvia junto à mata, sendo isto a excepção:
A minha gadanha à terra sussurrando.
Que era que sussurrava? Não saberei dizer;
Talvez o sol e seu calor fosse a questão,
Talvez que nenhum som se estava escutando –
E por isso sussurrava na vez de falar.
Não foi nenhum sonho de dádiva das horas ociosas,
Ou oiro fácil nas mãos de fada ou elfo a resplandecer:
Algo mais que a verdade iria decerto fraquejar
Diante do sincero amor que em filas a vala colocou,
Não sem arrancar os frágeis picos de flores vaidosas
(Pálidas orquídeas), e assustar uma cobra de verde avivado.
O facto é o mais doce sonho que o labor experimentou.
A minha gadanha sussurrou e o feno por fazer foi deixado.
 
 
REPARANDO O MURO
(North of Boston, 1914)
 
Há algo que não morre de amores por muros,
Que faz o chão congelado inchar debaixo deles,
E desarranja os pedregulhos do topo, ao sol;
E cria falhas onde até dois podem passar lado a lado.
A acção dos caçadores é outro assunto:
Já cheguei depois deles e fiz reparações
Em sítios onde nem uma pedra sobre outra deixaram,
Mas eles conseguiram tirar o coelho do esconderijo
Para agrado dos cães que ganiam. As falhas
Nunca ninguém as viu ser feitas ou escutaram a sua ocorrência,
Mas na primavera, o tempo das reparações, lá nos esperam.
Deixei que o meu vizinho para além da colina tomasse conhecimento;
E certo dia encontrámo-nos para percorrer o muro
E de novo, entre nós dois, o erguer.
À medida que caminhávamos íamos cuidando do muro,
A cada um cabendo o pedregulho que havia tombado no seu lado.
Alguns são pães-de-forma, outros quase bolas.
Temos de recorrer a um feitiço para mantê-los equilibrados:
“Fica onde estás até as costas te virarmos!”
Os nossos dedos ficavam ásperos de os carregar.
Oh, apenas mais um género de jogo de exterior,
Cada qual no seu lado. Vai ainda um pouco mais longe:
Até ao ponto de não necessitarmos de muro:
As suas terras são pinhais, as minhas um pomar de macieiras.
As minhas árvores jamais passarão a fronteira
E comerão as pinhas debaixo dos seus pinheiros, digo-lhe eu.
Ele apenas diz, “Boas vedações fazem bons vizinhos”.
A Primavera é um mal em mim, e penso
Se conseguiria colocar um conceito na sua mente:
“Porque fazem elas bons vizinhos? Não é assim
Nos lugares onde existem vacas? Aqui não temos vacas.
Antes de construir um muro, perguntaria eu
O que estaria a murar, o que ficaria dentro e fora,
 
E a quem decerto estaria a fazer ofensa.
Há algo que não morre de amores por muros,
Que deseja vê-los por terra”. Poderia dizer-lhe “Elfos”,
Mas não são exactamente elfos, e preferi
Que por si mesmo o dissesse. Vejo-o ali,
Trazendo ao alto, firmemente nas duas mãos,
Uma pedra, como um selvagem da pré-história armado.
Move-se na escuridão, assim me parece,
Mas não dos bosques ou da sombra das árvores.
Não irá atraiçoar o que o seu pai dizia,
E tanto aprecia ter pensado muito sobre o caso
Que de novo diz, “Boas vedações fazem bons vizinhos”.


A ESTRADA NÃO PERCORRIDA
(Mountain Interval, 1916)
 
Duas estradas divergiam num bosque doirado,
E lamentando o rumo de ambas não poder tomar,
Sendo um só viajante, muito tempo fiquei, calado,
Observando uma delas, atento e ponderado,
Até ao longe, pela rasteira vegetação, se dobrar.
 
Então, a outra considerei, igualmente bem-apresentada,
Quem sabe se o louvor de mais bela não pudesse merecer,
Estando coberta de erva, pedindo caminhada,
Embora no que respeita a visita passada
Qual teria maior desgaste seria difícil dizer.
 
E ambas, naquela manhã, de folhas a cintilar,
Folhas que uma pisada torná-las negras é capaz,
Oh, deixei a primeira para noutro dia trilhar!
Sabendo como caminho abre caminho ao se passar,
Perguntei-me se deveria alguma vez voltar atrás.
 
Com um suspiro estas coisas deveriam ser faladas,
Em algum lugar, daqui a incontáveis eras:
Divergiam num bosque duas estradas
E segui pela que tinha menos pegadas,
O que fez toda a diferença, deveras.
 
 
NADA DE OIRO PERMANECE
(New Hampshire, 1923)
 
Oiro é o primeiro verde da natureza,
A matiz mais difícil de manter, com certeza.
A sua primeira folha é flor, embora
Mais não dure que uma hora.
Então, folha sucede a folha, sem cessar.
Assim o Paraíso naufraga em pesar,
Assim a madrugada, para o dia nascer, desvanece.
Nada de oiro permanece.
 


FOGO E GELO
(New Hampshire, 1923)
 
Dizem alguns que pelo fogo o mundo terminará;
Outros dizem: o gelo o irá destruir.
Pelo que o desejo me deu a provar já,
Alio-me aos que adivinham o que o fogo fará.
Mas se por duas vezes tivesse de sucumbir,
Julgo do ódio saber o suficiente
Para afirmar que o gelo, para destruir,
É grandioso, igualmente,
Que o trabalho saberia cumprir.
 
 
PARANDO JUNTO AOS BOSQUES NUM ANOITECER NEVADO
(New Hampshire, 1923)
 
Creio conhecer estes bosques, não terei os sentidos enganados.
O dono possui casa na vila; afastem-se os cuidados,
Não me verá aqui, parando para observar
Os seus bosques de neve ornados.
 
O meu pequeno cavalo deve estranhar
Uma paragem aqui, sem uma quinta se avistar
Entre os bosques e o lago congelado, uma solidão  
No mais escuro anoitecer que o ano podia registar.
 
Agita os guizos do seu arnês, um abanão
Para perguntar se algo estará errado, ou não.
O outro som capaz ainda de se ouvir
É o leve varrer do vento, a queda de flocos no chão.
 
Os bosques são belos, negros, profundos: assim os sei sentir;
Mas tenho promessas que devo cumprir,
E milhas para percorrer antes de dormir,
E milhas para percorrer antes de dormir.
 
______

Robert Lee Frost, um dos mais notáveis poetas norte-americanos, nasceu em 1874 na cidade de São Francisco, na Califórnia.
 
O seu pai, falecido precocemente (fatalidade que acometeria muitos outros membros da família), era professor e jornalista. Obtendo um contacto próximo com o exercício da escrita desde terna idade, o jovem Robert, revelando talento para a poesia, consegue publicar o seu primeiro poema numa revista do liceu onde então estudava, no estado de Massachussets — para onde a família se mudara após a morte do progenitor.
 
Frequentou brevemente a universidade, decidindo regressar a casa passados apenas dois meses. Mesmo sentindo o apelo da poesia, Frost não deixou de explorar diversas profissões, e nos mais variados campos: foi professor, distribuiu jornais e trabalhou numa fábrica de lâmpadas. Após vender o seu primeiro poema para um jornal, Frost começou por sentir a confiança necessária para seguir o seu desejo — ou chamamento, como dizia. Casa-se pouco tempo depois, com a esposa de toda a vida, e regressa à universidade — a prestigiada Harvard. Porém, frequenta-a somente por dois anos, desistindo por motivos de saúde.
 
Muda-se com a esposa, de seguida, para a quinta que o seu avô lhe havia oferecido. Durante nove anos, Robert Frost trabalha a terra da propriedade, aproveitando as primeiras horas de todas as manhãs para escrever. Alguns dos seus mais notáveis e famosos poemas foram compostos neste período.
 
Com o falhanço da quinta, cuja produção deixou de ser rentável, Frost regressa ao ensino. Anos depois, cansado da pouca atenção que o seu trabalho recebia por parte dos editores e do público, muda-se para Inglaterra com a família, e será nesse país que editará o primeiro livro: A Boy’s Will, em 1913, quando contava já com 39 anos de idade. No ano seguinte, sai North of Boston, outra das suas obras mais notáveis.
 
Embora familiarizado com o novo país de residência, onde travou conhecimento e amizade com diversos poetas, começando ele mesmo a adquirir um prestígio digno de nota, decide, em plena Guerra Mundial, regressar ao Estados Unidos. Curiosamente, tal decisão coincide com o lançamento do seu primeiro livro no mercado norte-americano. Compra, então, a quinta onde residirá vários anos da sua vida, actual museu e centro educacional, e dedica-se exclusivamente à escrita, ao ensino e à actividade de palestrante.
 
Em 1924 vence o primeiro dos quatro prémios Pulitzer que obteve, sendo o único poeta, até aos dias de hoje, a conseguir tão ilustre colecção. O mérito chegou pela publicação de New Hampshire.
 
Apesar de ter nascido e crescido na cidade, o trabalho de Frost é famoso pelos seus retratos da vida rural, cenários realistas amiúde usados para oferecer reflexões — por vezes complexas — sobre a condição humana e o seu lugar no mundo, problemas e relações sociais e exposição de ideias com algum teor filosófico. Através deste exercício, a paisagem rural da Nova Inglaterra, nos primórdios do século XX, foi imortalizada em variadas gravuras evocadas pelas suas palavras. Porém, o seu discurso, mesmo acurado e limpo, é coloquial, muito próximo do homem comum, o alvo preferencial das suas incursões poéticas. Não obstante, exibiu com maestria um domínio da rima e do ritmo.
 
Conseguindo abraçar a opressora imensidão das coisas inóspitas e o brilho das coisas mais breves e simples, a sua poesia é atravessada pelo contentamento feliz da vida frugal, mas igualmente pela solidão profunda que brota da condição humana. Tanto bebe, digamos, da luz dum coração generoso como se alimenta da imensa noite do espírito — ele que em vida fora afectado por períodos de depressão, a mesma doença que se manifestara em sua mãe.
 
Um poeta sóbrio e honesto, bastante musical, com olho para o detalhe e capacidade intelectual para reflectir e propor novas abordagens, conheceu algumas oscilações de popularidade ao longo da sua vida. Por vezes, fora acusado de ser demasiado tradicional na sua expressão poética (sabe-se como bebeu das obras de, entre outros, Yeats, Keats e Emerson), algo que o arredou duma onda mais vanguardista que a dada altura surgiu. De facto, aquando da sua morte, muitos ainda o consideravam uma espécie de poeta popular, muito ligado à terra e a cenários idílicos, não obstante os méritos que o seu trabalho havia granjeado e, acrescente-se, o respeito que, ainda assim, gozava na comunidade. Só muito mais tarde uma nova geração de poetas veio reerguer o legado de Frost e reafirmar o seu inegável talento, firmando-o como um dos maiores poetas americanos de sempre.
 
Foi nomeado para o Nobel em trinta e uma ocasiões, embora nunca o tenha vencido. Influenciaria, porém, a obra dum futuro laureado, o poeta irlandês Seamus Heaney (em 1995). O seu último livro editado em vida saiu no ano de 1962, uma colectânea denominada In The Clearing, onde figurava o poema escrito para a cerimónia de empossamento de John F. Kennedy como Presidente dos Estados Unidos, cujos versos o autor, no célebre dia, não foi capaz de ler — devido aos reflexos da luz no palanque da solene ocasião.
 
Em finais de janeiro de 1963, Robert Frost falece, aos oitenta e oito anos de idade, devido a complicações no decorrer duma cirurgia a que fora submetido. Na sua lápide foi inscrito o último verso do poema “The Lesson for Today”, de 1942: “Tive com o mundo um arrufo de amantes.”

 
* As versões são a partir de A Collection Of Poems by Robert Frost (Canterbury Classics, 2019).
 

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